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"Em Angola, ninguém está em liberdade"

29 de agosto de 2016

Luaty Beirão deixou a prisão há dois meses. Em entrevista exclusiva à DW África, o rapper e ativista angolano recusa uma amnistia e diz que pretende ir até à última instância para provar que está inocente.

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Foto: Privat

O rapper angolano Luaty Beirão é um dos 17 ativistas acusados de atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores, que estiveram presos em Luanda, 15 deles por mais de um ano.

Na cadeia, Beirão esteve em greve de fome durante 36 dias, em protesto contra o excesso de prisão preventiva, uma atitude que despertou a atenção dos média e de organizações internacionais. Luaty Beirão é filho de João Beirão, que era filiado no MPLA e o primeiro presidente da Fundação José Eduardo dos Santos (FESA).

Este mês, entrou em vigor a Lei da Amnistia, que pode significar o fim do processo contra os ativistas. Mas, em entrevista exclusiva à DW África na capital angolana, Beirão diz que pretende recusar a amnistia, pois não cometeu nenhum crime.

Beirão falou também sobre as próximas ações dos ativistas com o aproximar das eleições gerais de 2017 em Angola. Negou ainda qualquer possibilidade de concorrer ao pleito dentro de uma estrutura partidária, criticou o desempenho da oposição no país e a tímida atuação da sociedade civil angolana.

Angola Luanda Angolan activists freed
O rapper e ativista angolano Luaty Beirão ao deixar a prisão, em junho de 2016Foto: Pedro Borralho

DW África: Sente-se em liberdade?

Luaty Beirão (LB): Não. Eu já não me sentia antes de ser preso. Neste país, ninguém está em liberdade propriamente dita. As pessoas vivem com medo. Uma pessoa que vive com medo não é livre. Concretamente falando da nossa condição, obviamente que não me sinto livre, porque estar livre seria estar a locomover-me pelo mundo, livre.

DW África: Quais são as condições para a sua liberdade?

LB: São duas condições. Uma delas é que nos temos de apresentar, todos os meses, no tribunal onde fomos julgados. Portanto, é uma forma de confirmar que não nos estamos a evadir da Justiça de alguma forma. A outra condição é que não podemos sair do país.

DW África: Falou em medo. Você sente medo?

LB: Sim. Cada situação é uma situação. Cada vez que nos vamos meter em algo que é tenso ou que percebemos que vai envolver algum tipo de conflito - ou mesmo ao sair à noite de casa - a pessoa está sempre atenta, a ver se há alguma movimentação estranha, se alguma coisa pode estar a ser preparada. Portanto, sim. Não deixo de ter medo e acho que o medo pode ser positivo se soubermos utilizá-lo bem.

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Processo contra ativistas angolanos ganhou repercussão internacional. Na foto, protesto organizado pela Amnistia Internacional, em LisboaFoto: DW/J. Carlos

DW África: Qual é a sua posição pessoal em relação à Lei da Amnistia que entrou em vigor em agosto?

LB: Para o meu caso, ou para o nosso caso, acho que não faz sentido nenhum, porque gozo de presunção de inocência até que um tribunal, neste caso o Tribunal Supremo, se pronuncie definitivamente sobre o processo. Isso não aconteceu e não convém ao regime que aconteça. Mas obviamente não estou satisfeito, porque é ser perdoado por uma coisa que não fizemos. Não quero ser perdoado por isso.
A minha posição é essa. Por mais remota que seja, mas se houver a possibilidade de recusar a amnistia, irei engendrar o processo de recusa. Eu não quero amnistia, quero que isto vá até o fim, até à última instância da Justiça angolana, e testar a robustez das nossas instituições. E elas têm-se revelado extremamente fracas, extremamente dependentes do poder Executivo. Portanto, não dignas de um país democrático e de direito - e nós queremos construir um país democrático e de direito.

DW África: Ou seja, quer que o processo vá até o fim?

Liberdade em Angola?

LB: Independentemente das consequências. Ainda que o Tribunal Supremo decida confirmar a decisão do tribunal de primeira instância, o que significaria que teria de voltar para a prisão para cumprir até ao fim os meus cinco anos e meio de pena. 

DW África: Está prevista a realização de eleições gerais em 2017, em Angola. Neste sentido, quais são as próximas ações dos ativistas?

LB: Muitos de nós nem sequer acreditam neste processo eleitoral, porque consideramos que isto é uma ditadura muito mal disfarçada, e normalmente as ditaduras não organizam eleições para perder. Já vimos isto em 1992, em 2008 e em 2012 de novo. Vai ser a primeira vez que conseguimos ter uma periodicidade, se a eleição acontecer.

Muitos de nós sentem que este processo não é transparente, não é credível. Mas temos algumas ideias do que devemos fazer enquanto cidadãos para tentar minimizar os efeitos da fraude, denunciá-la, expor e interromper alguns dos processos de trafulha que estão em marcha.

Há outros de nós que já tomaram a sua decisão, que dizem que não vão votar e vão apelar ao boicote. Não somos todos.

DW África: Pensa em entrar para um partido político?

LB: Não, para mim não é uma hipótese de todo. Acho que os próprios partidos políticos também já se aperceberam disso, porque já passou a fase em que tentavam sondar-me para alguma coisa. Eu nunca dei espaço e creio que não vá acontecer.

DW África: Pensam em criar um partido político?

LB: Eu não. Mas não estou aqui a pôr isso como condição para os outros. Acho que as pessoas devem ser livres para seguirem os caminhos que acham mais eficazes no combate a esta ditadura. Se algum grupo de pessoas, dentre nós ou dos jovens, achar que esse é um caminho a seguir, não me vou opor. Mas não sei se apoiarei um partido só porque é de amigos.

DW África: Então você não pensa em entrar diretamente para uma participação política oficial?

LB: Dentro de uma estrutura partidária, não. Pertencer a um partido, a uma célula partidária? Não. Não penso. Não considero. Não sei se um dia considerarei. Até este momento em que estamos a conversar, está completamente fora de hipótese.

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Isaías Samakuva, líder da UNITA, durante a campanha eleitoral de 2012Foto: picture-alliance/dpa

DW África: Que avaliação faz do posicionamento da oposição angolana até agora?

LB: Como partidos, como estruturas, estão para lá de insuficientes. Vamos falar sobretudo da UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola], que é a maior estrutura partidária da oposição. Com todos os efetivos que tem, com todos os militantes que tem, acho que está a fazer um péssimo uso da sua posição de oposição. Nós temos uma oposição muito pobre, infelizmente.

DW África: O que deveria ter sido feito de forma diferente?

LB: Não estou dentro de nenhuma estrutura de decisão de um partido da oposição, mas obviamente que se estou a concorrer para ser poder no futuro, ou para substituir o poder que esta aí, tenho de tomar posicionamentos muito mais firmes do que simples comunicados, quando vejo que me estão a roubar a eleição, quando vejo que me estão a preparar armadilhas para que aquelas pessoas que querem votar em mim, não contem, não valham. Portanto, se não faço isso, não estou a ser oposição digna deste nome.

O regime está a apoderar-se de um órgão que deveria ser independente, que é a CNE [Comissão Nacional de Eleições], está a ditar as regras de como deve ser conduzido o processo eleitoral, e os partidos da oposição pouco mais fazem do que reclamar com comunicados. Isso para mim é completamente insatisfatório.

DW África: Também esperava mais da atuação da sociedade civil?

LB: Não esperava muito mais, porque temos uma sociedade civil que também não sei se é muito digna desse nome. Foi completamente desfragmentada. Está a começar a juntar cacos agora. Tem pessoas singulares que são muito valiosas, mas que são incapazes de fazer algo de grandes dimensões.

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Essas pessoas existem, são algumas com muito boa vontade. Mas acho que falta organização ao nível de sociedade civil e falta que existam massas, porque uma grande maioria das pessoas nem sequer quer ouvir falar em se meter em assuntos destes. As pessoas têm medo de perder a vida. Mas criticaria muito menos a sociedade civil do que aqueles que se propõem a substituir o poder, obviamente.

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