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Cabo Delgado: Famílias denunciam abusos a menores deslocadas

20 de outubro de 2023

Mulheres e raparigas, incluindo menores, são vítimas de abuso sexual nas regiões de acolhimento a vítimas do terrorismo em Cabo Delgado. Organização não-governamental relata dezenas de casos de violência.

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Fot de arquivo
Foto de arquivoFoto: HRW

Cujupane é o nome do centro de reassentamento de deslocados de terrorismo localizado no distrito de Ancuabe, em Cabo Delgado. Aqui, uma rapariga de oito anos de idade, da zona de Mocímboa da Praia, diz que foi abusada sexualmente por um homem, amigo da família. 

O caso terá ocorrido em janeiro. A vítima, cujo nome omitimos por motivos de proteção, conta que o violador, supostamente de 28 anos de idade, a terá aliciado com produtos alimentares para atingir os seus objetivos.

"Chamou-me aqui em casa e levou-me até à residência dele. Ameaçou-me. Caso eu gritasse, poderia decapitar-me. Arrancou-me a roupa interior e penetrou-me", diz.

Na primeira vez, o crime não foi descoberto pois, por temer represálias, a menina não contou à família. Contudo, a mudança de comportamento da menor chamou a atenção da mãe.

"Eu vi que a criança não andava bem e perguntei-lhe o que se passava. Ela disse que estava a tomar banho no rio e a calcinha molhou-se. Eu entendi que aquela forma de andar fosse consequência de algum ferimento que teria contraído nesse banho."

A mãe acrescenta que o violador voltou à carga. Afirma que foi alertada pelos vizinhos "sobre a estranheza com que se apresentava" a filha. "Uma enfermeira orientou-me a perguntar à menina o que realmente lhe teria acontecido. Nessa altura, ela revelou ter sido abusada sexualmente".

Segundo a mãe da vítima, o suposto violador terá sido detido em janeiro pela Polícia da República de Moçambique (PRM) e também ele era deslocado de terrorismo. 

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Uma outra rapariga, de 11 anos de idade, também reassentada com a família em Cujupane, em consequência de eventos violentos no ano passado no distrito de Ancuabe, terá sido abusada sexualmente e infetada com HIV, em março deste ano, por um homem de 35 anos de idade. 

O padrasto da jovem afirma que "a menina já andava doente" e que foi no hospital que descobriram o sucedido.

"Encaminhámo-la ao hospital para exames médicos. Foi lá onde se descobriu que ela tinha sido violada e infetada com HIV. Nesses dias, ela toma antirretrovirais."

Tal como no primeiro caso, o violador terá proferido ameaças de morte caso a menor denunciasse o crime. A mãe da vítima afirma que o violador já se encontra detido.

Conflito no norte de Moçambique fez mais de um milhão de deslocados
Conflito no norte de Moçambique fez mais de um milhão de deslocadosFoto: Delfim Anacleto/DW

Polícia sem registos de abusos sexuais

Em entrevista à DW África, Manuel Tomossene, da Associação de Proteção à Mulher e Rapariga (PROMURA), uma organização com programas de assistência no contexto da crise humanitária que se vive em Cabo Delgado, diz que, só este ano, já foram registados 50 casos de violência contra deslocadas nos distritos de Ancuabe e Metuge - alguns deles cometidos alegadamente por líderes ou agentes humanitários nas aldeias de reassentamento. 

Tomossene explica que a PROMURA já abriu "autos nos postos policiais próximos dos centros contra pessoas que se meteram nesse tipo de situações de aliciar as mulheres para trocar comida por sexo". Algumas já terão sido responsabilizadas.

Manuel Tomossene, Associação de Proteção à Mulher e Rapariga (PROMURA)
Só este ano, a PROMURA registou 50 casos de violência contra mulheres e raparigas deslocadas em Cabo DelgadoFoto: Delfim Anacleto/DW

A DW África solicitou entrevista ao comando provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Cabo Delgado, para saber o número de casos registados e o ponto de situação em que se encontram as investigações. Numa nota datada de 9 de outubro de 2023, a PRM respondeu à solicitação, indicando não ter qualquer registo de casos de violência ou abusos sexuais a vítimas do terrorismo. 

"No que diz respeito a violência ou abuso sexuais a vítimas do terrorismo, ao nível do Gabinete de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Violência deste comando, não tivemos registos, desde o início dos conflitos, de nenhum caso do género ou que envolva agentes humanitários, o que faz com que nas nossas estatísticas não haja dados", pode ler-se no documento. 

A nota indica também que, "dos trabalhos realizados nos centros de reassentamento, não houve nenhuma constatação ou qualquer denúncia de casos de género para posterior responsabilização dos infratores".

A DW África aguarda ainda por uma resposta da Procuradoria Provincial de Cabo Delgado, órgão ao qual também solicitou uma entrevista sobre o assunto. 

Metoro, Ancuabe
De acordo com o Ministério Público, só no ano passado foram abertos 25 processos de violência e abusos, alguns deles envolvendo assistentes humanitários e líderes das aldeias de reassentamentoFoto: Delfim Anacleto/DW

Mulheres recorrem à prostituição devido a carência alimentar

No ano passado, durante uma formação de procuradores, oficiais de justiça e assistentes de oficiais de justiça sobre prevenção da violência baseada no género, o porta-voz do Ministério Público na província de Cabo Delgado denunciou alegados casos de violação ou abusos sexuais contra mulheres e raparigas vítimas de terrorismo. 

De acordo com o Ministério Público, só no ano passado foram abertos 25 processos de violência e abusos, alguns deles envolvendo assistentes humanitários e líderes das aldeias de reassentamento.

À DW África, a mãe da primeira vítima reportada nesta investigação denuncia estar a sofrer chantagem da comunidade onde vive por ter denunciado o crime à polícia. 

"Muitas pessoas estão a culpar-me pelo facto de denunciar aquele moço que agora está na cadeia. Para essas pessoas, eu não me devia ter queixado. Iria somente exigir que ele me pagasse para eu o perdoar", explica.

Manuel Tomosse relata que a PROMURA identificou casos de prostituição envolvendo mulheres e raparigas deslocadas, que se vêm desprovidas de meios de sobrevivência nas regiões onde procuraram refúgio, devido à insegurança nas aldeias de origem.

"Nos centros de reassentamento, num certo momento, os apoios não vinham de forma muito regular. Passavam meses sem receberem, e essa situação de carência de alimentos veio agravar a situação da prostituição. Muitas meninas e adolescentes abandonaram os centros de reassentamento só para a prática da prostituição, como forma de sobreviverem", diz o representante da associação.

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