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Luaty Beirão: "A maior parte de nós vive preso ao medo"

1 de dezembro de 2016

Ativista diz sentir-se agora "mais livre", embora em Angola continue o receio de exercer a liberdade de expressão e de ter opinião própria. Luaty Beirão acaba de lançar o diário dos seus primeiros dias na prisão.

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Foto: DW/J. Carlos

Luaty Beirão apresentou na noite de quarta-feira (30.11), em Lisboa, o livro "Sou eu mais livre, então. Diário de um preso político angolano", com a chancela da editora Tinta da China. Foi a primeira visita do ativista luso-angolano à capital portuguesa depois da detenção e condenação em Angola, juntamente com outros 16 ativistas, acusados de atos preparatórios de rebelião.

Os jovens foram detidos em Luanda por estarem a ler uma adaptação do livro "Da Ditadura à Democracia", de Gene Sharp, e também por questionarem publicamente o regime liderado pelo Presidente José Eduardo dos Santos. A prisão e a condenação dos 15+2 suscitou o interesse da imprensa internacional, provocou revolta e indignação e despertou um amplo movimento de solidariedade para a sua libertação.

Na publicação, o ativista luso-angolano retrata os primeiros 16 dias de prisão preventiva, até ao início de julho de 2015, quando ele e outros jovens detidos partilhavam o mesmo espaço numa cadeia com cerca de 1500 reclusos. Foi na prisão de Calomboloca, fora de Luanda, que Luaty Beirão iniciou uma greve de fome, que durou 36 dias. Na altura, o rapper enfrentou perigo de vida, devido ao seu crítico estado de saúde.

A decisão de escrever um diário, iniciado antes, foi a forma que encontrou para preservar a sua sanidade mental, disse em entrevista à DW África. O rapper diz que agora sente-se mais livre, embora se viva ainda em Angola preso ao medo de exercer a liberdade de expressão e de ter opinião própria, imposto pelo regime de José Eduardo dos Santos. Por isso, afirma, o desafio político em Angola é permanente.

Luaty
Foto: DW/J. Carlos

DW África: Sente-se agora mais livre?

Luaty Beirão (LB): Não me sinto livre. Mas sinto-me mais livre, porque há já vários anos venho quebrando as correntes do medo a que todo o angolano está sujeito. As correntes do medo de falar, de ter opinião, de vir publicamente assumir um pronunciamento, de ser crítico. A maior parte de nós em Angola vive preso a esse medo. É um medo imposto pelas práticas que o regime tem de manutenção desse medo para a sua própria sobrevivência.

DW África: Mas em Angola essa liberdade ainda é condicional, apesar da decisão da amnistia?

LB: Não, agora é total. Só que agora 16 de nós querem recorrer da decisão de amnistia, porque queremos forçar o Tribunal Supremo e a justiça angolana a pronunciar-se definitivamente sobre a sentença de primeira instância. Nós sentimos que é injusta, a sociedade sente que é injusta. Não houve provas contundentes das coisas que nos acusaram e pelas quais fomos condenados.

DW África: Quando decidiu escrever estas memórias, não foi apenas para preservar a sua sanidade mental? Ou foi?

LB: Em grande parte sim. Não são só pensamentos e constatações, não são só análises. Está aí tudo misturado, há desenhos da cela... A escrita é um grande escape para quem está encarcerado.

30.11 Entrevista Luaty - MP3-Stereo

DW África: Nesse período, o que foi mais marcante: a greve de fome ou outra situação?

LB: É difícil separar as coisas e referir uma coisa específica. Obviamente que a greve de fome, até onde ela teve de chegar, o desfecho e as consequências, se calhar, de forma incontornável, há-de ser a referência principal. Mas é um somatório de pequenas coisas que desembocam aí e se tornam grandes.

DW África: Alguma coisa mudou depois da vossa libertação, relativamente ao comportamento ou a postura do regime de Luanda quanto ao respeito dos direitos fundamentais?

LB: Ficou comprovado agora com esta manifestação que deveria ter acontecido no dia 26 de novembro, em Luanda. Não sinto que tenha havido uma grande mudança da noção que precisam de adoptar outros comportamentos e precisam de ser um bocadinho mais abertos. Espero que ela [a mudança] esteja para breve. Acho que há coisas importantes a acontecer agora em Angola.

DW África: Antes de Lisboa, esteve esta semana na Suíça, na sede das Nações Unidas, em Genebra, onde participou numa conferência organizada pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenções Arbitrárias, a convite da Amnistia Internacional. Que mensagem deixou, já que é uma das vítimas de detenções arbitrárias em Angola?

LB: Eu não levei uma palavra de agradecimento ao Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias. Expliquei simplesmente o que tinha acontecido connosco. Falei na perpetiva de vítima de uma detenção arbitrária, de todo um processo que foi ao arrepio da lei. E ilustrei isso. Não fui só dizer: obrigada pelo vosso trabalho, pela vossa opinião e pelo vosso relatório. Obviamente fico contente que o tenham feito e por toda a solidariedade que nós tivemos, porque isso foi extremamente importante. O desfecho teria sido outro se não tivesse havido essa atenção toda. Sentimos todos um grande carinho por toda a gente que se envolveu.

Liberdade em Angola?

 

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