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Demolições separam famílias e deixam crianças sem escola

António Cascais14 de agosto de 2013

Em Luanda, estava prevista para esta quarta-feira (14.08) a demolição de casas de mais de 150 famílias, mas o executivo local recuou na decisão.

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Zango I, município de Viana, província de Luanda
Zango I, município de Viana, província de LuandaFoto: DW/Renate Krieger

Calcula-se que mais de 100 casas seriam demolidas, esta quarta-feira (14.08), no bairro Margoso, nas proximidade do Hospital do Prenda, município de Maianga. Os residentes receberam uma convocatória do governo de Luanda para abandonarem as suas casas e que seriam encaminhadas para a zona do Zango IV, município de Viana, na província de Luanda.

A maioria das famílias sujeitas a esta medida está apreensiva. Dizem que Zango IV não tem as mínimas condições de habitabilidade e que ficarão distantes dos seus empregos, o que poderá pôr em risco o seu sustento. Além disso, muitas crianças serão forçadas a mudar repentinamente de escola.
Jacinto Pio Wacussanga é padre católico, sociólogo e presidente da Associação Construindo Comunidades, com sede na cidade do Lubango, província da Huíla, Sul de Angola.

O padre Pio é uma das vozes que, nos últimos anos, se tem erguido contra as demolições e o desalojamento de famílias em todo o país. Em entrevista à DW África, o padre Pio falou sobre o impacto das demolições e das deslocações sobre a vida das comunidades.

DW África: Quais as consequências das demolições e deslocações forçadas para as pessoas afetadas e suas famílias?

Jacinto Pio Wacussanga (JPW): Qualquer demolição, nestas condições, sem aviso prévio, e sem a observação das normas internacionais, nomeadamente, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e outros instrumentos bem como a Constituição têm consequências económicas, sociais e também psicológicas. As pessoas estão deslocadas, ficam distantes dos seus mercados, dos locais de trabalho (quer trabalho formal ou informal) hospitais e até dos serviços sociais. E em geral, nas zonas para onde vão não têm acesso a água, por exemplo, muitas crianças depois das demolições perderam o ano letivo, os jovens perderam os seus espaços, as suas redes sociais, aumenta a delinquência e o desemprego.

DW África: No que diz respeito às consequências psicológicas, conhece alguns exemplos específicos?
JPW: Muitos dos que perderam as suas casas adquiriram-nas quando ainda tinham possibilidade de erguê-las. Alguns já estão na casa dos 60, 70, 80 anos e já não têm força nem recursos para poderem erguer novas moradias. E então ficam dependentes de outros parentes.
Há casais que se separam porque, por exemplo, o marido já não aguenta ter uma nova casa, a esposa tem de se encostar a um parente com as crianças, aumentam os desentendimentos no casal. Consequentemente isso provoca, de facto, a separação.

DW África: Há casos de traumas e desespero no seio de famílias?

JPW: Há gestantes que em função da deslocação forçada sofrem traumas e algumas delas abortam. E até há algumas pessoas que se suicidam nessas circunstâncias. Por causa de tanto desespero, perdem o emprego, acesso ao mercado, casa, família, auto-estima, teto e não vêem outra solução, infelizmente, a não ser acabar com a própria vida.
São estas consequências e outras, pois a lista não é exaustiva, que podem ter as demolições forçadas. Por exemplo, no caso de Lubango, nós conseguimos contabilizar 24 pessoas que morreram em função das demolições. Então não sei por que razão o Governo angolano insiste na mesma metodologia de demolir casas sem cumprir com os pressupostos legais.

DW África: E quais são, normalmente, as razões evocadas pelas autoridades, para as demolições?

JPW: São grandes empresas que, já tendo ligações políticas de alta hierarquia, movimentam os seus interesses, fazem lóbis e pressionam para que haja demolições porque não se pode perder dinheiro.
Por exemplo, no caso do Caminho-de-Ferro do Namibe estão envolvidos interesses da própria Casa Militar. Outro exemplo sobre Luanda é que no sítio onde foi erguido o Estádio 11 de Novembro eram pequenas quintas de muitos camponeses que cultivavam mandioca, batata-doce, gengibre, cajú, mangueiras. Tudo isso ajudava as “mamãs” a criarem alguma renda para se poderem aguentar. Ora, tudo isso foi literalmente varrido em nome do tal interesse superior. O pior é que as pessoas não foram ainda indemnizadas, algumas estão doentes, outras são idosas, outras hão-de acabar por morrer frustradas.
De facto, por trás disso estão grandes interesses. Mesmo sobre a requalificação de Luanda, eu penso que muitos arquitetos não foram consultados. E muitas obras-primas do passado, do tempo colonial, em vez de serem conservadas estão a ser literalmente varridas da História, dando cabo da memória coletiva do povo.

Após as demolições, muitas pessoas são realojadas em locais que ficam distantes dos empregos e escolas
Após as demolições, muitas pessoas são realojadas em locais que ficam distantes dos empregos e escolasFoto: DW/Renate Krieger

Demolições em Angola separam famílias e deixam crianças sem escola

Angola é país de contrastes. Próximo de bairros de lata há também urbanizações luxuosas
Angola é país de contrastes. Próximo de bairros de lata há também urbanizações luxuosasFoto: DW/R. Krieger
Muitos angolanos vivem sem as mínimas condições. As famílias desalojadas temem condições precárias em Zango IV
Muitos angolanos vivem sem as mínimas condições. As famílias desalojadas temem condições precárias em Zango IVFoto: DW/R. Krieger