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Banda desenhada traz histórias de madgermanes

Bettina Riffel6 de junho de 2016

A alemã Birgit Weyhe contou em quadrinhos as angústias e sentimentos de madgermanes em Moçambique, cuja situação incerta continua. A DW África entrevistou a autora.

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Página retirada do livro "Madgermanes" retrata momento em que eles chegaram a Berlim (RDA)Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe

Em Moçambique, a situação dos ex-trabalhadores moçambicanos que na década de 1980 trabalhavam na, hoje extinta, República Democrática da Alemanha (RDA) não mudou. Eles continuam a reivindicar o pagamento de 60% do salário que descontavam para Moçambique, na época, sob um contrato que existia entre a Alemanha Oriental e o país africano.

Mas o que muitos esquecem é que os "madgermanes", como são chamados, não só perderam dinheiro, ao ver deles, mas também parte da cultura – absorvendo outra – quando migraram para a Alemanha. Isso tudo fez o retorno para casa, Moçambique, ainda mais difícil.

" Madgermanes " Seite 14 Birgit Weyhe in Mosambik
A autora em MoçambiqueFoto: Avant Verlag/Birgit Weyhe

Sobre os sentimentos, as angústias, as tristezas e a felicidade desses trabalhadores moçambicanos, Birgit Weyhe escreveu um livro em quadrinhos. A DW África conversou com a alemã que tem algo em comum com os madgermanes.

Birgit Weyhe começa por falar como surgiu a ideia da banda desenhada sobre os madgermanes:

Uma noite qualquer

"Deparei-me com o tema madgermanes pela primeira vez há nove anos, em Pemba, Moçambique, quando fui visitar o meu irmão. Tudo aconteceu em um pequeno bar quando houve uma quebra de energia. Ouvi alguém a falar alemão comigo. Estava escuro. Pensei tratar-se de um alemão, mas quando as primeiras velas iluminaram o local, vi que era um moçambicano negro. A minha primeira reação foi de surpresa. Depois, eu disse-lhe o quão perfeito era o seu alemão. Perguntei onde ele havia aprendido a língua e ele contou-me que morou durante anos na extinta RDA e que lá ele era um trabalhador moçambicano sob contrato. Até aquele dia, eu nunca tinha ouvido falar nos madgermanes".

" Madgermanes " Seite 140 Fremdenhass und Ausschreitungen nach Wende
A queda do Muro de Berlim trouxe xenofobia a um país que tinha ido buscar os estrangeirosFoto: Avant Verlag/Birgit Weyhe

Foi apenas na segunda viagem de Birgit a Pemba, alguns anos mais tarde, que ela decidiu procurar mais madgermanes para saber de suas vidas e do regresso à Moçambique. Afinal, a antiga RDA recebeu cerca de 20 mil moçambicanos, dos quais 3 mil decidiram ficar na Alemanha após a reunificação da Alemanha Oriental e Ocidental.

Dois anos mais tarde

"Na minha segunda visita a Pemba, ouvi dizer que os madgermanes são muito queridos, porque trazem consigo costumes alemães, como ordem e disciplina no trabalho. Isso fez-me pensar que apenas a primeira história que eu tinha ouvido, naquela noite, num bar, era triste".

A curiosidade fez Birgit pesquisar a respeito e perceber a dimensão daquele acordo entre Moçambique e a antiga Alemanha Oriental.

Birgit Weyhe
A artista e escritora Birgit WeyheFoto: Sabine Reinecke

As histórias, que ela ouviu, das pessoas que entrevistou, ela resumiu em três personagens principais: José, Basílio e Anabella. Ao ser desafiada a resumir essas três figuras em uma única palavra, ela disse que José é o "conformado" da história, Basílio, o que se mostra "furioso" com a situação na qual se encontra e Anabella: "...eu não posso resumir em uma só palavra. Anabella é mais. Ela é uma mulher forte, disciplinada mas também bastante endurecida, pela vida".

"Um peixe fora d'água"

De certa forma, Birgit se identifica com cada um dos entrevistados. Afinal, aos três anos de idade, também ela migrou. Passou a infância e adolescência no Uganda e no Quénia.

"Saber onde é a terra natal foi também um dos motivos que me levou a fazer este livro. Em todas as entrevistas que fiz percebi que voltar para casa, para o país de origem, não é fácil. Depois que vivemos em outro país, absorvemos também parte da cultura desse lugar, e começamos a ver o nosso país de origem com outros olhos".

" Madgermanes " Seite 85 Mit der Wende kam mehr Rassismus in Ost-Deutschland
Com a reunificação, aumentava o racismoFoto: Avant Verlag/Birgit Weyhe

Birgit retornou à Alemanha aos 19 anos. Tempo suficiente para se sentir deslocada num país que deveria conseguir chamar de seu: "Sentia-me uma estranha no meu proprio país, mesmo sabendo falar a língua e sendo fisicamente como a média dos alemães. Demorei anos a acostumar-me ao regresso. E ainda hoje, quando volto à Africa ou vou a Moçambique, sinto-me logo em casa. Acredito que seja porque associo determinados cheiros, cores, plantas ou músicas à minha vida. Esse sentimento de se sentir dividido (a) entre duas culturas também notei nos madgermanes. Temos isso em comum. Por isso acreditei que eu poderia ser capaz de contar a história deles".

E os madgermanes?

A obra foi apresentada a eles em Moçambique, Maputo. Na ocasião, Birgit estava a trabalhar em nome do Instituto Goethe na Escola de Artes Visuais da capital moçambicana. A receção, porém, não foi muito boa, disse ela.

Quando Birgit foi ao local onde os madgermanes costumam se encontrar, para convidá-los para conhecer a obra em um evento, eles mostraram rejeição ao trabalho da alemã.

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"Eles pensaram: lá vem outra vez alguém que conta a nossa história, mas que em nada muda a nossa situação atual. Queremos apenas o nosso dinheiro."

A agressividade que eles mostraram, segundo Birgit, deixou a escritora e artista bastante insegura. Mas dois dias depois, no evento, os madgermanes vieram prestigiar o livro e a noite acabou por ser muito boa, contou ela: "Muitos reviram-se nos personagens e disseram que a história era boa porque não se resumia ao apelo deles ao Governo moçambicano para que seja devolvido o dinheiro, para o qual eles trabalharam na Alemanha; mas falava também do que sentiam após o retorno a Moçambique".

Saiba mais sobre a artista clicando aqui.

Leia mais sobre o que querem os madgermanes e sobre o acordo entre a Alemanha e Moçambique da época aqui.

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