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Autocratas africanos continuarão no poder?

Martina Schwikowski | mjp | gcs
29 de novembro de 2017

Líderes autocratas olham com atenção para a situação política no Zimbabué, após a renúncia do Presidente Robert Mugabe. Nos Camarões, intensificam-se os apelos a uma mudança no poder.

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Presidente dos Camarões, Paul ByiaFoto: picture-alliance/ZUMA Wire/W. Ying

O destino político de Robert Mugabe no Zimbabué fez soar os alarmes nas regiões do continente onde os líderes autocratas temem cada vez mais a revolta da população e dos opositores. A renúncia de Mugabe, na semana passada, após 37 anos na Presidência, serve de alerta aos chefes de Estado que se agarram ao poder há décadas.

Tedoro Obiang, da Guiné-Equatorial, encabeça esta lista. É o Presidente africano há mais tempo no poder: 38 anos. Em segundo lugar está o seu vizinho dos Camarões, Paul Byia, de 85 anos. Lidera o país com mão de ferro há 35 anos e é o Presidente mais velho do continente.

Por estes dias, o ambiente de mudança no Zimbabué já se faz sentir nos Camarões, onde a oposição intensificou os apelos à demissão de Biya. Também entre a população nas ruas da capital, Yaoundé, os slogans anti-Presidente subiram de tom.

Simbabwe Mugabe Mural in Mbare
Robert Mugabe renunciou após golpe militarFoto: Reuters/P. Bulawayo

Situação "muito perigosa" nos Camarões

O "Presidente eterno" recusa implementar as reformas necessárias, criou um clima de divisionismo no país e silenciou as vozes críticas, acusam os seus opositores.

Joshua Osih está convencido de que o futuro nos Camarões não será muito diferente do Zimbabué. "Não gostaria nada que houvesse um banho de sangue, mas não se está a fazer nada para o impedir", afirma o vice-presidente da Frente Social Democrata (SDF), o maior partido da oposição camaronesa. "Sem visibilidade, tudo se torna explosivo e hoje em dia esse é o grande problema nos Camarões - ninguém sabe o que vai acontecer, quando e como vai acontecer, só sabemos que vai acontecer." É uma situação muito perigosa, conclui Osih.

Os Camarões são um barril de pólvora que pode explodir, concorda Boniface Mbey, politólogo da Universidade de Yaoundé. "Mas, ao contrário de Mugabe no Zimbabué, Biya tem mão firme no exército, com homens leais em posições estratégicas", afirma. "Se mais partidos se juntarem ao movimento oposicionista do SDF, os Camarões poderão ser o próximo foco depois do Zimbabué."

Mas os apoiantes do Presidente Biya têm uma opinião bastante diferente. "Biya é muito diferente do Presidente Mugabe porque nunca sinalizou abertamente que pretende instituir uma dinastia nos Camarões", afirma Aboubakar Ibrahim, consultor jurídico do partido no poder, o Movimento Democrático Popular dos Camarões (CPDM) e braço direito de Biya. "Penso que as dificuldades de Mugabe não advêm da sua longevidade no poder; resultam do facto dos zimbabueanos terem visto que ele se preparava para colocar a mulher no seu lugar."

Autocratas africanos continuarão no poder?

Cidadãos de vários países esperam que a era dos Presidentes longevos esteja a chegar ao fim.

Independentemente do que o futuro trouxer, o certo é que muitos líderes autocratas estão a olhar com atenção para o que passou com Robert Mugabe, afirma Lisel Louw-Vaudran, consultora no Instituto de Estudos de Segurança em Pretória. "Eles viram o que aconteceu a Robert Mugabe, principalmente as celebrações nas ruas. Muitos, tal como Mugabe, não fazem a mínima ideia daquilo que as pessoas normais sentem", diz em entrevista à DW.

Ainda assim, Louw-Vaudran considera que ainda é muito cedo para falar de um efeito de contágio do golpe no Zimbabué. No Burkina Faso, quando o Presidente Blaise Compaoré foi deposto em 2014, pensou-se que era o início da "Primavera Árabe africana" e que muitos líderes iriam abandonar o poder. "Mas isso não aconteceu".

É preciso ter cuidado com as previsões, adverte a analista: a situação política na Guiné Equatorial, por exemplo, é muito diferente da do Zimbabué. O país já foi palco de mais do que um golpe de Estado, é rico em petróleo e a população vive oprimida, sublinha.

O petróleo é também um fator-chave na República do Congo, governada há muitos anos por Denis Sassou-Nguesso. Para se proteger, o líder congolês governa com mão-de-ferro, comenta a consultora Lisa Louw-Vaudran.

Sassou-Nguesso alterou a Constituição a seu favor e removeu o limite de mandatos da Presidência, tal como o Presidente do Chade, Idriss Déby, que está no poder há 27 anos. Nestas circunstâncias, segundo a analista, os protestos populares não constituem uma grande ameaça.

Reação no Uganda

Ainda assim, alguns países reagiram de imediato à demissão de Mugabe. "Logo após a renúncia de Mugabe, o Presidente ugandês, Yoweri Museveni, aumentou o salário dos soldados e dos funcionários do Governo. É muito significativo."

Museveni está no poder desde 1986 e é um dos líderes que podem ser afetados pela queda de Mugabe, afirma Louw-Vaudran.

Nicholas Opiyo, advogado dos direitos humanos ugandês, acredita que o Uganda está a seguir o caminho do Zimbabué. O ativista acusa o Presidente de se agarrar ao poder recorrendo à corrupção, fraude eleitoral e intimidação da oposição.

"Chegámos a um ponto em que a última réstia de segurança na nossa Constituição - o limite de idade para alguém se candidatar à Presidência - está prestes a acabar", afirma.

Alpha Condé
Alpha Condé diz que a idade não é o que está em causaFoto: Getty Images/M. Medina

Mais democracia

Para Denis Goldberg, ativista anti-apartheid na África do Sul, o exemplo de Robert Mugabe, no Zimbabué é para ser seguido. O Presidente sul-africano, Jacob Zuma, já foi alvo de oito moções de censura desde que assumiu o poder, em 2009, mas mantém-se no poder, apesar de estar no centro de uma série de escândalos de corrupção.

"Quero que o meu país siga o exemplo de um Presidente que tem de sair. Ele tornou-se autoritário e responsável pela invasão de um sistema de valores pelo qual eu e muitos outros lutámos e fomos detidos. Muitos morreram. Mugabe é um bom exemplo de um ditador", afirmou.

O papel dos jovens

Como é que o continente se pode tornar mais democrático, a longo prazo?

Alpha Condé, chefe de Estado da Guiné-Conacri e presidente em exercício da União Africana, diz que o futuro pertence aos jovens. E os governantes estão conscientes disso, disse Condé à DW, acrescentando que é por isso que a juventude é o foco da quinta cimeira União Europeia - África, que decorre até quinta-feira (30.11) em Abidjan. É importante investir nos jovens e na boa governação, referiu Condé, para garantir que África é governada em benefício da sua população, em particular das mulheres e dos mais novos.

À semelhança de outros líderes, Condé, de 79 anos, também não parece estar disposto a deixar o poder, após sete anos no cargo.

"A idade não é o que está em causa - a questão é se se sabe o que é bom para estes jovens", disse. "Pode ter 30 anos e não fazer nada pela juventude ou ter 90 e fazer muitas coisas em benefício dos jovens."

"No que me diz respeito, esse debate está a seguir a direção errada", concluiu Alpha Condé.