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Mutilação Genital Feminina - parte 5: a sensibilização

Marta Barroso
14 de outubro de 2011

É antes um diálogo e não uma luta. Uma reflexão sobre crenças locais e não o julgamento de tradições. Este é o método comum a duas ONGs no seu trabalho rumo ao abandono da MGF e à proteção de mulheres afetadas.

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Symbolbild Genitalverstümmelung bei Frauen in Afrika
Foto: Getty Images/AFP/N. Sobecki

Dois continentes, duas realidades, dois objetivos que se complementam: em África, o esforço pelo abandono da prática da mutilação genital feminina; na Alemanha, o acompanhamento de mulheres afetadas.

  • "A mutilação genital feminina é necessária para que as mulheres tenham filhos normais."
  • "O clítoris mata os bebés ao tocar-lhes quando nascem."
  • "Uma mulher não excisada está permanentemente excitada."
  • "Uma mulher não excisada não é fiel ao seu marido."
  • "O homem que tiver relações sexuais com uma mulher não excisada fica impotente."
  • "Se uma mulher não excisada pisar um campo, a colheita seca."

Crenças como estas são passadas há séculos de geração em geração. São elas que alimentam a prática da mutilação genital feminina, uma prática que, segundo a organização não-governamental Plan International, ajuda a definir a cultura e a identidade de quem a mantém. Um estudo realizado por esta organização na África Ocidental conclui que não será condenando os seus aspetos culturais que se conseguirá obter mudanças no seio das comunidades. Estas terão de vir de dentro.

Diálogo com o pessoal médico na Alemanha…

Mutilação Genital Feminina - parte 5: Trabalho de sensibilização

"Algumas mulheres excisadas contam que a primeira reação das suas ginecologistas aqui na Alemanha foi de choque e mesmo de nojo", conta Franziska Gruber da Terre des Femmes. No país, "ainda é por acaso que um médico está informado sobre o tema – ou não".

A mutilação genital feminina não consta entre as opções do formulário que os médicos têm de preencher para apresentar às seguradoras das suas pacientes. Alguns médicos recorrem, então, a razões falsas, como anomalias de nascença, para que as mesmas seguradoras assumam os custos das operações necessárias. Caso contrário, as pacientes arriscam-se a que as suas seguradoras interpretem as intervenções como cirurgias plásticas.

Mas estas mulheres não nasceram sem clítoris, não nasceram sem os pequenos nem os grandes lábios. Quando nasceram, a sua vagina também não estava reduzida a uma pequena abertura.

… e em África

Também na Guiné-Conacry o pessoal médico constitui um obstáculo. Os seus salários são baixos e a mutilação genital feminina constitui uma segunda fonte de rendimento. Além disso, explica Alice Behrendt, da Plan International, "eles dizem que o tipo de excisão que fazem é muito menos invasivo, porque cortam muito menos". Ou então, nem retiram nada, fazem apenas uma simulação da operação.

Só que esta tendência leva a população a pensar que, se até os doutores e as enfermeiras o fazem, então tem de ser algo bom. Daí que cada vez mais famílias recorram ao pessoal médico para operar as suas filhas. Quem perde de uma forma ou de outra são as mulheres que tradicionalmente fazem a operação, as fanatecas – por um lado, porque vêem a sua fonte de rendimento ameaçada; por outro, porque perdem o seu estatuto na comunidade.

Mädchen mit Geldgeschenken
Também nos rituais de iniciação alternativos – sem MGF – as meninas estão no centro da atenção. Os mimos e as prendas não se perdemFoto: Hadja Kaba

Diálogo com as autoridades em África…

Alice Behrendt lembra-se de que, numa região da Guiné-Conacry, a organização parceira da Plan International teve a sorte de trabalhar com o imã de uma aldeia, homem viajado. E numa reunião, em que os homens da aldeia discutiram o papel religioso da mutilação genital feminina, o imã disse:

"Eu estive na Arábia Saudita e lá, as mulheres não são excisadas. Se, em Meca, as mulheres não têm de se submeter à mutilação genital, porque é que o têm aqui?"

Numa outra localidade, o próprio chefe da aldeia decidiu falar com os outros homens e discutir com eles a questão: "Será mesmo necessário que, hoje em dia, a nossa aldeia continue com essa prática?"

… e na Alemanha

A Terre des Femmes recolheu 21.000 assinaturas na Alemanha. Quem assinou o documento, pediu que a mutilação genital feminina seja introduzida nos formulários de diagnóstico médico e nos sistemas de faturação das seguradoras alemãs. Franziska Gruber, da Terre des Femmes, queixa-se de que as autoridades políticas alemãs se esquivam da responsabilidade, que dizem que nem sequer sabem ao certo quantas mulheres afetadas vivem na Alemanha, que presumem que seja um número relativamente baixo, que não justifica a sua ação.

No país, não há sequer uma lei que penalize os pais que enviam as filhas – por exemplo, durante as férias – para os seus países de origem, a fim de serem submetidas à mutilação genital.

Diálogo com os pais

"Quando foste levada para a floresta para participares no ritual de iniciação, quantas meninas estavam contigo? E ela diz: ao todo, éramos 20. E quantas regressaram da floresta? 18. O que aconteceu com as outras duas?"

Alice Behrendt reproduz uma técnica de diálogo com as mães de meninas em risco de serem excisadas. A psicóloga alemã diz que as mulheres sabem quais as possíveis consequências da mutilação genital feminina, mas dizem que as meninas "foram levadas pelos espíritos maus da floresta".

FGM im Irak Kurdistan
Meninas participam numa campanha contra a mutilação genital feminina no Curdistão (Sulaymaniyah, Iraque)Foto: DW/ Munaf Al-saidy

"Na verdade, essas meninas morreram devido a hemorragias", diz Alice Behrendt. Que, nestes casos, não foi o mau olhado ou os espíritos da floresta que mataram as meninas, mas antes as consequências do ato de mutilação em si, sobre isso, diz Alice Behrendt, é preciso falar com as mães.

Na Guiné-Conacry, as operações mais frequentes da mutilação genital feminina são as de tipo 1, em que o clítoris é retirado parcial ou totalmente, e as de tipo 2, em que além do clítoris, também os pequenos e, por vezes, os grandes lábios são cortados. Estes tipos de mutilação costumam ter consequências menos dramáticas do que, por exemplo, uma infibulação.

Alice Behrendt está convencida de que, sem argumentos baseados na medicina, não é possível conseguir grandes mudanças no pensamento de muitas mulheres africanas.

Mas quando se chega a diálogo e este é bem aceite pela comunidade, as mudanças começam a surgir. O fim é o ritual de iniciação alternativo: uma combinação de conhecimentos tradicionais com elementos modernos, em que as meninas ouvem mulheres mais velhas falar sobre como era a mutilação genital feminina.

* O spot "11 segundos" usado neste programa foi gentilmente cedido pela Terre des Femmes; o som ambiente de um ritual de iniciação alternativo consta de um filme da Plan International.