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Primeiro Presidente de Angola homenageado em Portugal

João Carlos (Lisboa)17 de junho de 2016

Percurso do primeiro Presidente de Angola na Casa dos Estudantes do Império, em Coimbra, foi determinante para a luta de libertação de Angola. Repressão durante a presidência de Neto não foi abordada durante a homenagem.

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Agostinho Neto
Foto: casacomum.org/Documentos Dalila Mateus

Durante a homenagem, que decorreu no dia 7 de junho de 2016 na Universidade Lusófona em Lisboa, apenas se falou bem do histórico lutador pela libertação nacional de Angola: no ato comemorativo foram marginalizadas, sem direito a qualquer referência, as atrocidades que o primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, cometeu no seio do MPLA, nomeadamente na Frente Leste, assim como os episódios "bárbaros" que marcaram os acontecimentos do 27 de maio de 1977.

A autoria da iniciativa foi da Associação Casa da Cultura Angolana Welwitschia, dirigida por Eduarda Ferronha, por ocasião dos 40 anos da independência de Angola.

Todas as intervenções evocaram António Agostinho Neto como estadista, escritor e poeta, realçando também a sua passagem pela Casa dos Estudantes do Império (CEI), encerrada em 1965, pela então polícia política portuguesa (PIDE).

Nos anos 60, personalidades como Neto, que frequentaram a delegação da Casa em Coimbra, tiveram um papel relevante no processo de descolonização e independência das antigas colónias portuguesas em África.

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"Neto estudou, sim, mas sobretudo dedicou-se à causa da independência"

Vitor Ramalho, secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), recordou a fuga organizada de Portugal para Paris de mais de cem destes jovens, os quais abandonaram os seus cursos em 1961 para se dedicarem à causa da independência dos respetivos países.

Segundo lembrou Ramalho em entrevista à DW África, "o dr. Agostinho Neto esteve a estudar em Portugal Medicina e enquanto estudante participou ativamente, antes de ser preso, na CEI em Coimbra." E acrescentou: "Depois de estar preso quem fazia a ligação dele a estudantes amigos da CEI era a mulher, Maria Eugénia. Foi uma personalidade incontornável do ponto de vista cultural da Casa."

Na mesma homenagem, o embaixador angolano Luís José de Almeida, então companheiro de luta, enalteceu várias facetas de Neto como homem de convicções.

"A passagem pela CEI foi a primeira etapa da sua vida como nacionalista", afirmou o embaixador: "A Casa dos Estudantes do Império formou muita gente. Era na CEI que nós confrontávamos as nossas ideias, que discutíamos os nossos problemas, que nos solidarizávamos uns com os outros. Fazíamos trabalho político, mas clandestino. Aliás, na CEI todos nós só pensávamos numa coisa: como trabalhar para chegarmos à independência?"

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Os acordos do Alvor foram assinados em 1975. Agostinho Neto (na foto à esquerda) liderou a delegação do MPLAFoto: casacomum.org/Arquivo Mário Soares

"Os nacionalistas africanos também lutavam contra a ditadura em Portugal"

Na altura, em grupos restritos, não só era tema de conversa os ideais pela independência em Angola, mas também sobre a luta contra a ditadura em Portugal.

Foi através de Carlos Veiga Pereira, seu amigo pessoal, que Neto viria a ser proposto para sócio da CEI, quando a direção da Casa era praticamente dominada por moçambicanos. Fizeram-se eleições e a direção da Casa passou a incluir, além de moçambicanos, angolanos. Pela primeira vez um negro integrava direção da CEI - um marco importante na própria carreira do Agostinho Neto.

Carlos Veiga Pereira, que voltou a Angola em 1978 como jornalista, faz uma breve referência ao “27 de maio de 1977”, mas sem desvendar muito sobre os acontecimentos que marcaram aquele período: "Eu fui de facto ao Futungo de Belas [Palácio Presidencial em Luanda], ainda se vivia uma situação muito tensa. Tinha havido, cerca de um ano antes, a questão do '27 de maio' e ainda havia cuidados de segurança impressionantes. Lembro-me que do Futungo de Belas fomos para o Mussulo de helicóptero e no seu corredor ía um cubano com uma pistola metralhadora na mão. Havia uns cuidados de segurança enormes, revista das pessoas e dos pacotes, etc."

Agostinho Neto: um ser humano com virtudes e defeitos?

O sociólogo angolano, Manuel dos Santos, observou a homenagem ao primeiro Presidente de Angola com sentido crítico, sobretudo porque há uma persistente atitude de ocultação de alguns episódios menos positivos da história de Angola, nomeadamente do “27 de maio”: "Todos esses períodos profundamente críticos da presença de Neto na história política de Angola não foram aqui analisadas porque representam o primeiro problema, nomeadamente que nós continuamos a não ter coragem de fazer uma análise. Isso é a mesma questão que se coloca quando se faz a análise da figura de Jonas Savimbi. Regra geral, quando são os seus opositores, tratam logo de colocar simplesmente a dimensão negativa da sua figura", acrescenta.

O sociólogo insiste numa análise crítica e profunda sobre estas figuras da história de Angola, porque considera que elas «não precisam de ser endeusadas»: "Precisam de ser tratadas como homens com virtures e com defeitos, com elementos de grandiosidade no seu percurso, mas também com toda a parte negativa que carregam sob o risco de continuarmos a idolatrá-los, a fazer o culto de personalidade à volta dessas figuras, [que] em muitos casos até não queriam isso."

Agostinho Neto
Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola: mais uma vez homenageado em PortugalFoto: casacomum.org/Documentos Dalila Mateus