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Crise bancária em Moçambique?

Maria João Pinto | Lusa
22 de novembro de 2016

Opiniões dos analistas ouvidos pela DW África dividem-se. A Economist Intelligence Unit diz que sim e aponta o dedo ao Governo. Economista moçambicano rejeita a hipótese e antevê "sistema financeiro mais robusto".

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Mosambik - Metical
Foto: DW/M. Sampaio

A 14 de novembro, o Nosso Banco, o terceiro maior banco de Moçambique, com capitais maioritariamente nacionais, fechou as portas ao público. Os problemas financeiros da instituição ditaram o cancelamento da licença do Nosso Banco pelo Banco de Moçambique. Foi a segunda instituição financeira alvo de uma intervenção do Banco Central, que, no final de setembro, suspendeu o conselho de administração e comissão executiva do Moza Banco para "proteger os interesses dos depositantes". Ao contrário do Nosso Banco, o Moza não foi liquidado e está a ser preparado para venda.

Outros bancos estão atualmente sob a vigilância do Banco Central. A instituição garante que não há "motivo para pânico, porque o sistema bancário está estável e sólido” e pede confiança aos moçambicanos. No entanto, já há quem afirme que a crise é inevitável, prevendo mais problemas no sector, em breve.

Charlotte King, da consultora britânica Economist Intelligence Unit (EIU), considera que Moçambique está "com certeza” à beira de uma crise bancária. "A EIU tem estado a prever pressões significativas sobre os bancos há vários meses”, diz a investigadora, frisando que "os fracassos do Moza Banco e do Nosso Banco reforçam estas previsões”.

A investigadora não acredita, no entanto, que se possa falar num efeito dominó, após estes "dois casos específicos”: "O Moza Banco, por exemplo, é o único que pertence inteiramente a investidores moçambicanos e o Nosso Banco é o único controlado maioritariamente pelo Estado", explica. Ainda assim, a analista acredita que "as pressões que afetam estes dois bancos vão certamente ter um efeito negativo também noutros bancos".

Solução reside no fim da crise

Segundo o Banco de Moçambique, o sistema "está bem capitalizado" e tem "liquidez para satisfazer as necessidades do mercado". A Economist Intelligence Unit discorda desta visão do sector, tendo em conta os atuais problemas financeiros do Governo. 

Economist Inteligente Unit - Charlotte King
Charlotte King, investigadora da EIUFoto: privat

A EIU afirma que a desvalorização do metical, a subida da inflação e as medidas de austeridade agressivas estão a minar a qualidade das carteiras de crédito dos bancos. Ao mesmo tempo, estas instituições financeiras estão dependentes das empresas estatais, o que expõe o sistema financeiro aos riscos soberanos. Com o aumento das pressões de liquidez, o risco de uma crise bancária continuará a aumentar, a curto prazo, prevê a consultora britânica.

Um dos principais problemas, segundo a investigadora Charlotte King, é a quantidade de ativos tóxicos acumulados pelo Governo ou, por outras palavras, a quantidade de prejuízos assumidos pelo Executivo moçambicano. "Sendo que o Governo está actualmente numa crise de liquidez, isto vai ter um impacto negativo significativo na qualidade das carteiras de crédito dos bancos”, sublinha, acrescentando que a EIU prevê o agravamento da crise financeira do Governo "nos próximos meses”, o que "vai levar a mais incumprimentos”.

Um árbitro mais rigoroso

Hipólito Hamela, economista e docente na Universidade Eduardo Mondlane, tem uma perspectiva diferente sobre a situação atual da banca moçambicana, rejeitando "absolutamente” que o país esteja à beira de uma crise bancária.

 "O que está a acontecer é que as pessoas não estão habituadas a ver o Banco Central a funcionar como está a funcionar”, afirma Hamela. "É como ter um árbitro que as pessoas se habituaram a ver deixar passar algumas coisas. Ficam satisfeitas por ver que o árbitro não estragou o jogo ao apitar uma falta que poderia cortar uma jogada maravilhosa. As pessoas não estão habituadas a que se chegue a este extremo: um árbitro – o Banco Central é um árbitro do sistema financeiro e bancário – que é bastante rigoroso”, explica o investigador.

Maputo Bauboom
Sede do Banco Central, em MaputoFoto: DW/J.Beck

Hipólito Hamela ressalva que essas "pequenas faltas que o árbitro deixou passar” afetaram muitas pessoas e dá o exemplo dos clientes prejudicados com o encerramento do Nosso Banco. No entanto, o economista acredita que as políticas do Banco Central vão acabar por ter um efeito positivo, resultando num "sistema financeiro mais robusto, mais rigoroso, fiável, para poder mostrar-se ‘clean' perante o regulador, no sentido de que [os bancos] estão a seguir todos os preceitos para funcionar no sistema”.

Caminho difícil para o final feliz

Hipólito Hamela admite que "vai haver problemas na economia, para as empresas e para os consumidores”, mas acredita que "o sistema financeiro vai ficar mais sólido". "Não é possível fazer estas políticas sem que haja vencedores e derrotados, mas acredito que o final vai ser bom”, sublinha.

O sector privado, segundo as previsões do economista moçambicano, "vai sofrer bastante". "De um lado, os preços estão a subir, as pessoas têm cada vez menos poder de compra, a procura está a contrair. Por outro lado, o custo de fazer negócio vai aumentar, porque as taxas de juro vão aumentar ainda mais". Um cenário que combinado com "o Estado a recorrer à dívida interna para fazer face às suas despesas, devido aos problemas que está a ter no acesso a capitais externos, vai resultar num sector privado a competir com o Estado nos parcos recursos que os bancos comerciais têm em Moçambique para conceder crédito. Isto vai trazer problemas às pequenas e médias empresas”, conclui o economista.

22.11 Crise bancária em Moçambique? - MP3-Mono

Para Charlotte King, "as medidas do Banco Central têm sido mais encorajadoras no último mês" e o encerramento de alguns bancos pode ter um lado positivo.

"O Banco tem estado a aumentar as taxas de juro de forma muito agressiva e sabe perfeitamente que isto vai ter um efeito negativo em vários bancos mais precários e na economia. Ao aumentar os juros, o Banco Central está à espera – e possivelmente a orquestrar – uma certa consolidação nos mercados", explica a analista. "Alguns dos bancos mais pequenos que surgiram nos últimos dez anos estão a trabalhar em planos de negócios insustentáveis. Por isso, isto não é necessariamente uma coisa negativa se alguns destes bancos – de forma bem gerida e apropriada – forem encerrados", conclui.