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Guiné-Bissau busca estabilidade com os "mesmos de sempre"

1 de junho de 2023

Mais de 890 mil eleitores são chamados a eleger, no próximo domingo, um novo Parlamento na Guiné-Bissau. Os potenciais vencedores das sétimas legislativas são os mesmos de sempre.

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Foto: DW/Braima Darame

Para que servem as eleições na Guiné-Bissau? É a pergunta que muitos cidadãos eleitores guineenses fazem quando um Governo é demitido, quando ocorre um golpe militar ou quando o Parlamento é dissolvido. São situações que acontecem com uma certa frequência. O país não parece conseguir emergir da instabilidade política quase crónica.

As sétimas eleições legislativas na história democrática do país ocorrem vários meses depois de expirar o prazo previsto pela lei eleitoral (março de 2023) e depois da dissolução do Parlamento pelo Presidente guineense, a 16 de maio de 2022. Há um ano que Umaro Sissoco Embaló nomeou o Governo que gere o país até hoje, sem prestar contas e sem fiscalização parlamentar.

Tudo começou com um braço de ferro entre o Presidente e o Parlamento. Era o início de 2022. Umaro Sissoco Embaló queria que os deputados aprovassem a sua proposta da revisão constitucional, em que o chefe de Estado passava também a ser o chefe de Governo - um modelo parecido com a quase generalidade das Constituições dos países da Comunidade Económica da África Ocidental (CEDEAO).

Mas o Parlamento recusou a Constituição do chefe de Estado. Foi assim que começou mais uma crise institucional no país.

"A Presidência da República assumiu publicamente a tendência para o presidencialismo e o Parlamento, naquela altura, defendia o  semipresidencialismo", lembra o analista político Rui Jorge Semedo. "Essa disputa certamente vai continuar [na próxima] legislatura".

O Presidente da República é acusado de ter-se assumido como único chefe e dono de tudo.

Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló
Presidente da Guiné-Bissau foi acusado de querer implementar a sua Constituição Foto: DW/Braima Darame

A Guiné-Bissau vai a votos no domingo. Os cidadãos guineenses esperam "estabilidade governativa".Mas apesar da pobreza e do agudizar da crise social, nesta campanha, os políticos têm repetido promessas eleitorais do passado, nunca cumpridas.

Estado de Direito posto à prova

A luta pelo controlo do poder tem impedido o desenvolvimento do país, nota Rui Jorge Semedo. Segundo o sociólogo guineense, que integra o grupo da sociedade civil que vai fiscalizar o dia da votação, o atual chefe de Estado nunca respeitou a separação de poderes.

"Os órgãos de soberania, nos últimos tempos, têm funcionado praticamente sem qualquer autonomia. Aquilo que é, na verdade, o pilar da democracia - a separação de poderes e a interdependência - praticamente não existe", frisa.

O país aproxima-se da décima primeira legislatura em 29 anos de democracia. Muitos acreditam que o sistema político guineense falhou. Nestas legislativas, o clima é de desconfiança, a começar pelos partidos da oposição, que põem em causa a "idoneidade" do atual secretariado executivo da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Além disso, a sociedade civil diz que, desde que Sissoco Embaló chegou ao poder, em fevereiro de 2020, houve um retrocesso nas liberdades fundamentais e no exercício democrático no país. Emissoras de rádios foram incendiadas, casas de comentadores políticos vandalizadas, ativistas foram brutalmente espancados, bloggers foram raptados e torturados, opositores foram reprimidos. Quem ousa criticar o regime receia que a sua casa seja a próxima a ser atacada.

Três feridos no ataque a rádio privada em Bissau

Dinheiro do Estado na campanha?

No entanto, estes e outros problemas têm ficado à margem nesta campanha, refere Júlio Mendonça, secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG), a maior central sindical do país. E "ficou claro" que a campanha de vários partidos "é fruto do furto do erário público. Estão a fazer campanhas milionárias", afirma Mendonça em declarações à DW.

"Uma pessoa ou um partido que não tinha nem uma bicicleta, nem nada, anda agora com carros de luxo com zero quilómetros. Para nós, é um insulto ao povo. O povo vive na miséria, não há capacidade de compra, não há nada. Os trabalhadores estão a sofrer drasticamente, não há sistema de saúde no país, não há educação para o povo."

É por isso que a UNTG escolheu as vésperas das eleições para paralisar o país, e por causa do aumento "abismal dos impostos" e do custo de vida.

"A Frente Comum dos sindicatos do país está em greve porque o Governo, infelizmente, decidiu fechar as portas da negociação. Não dialogam com ninguém", disse Mendonça, que acusa o regime de Umaro Sissoco Embaló de "implementar estratégias maquiavélicas para combater o sindicalismo na Guiné-Bissau".

Para o secretário-geral da UNTG, este é "o pior momento do sindicalismo na Guiné, com p assalto e encerramento da sede da maior central sindical do país, protagonizada pelo responsável político deste país. É uma situação penosa", atirou.

Sede do PAIGC cercada pelas forças de segurança, fevereiro de 2020
Organizações não-governamentais guineenses denunciam um aumento da repressão policial, restrições das liberdades e violações dos direitos humanosFoto: DW/B. Darame

Os mesmos atores políticos de sempre

Os dirigentes dos maiores partidos políticos no país, incluindo o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o Movimento para Alternância Democrática (MADEM-G15) e o Partido de Renovação Social (PRS), são os mesmos que estiveram ao longo de décadas à frente do Estado guineense.

Estes partidos estão agora a pedir a maioria absoluta, como sinónimo de estabilidade governativa. Mas, desde 1994, o ano das primeiras eleições multipartidárias, a Guiné-Bissau já teve três maiorias absolutas e nada parece ter mudado.

Depois da primeira maioria absoluta, em 1994, em que o PAIGC conquistou 62 deputados, o país resvalou para a guerra civil. A segunda maioria absoluta, em que o PAIGC obteve 67 deputados, em 2008, culminou com um golpe de Estado, em 2012, que afastou o então primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior da esfera de governação. E, na terceira, o PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, caiu de 67 para 57 assentos no Parlamento, em 2014. Essa última terminou com a expulsão de 15 deputados, que foram formar o MADEM-G15.

É por isso que a ativista e política Nelvina Barreto, atual vice-presidente do Partido da Unidade Nacional (PUN), uma força política extraparlamentar, receia que estas eleições sejam mais do mesmo.

"Não me parece que estas eleições resolvam as fontes de tensão e de conflitos, porque estas estão estritamente ligadas à corrida ao acesso aos recursos, cada vez mais escassos, que o Estado da Guiné-Bissau gere. E parece-me que se têm aprofundado as clivagens com utilização de argumentos étnico-tribais ou religiosos, o que nos deixa ainda mais preocupados."

Desde a implementação da democracia em 1994, a Guiné-Bissau teve 22 primeiros-ministros, três golpes militares e foi palco de uma guerra civil que durou onze meses, de 7 de junho de 1998 a 7 de maio de 1999.

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