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Moçambique: Nova ministra em conflito de interesses

Glória Sousa
18 de outubro de 2016

Sem experiência governativa, Letícia da Silva Klemens tem negócios que envolvem familiares dos antigos presidentes do país e de membros da FRELIMO, o partido no poder. Não tardaram a chegar críticas sobre a nomeação.

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Foto: Petra Aschoff

A nova ministra foi nomeada pelo Presidente moçambicano Filipe Nyusi, na segunda-feira (17.10). Até à data, Letícia da Silva Klemens era presidente da mesa da assembleia geral do maior banco e Moçambique, o Millennium BIM, e presidia também a Associação das Mulheres Empresárias e Empreendedoras Moçambicanas.

Desconhecida nos meandros da governação e da política do país, o nome de Letícia Klemens surge associado a várias empresas, algumas ligadas ao sector extrativo, em sociedade com familiares dos três anteriores Presidentes moçambicanos.

“Ela tem uma série de interesses empresariais com as três principais famílias que governaram este país”, por exemplo “com um parente próximo do antigo Presidente Guebuza, com um filho do antigo presidente Samora Machel e com parente do ex-Presidente Chissano. Então, a nomeação dela vem por causa de um lobby que tem alicerces no planalto maconde”, clarifica Luís Nhachote, do jornal moçambicano @Verdade.

Luis Filipe Nhachote Africaleaks
Luís Nhachote, jornalista do jornal moçambicano @VerdadeFoto: Luis Nhachote

De acordo com aquela publicação, Letícia Klemens associou-se, em 2010, a um sobrinho do antigo chefe de Estado Armando Guebuza, Miguel Nhaca Guebuza, e ao marido de uma das filhas de Guebuza, Tendai Mavhunga, na empresa Beta Holding - Business And Technology Aplications, Limitada.

No ano seguinte, a nova ministra associou-se com o filho do falecido Presidente Samora Machel, Samora Moisés Machel Júnior, e ainda com o filho de Alberto Chipande, Nkutema Namoto Alberto Chipande, na empresa +258 Limitada. Fazem ainda parte da sociedade um sobrinho da esposa de Armando Guebuza, Joaquim Tobias Dai, e um parceiro de negócios da filha do antigo Presidente Joaquim Chissano, Jaime de Jesus Irachande Gouveia que é sócio de Martina Chissano.

Lei da Probidade em causa

Assim, Fátima Mimbire, investigadora do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), não tem dúvidas de que se trata de um caso de conflito de interesses, “pelo facto de [a ministra] ser uma figura que tem negócios a nível do sector extrativo”. “Acabo de verificar no Cadastro Mineiro que ela tem uma concessão mineira solicitada em 2015, cuja atribuição está pendente. O que significa claramente que sendo ministra e tendo um processo em tramitação, o risco dessa tramitação acontecer a favor é maior”, acrescenta Mimbire.

Preocupada com a promiscuidade entre o sector empresarial e a governação, Fátima Mimbire aponta o dedo ao Presidente da República, Filipe Nyusi. “Será que no processo de nomeação das pessoas para determinados cargos ele faz o trabalho de verificar até que ponto questões como a probidade pública estão satisfeitas ou não, até que ponto pode haver conflitos de interesses entre as funções que esta pessoa vai assumir e aquilo que é o cargo legal vigente?”, questiona-se a investigadora.

A Lei da Probidade Pública entrou em vigor em 2012. No entanto, também Celso Correia, ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, e Carlos Mesquita, ministro dos Transportes e Comunicações, mantêm, em paralelo, as suas atividades empresariais.

Interesses de quadros importantes da FRELIMO

A escolha de Letícia Klemens, com ligações a vários elementos do partido no poder, parece assim ter reunido o consenso de uma ala importante da FRELIMO.
“Claramente que não há-de ser necessariamente um consenso político-partidário abrangente, mas de um grupo dentro do partido, que é a parte mais influente e que, neste momento, tem grandes apetites para com os recursos minerais”, acredita a investigadora do CIP. Fátima Mimbire fala especificamente “do senhor Chipande, do senhor Guebuza, cujos filhos estão envolvidos nesse negócio. E sabemos que Chipande tem sido um ator bastante dominante nesta governação de Nyusi.”

Mosambik Filipe Nyusi
CIP questiona se Nyusi não analisa a questão da probidade pública antes de nomear empresários para ministrosFoto: DW/B. Jequete

Além das relações empresariais da ministra, Letícia Klemens tem sido também criticada por falta de experiência ao nível de governação. “Olhando para o sector extrativo, que é um sector bastante técnico, que exige o mínimo de conhecimento para poder discutir, negociar, dar orientações ao nível de fiscalização, negociação de contratos, tem de se estar à altura de comandar o pessoal todo que vai fazer esse trabalho. E não tendo essa experiencia, é bastante preocupante.”

Nova ministra afasta "estorvo"

18.10.16 Ministra Recursos Minerais Moçambique - OL - MP3-Mono

A nova ministra dos Recursos Minerais e Energia de Moçambique substitui Pedro Couto, que vai presidir a Hidroelétrica de Cahora Bassa. “O antigo ministro era uma pessoa competente e intransigente em relação a uma série de esquemas", lembra Luís Nhachote.

"Temos uma série de multinacionais como a Anadarco, a Exxon, que têm interesses e o ministro estava claramente a tratar as coisas como elas devem ser tratadas. Foi afastado alguém que estava ali como um entrave para as pretensões do novo grupo económico que está a querer afirmar-se pela via do poder, como foi no anterior consulado", critica o jornalista do jornal @Verdade.

Em jeito de chacota, o currículo da ministra Letícia Klemens está a circular nas redes sociais, numa alusão à falta de experiência da nova ministra dos Recursos Minerais e Energia de Moçambique.

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