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ConflitosCabo Verde

Cabo Verde: "Não foi um ano fácil", diz José Maria Neves

25 de novembro de 2022

Em entrevista exclusiva à DW África, o Presidente de Cabo Verde José Maria Neves defende uma solução negociada da guerra na Ucrânia e a independência alimentar do continente.

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José Maria Neves
José Maria NevesFoto: Décio Barros/DW

O primeiro ano do seu mandato não foi fácil, disse, em entrevista exclusiva à DW África, o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves. À semelhança do que aconteceu noutros países, os cabo-verdianos estão a sofrer com o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos.

O chefe de Estado volta a condenar a invasão de territórios ucranianos pela Rússia e pede aos líderes africanos que aprendam a lição, não só com a guerra, mas também com a pandemia da Covid-19.

O Presidente disse ainda que é preciso tomar medidas urgentes para África se tornar autossuficiente do ponto de vista alimentar, porque tem condições para isso.

José Maria Neves, que tomou posse, há um ano, garante que tem estado a criar pontes para ajudar a resolver os problemas no país.

José Maria Neves: "Cabo Verde condena a invasão da Ucrânia"

DW África: Qual deve ser o posicionamento dos países africanos perante a guerra na Ucrânia e a "nova ordem mundial" anunciada pela Rússia?

JMN: Nós pensamos que é fundamental defender a integridade territorial dos países, respeitar a soberania dos países e respeitar o direito internacional. Neste sentido, Cabo Verde condena inequivocamente a invasão da Ucrânia por parte da Rússia.

Nós defendemos o multilateralismo e a solução negociada dos conflitos e é nesta linha que achamos que África deve posicionar-se, sem interferir diretamente no conflito existente.

DW África: África está a ser palco de uma disputa entre o Ocidente e a Rússia e os seus aliados por apoios nesta guerra.

JMN: Sim. Mas África deve ser inteligente e pragmática. Portanto, nós aqui temos que defender princípios, defender valores no quadro internacional e – sobretudo tendo em conta esta crise, as suas consequências para o continente africano – África deve tomar medidas para não continuar à margem do que acontece no mundo e para que não sofra, da mesma forma, os efeitos futuros de novas pandemias ou novas guerras.

África tem de poder ser autossuficiente do ponto de vista alimentar - tem condições, terras aráveis e recursos humanos para isso -, tem de poder ter estruturas sanitárias que funcionem para fazer face aos desafios que se colocam com esta crise e tem de transformar efetivamente a sua economia e transformar-se do ponto de vista social.

Seca em Cabi Verde
"Seca tem sido cada vez mais severa aqui em Cabo Verde," diz José Maria NevesFoto: DW/N.dos Santos

DW África: Realizou-se, recentemente, a Cimeira do Clima da ONU (COP27) precisamente em África, no Egito. Os países mais vulneráveis, mais pobres, países insulares como Cabo Verde continuam a reclamar pela ajuda dos países mais ricos que poluem mais o ambiente e essa ajuda nunca chega. Como é que interpreta esta situação?

JMN: Nós temos tido muitos avanços e recuos. Houve, em determinados momentos, líderes de países avançados ou com grandes responsabilidades no domínio do clima que adotaram uma postura negacionista em relação à questão do clima. Não tem sido fácil encontrar entendimentos e consensos e, sobretudo, mecanismos para a operacionalização das decisões.

Temos de ser persistentes, continuar a pressionar no sentido de implementarmos as decisões que já foram tomadas, designadamente do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris.

DW África: Cabo Verde tem sentido os efeitos das alterações climáticas?

JMN: Claro. A seca tem sido cada vez mais severa aqui em Cabo Verde. Há uma dramática escassez de água. O avanço do processo de desertificação e é claro que também a acidificação dos oceanos, o aumento gradual do nível das águas do mar e também o aquecimento global, o aumento da temperatura, têm tido impactos negativos aqui em Cabo Verde.

Exclusivo DW: "África tem de ter autossuficiência alimentar"

DW África: Que balanço faz do primeiro ano de mandato na Presidência da República de Cabo Verde?

José Maria Neves (JMN): Não foi um ano fácil. Foi um ano muito difícil tendo em conta a pandemia, os conflitos aqui na região de África Ocidental e também a guerra na Ucrânia. Há mais desemprego, há mais pobreza, há mais desigualdade.

Os conflitos aqui levaram a que o país sofresse com o aumento exponencial dos preços dos combustíveis e também dos géneros alimentares - e Cabo Verde importa 80% ou mais do que consome. E também temos o problema da seca persistente em Cabo Verde.

Mas, globalmente, cumpri, tentando estabelecer compromissos e pontes entre os diferentes atores políticos para que encontrássemos os consensos necessários.

DW África: Como é que está a relação entre a Presidência e o Executivo em Cabo Verde neste momento?

JMN: No mundo de hoje, nada é fácil. A complexidade dos contextos nacional e internacional em que vivemos neste momento fazem com que as coisas sejam muito difíceis. Mas nós temos um Constituição, uma boa Constituição. Cumprindo as balizas estabelecidas na Constituição da República, havendo serenidade, responsabilidade, orientação para a defesa do bem comum é sempre possível estabelecer as melhores relações entre os diferentes órgãos de soberania independentemente das sensibilidades políticas dos seus titulares.

DW África: Qual é a sua relação neste momento com o chanceler alemão Olaf Scholz e como estão as relações Cabo Verde-Alemanha?

JMN: Com a Alemanha, as relações sempre foram boas e estamos a cooperar com a cidade de Kiel na investigação e no desenvolvimento da economia azul aqui em Cabo Verde.