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Justificações do primeiro-ministro moçambicano não convencem

Leonel Matias (Maputo)
5 de maio de 2017

Agostinho do Rosário diz que as empresas envolvidas nas dívidas ocultas em Moçambique devem fazer tudo para pagar o que devem. Analistas ouvidos pela DW África consideram que estes esclarecimentos não encerram o debate.

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Foto: picture-alliance/dpa/A. Silva

Mantém-se a controvérsia em relação à inscrição na Conta Geral do Estado de 2015 das chamadas "dívidas ocultas", contraídas pelas empresas ProIndicus e Mozambique Asset Management (MAM) com garantias do Estado, mas sem conhecimento do Parlamento, num valor superior a mil e cem milhões de dólares.

O primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, disse esta quinta-feira (04.05) no Parlamento que as duas empresas devem fazer tudo para a reestruturação dos seus negócios "a fim de cumprirem o serviço da dívida".

Agostinho do Rosário afirmou ainda que todos os actos que afectem as contas públicas devem ser inscritos na Conta Geral do Estado, também para que seja possível o controlo, acompanhamento e fiscalização dos referidos empréstimos por parte do Tribunal Administrativo.

Mozambique Parlamentssitzung
Quinta-feira foi dia de perguntas ao Governo no ParlamentoFoto: Getty Images/AFP/A. Barbier

Segundo o primeiro-ministro, este facto não impede o normal andamento da auditoria internacional em curso às dívidas, cabendo à Procuradoria Geral da República (PGR) decidir sobre os passos subsequentes que julgar necessários em defesa dos interesses do Estado.

"A conversão ou não em dívida soberana seguirá as normas constantes dos respetivos contratos depois de esgotadas as possibilidades de pagamento pelas empresas em conformidade com o que vier a ser determinado pela Procuradoria Geral da República", declarou Carlos Agostinho do Rosário.

Dívidas "legalizadas"

Os esclarecimentos do primeiro-ministro sobre as dívidas não convenceram os analistas ouvidos pela DW África. Para Tomás Vieira Mário, a decisão do Parlamento de incluir na Conta Geral do Estado os valores correspondentes às dívidas públicas ilegais, "materialmente, talvez não formalmente, legaliza as dívidas".

O que faltou fazer, acrescenta, "era esperar o relatório da auditoria para se determinar com clareza a decisão a tomar". Tomás Vieira Mário sublinha ainda que é "nula" a garantia dada para esses empréstimos à ProIndicus e à MAM. "Não tem validade porque violou um preceito constitucional. A partir daí vamos discutir como tratar algo que é nulo. No modo jurídico não há como sanar", argumenta.

Justificações do primeiro-ministro moçambicano não convencem

O analista Jorge Matine, do Centro de Integridade Pública (CIP), questiona porque é que os empréstimos da ProIndicus e da MAM foram inscritos na conta de 2015, quando tinham sido contraídos em anos anteriores (2013 e 2014 ).

"Não é credível a informação que nos dão de que é só uma inscrição e que as empresas vão pagar", afirma. "Não vão pagar. Elas não estão em condições de o fazer e foi demonstrado o ano passado e este ano que elas não estão a conseguir honrar com os compromissos", lembra.

Outra questão a considerar, segundo Jorge Matine, é se o Executivo já executou alguma operação em relação aos avales concedidos às duas empresas. Observa ainda que "existem várias questões levantadas pela conta em que o Governo não foi capaz de responder em relação a algumas operações em contas que ainda não estão claras".

História repete-se

Esta é a segunda vez que dívidas contraídas sem o conhecimento do Parlamento são inscritas no Orçamento do Estado. Já em 2016 tinham sido inscritas na conta de 2014 as dívidas da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM).

À semelhança da EMATUM, é o Governo quem está a negociar com os credores as dívidas das empresas ProIndicus e MAM. "A empresa EMATUM não conseguiu honrar os seus compromissos em relação aos credores e o Governo teve de assumir a dívida", recorda Jorge Matine.

Em janeiro deste ano, Moçambique entrou em "default" ao falhar o pagamento da primeira prestação dos "eurobonds" emitidos por troca das obrigações da EMATUM. As agências de "rating" desceram, então, a avaliação do crédito soberano, o que, na prática, impossibilita o país de aceder aos mercados financeiros.