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Nova lei angolana possibilita detenções indefinidas

15 de janeiro de 2016

O analista Rui Verde considera "perigoso" o novo regime jurídico que prevê revistas, buscas e apreensões em Angola, que diz conter "armadilhas". O catedrático Eduardo Vera-Cruz Pinto afirma que a lei era "necessária".

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Foto: DW/N. Sul de Angola

O novo Regime Jurídico das Medidas Cautelares em Processos Penais e das Revistas, Buscas e Apreensões permitiu, em dezembro último, transferir para prisão domiciliária os 15 jovens ativistas angolanos que foram levados a julgamento sob acusação de prepararem uma rebelião.

Para o analista Rui Verde, professor de Direito, trata-se de uma medida preventiva face a eventuais atos futuros que possam pôr em causa a segurança do Estado em Angola. "É uma medida que vem no sentido de outras que estão anunciadas sobre a internet e devem aparecer mais algumas um destes dias sobre a liberdade de manifestação e expressão, no sentido de haver legislação que permita às autoridades angolanas fazerem o que querem. No passado, foram acusadas de serem contra lei. Por isso, estão a mudar a lei para coincidir com os seus desejos".

Para este professor doutorado pela Universidade de New Castle (Inglaterra), o caso dos 15+2 vai ser um marco na história judicial angolana. A alteração do regime jurídico, por ele elogiada, era necessária porque a lei angolana ainda data do tempo de António de Oliveira Salazar (1929). Embora a lei tenha sido adaptada em 1992, mesmo assim ela estava muito antiquada.

Detenções indefinidas

Não há dúvidas que a alteração introduzida no ano passado leva a detenções indefinidas de opositores ao regime angolano, refere Rui Verde. "Esta lei vem muito no seguimento de outras leis angolanas feitas agora, que são leis que parecem muito avançadas e depois têm muitos pormenores que as tornam retrógradas e que fazem com que o Governo e a justiça de Angola possam arbitrariamente continuar a deter e a prender pessoas".

Rui Verde
Rui Verde, professor de DireitoFoto: DW/J. Carlos

Aliás, acrescenta, essa tem sido uma característica da legislação angolana. "Parece tudo muito bonzinho à primeira vista e depois está cheia de armadilhas nos detalhes".

O analista aponta ainda duas armadilhas que considera perigosas. "A primeira é que possibilita, com uma mera ordem do Ministério Público, a entrada em casa de qualquer pessoa a qualquer hora, de dia ou de noite. E isso é muito perigoso", sublinha. A segunda é que "permite prender ou libertar uma pessoa várias vezes, desde que se lhe coloquem vários processos". No caso dos 15+2, por exemplo, terminado o prazo "pode aparecer um processo qualquer por terem lido mais um livro e podem prendê-lo outra vez".

"Lei necessária"

O catedrático Eduardo Vera-Cruz Pinto interpreta a nova lei como um enquadramento jurídico no âmbito do processo penal. "Se me pergunta se um caso concreto pode determinar uma medida legislativa, a resposta será sempre que sim. Isso acontece em muitos outros países, faz parte da produção legislativa".

Eduardo Vera Cruz Pinto
Eduardo Vera-Cruz Pinto, catedrático da Universidade de LisboaFoto: DW/J. Carlos

Atento ao que se passa em Angola, o professor de Direito na Universidade de Lisboa reconhece haver sempre casos mediáticos como este que expõem as debilidades dos sistemas jurídicos. No entanto, louva a iniciativa. "Não só louvo a medida, porque é uma medida adequada e correta, existente noutros países. É uma lei que era necessária".

Para o académico, "o processo em concreto obedece a todas as características legais". Reconhece que "há aspectos políticos à volta disto, mas os juristas devem procurar fazer uma análise muito objetiva".

Fragilidades da justiça

Quinze dos 17 jovens ativistas angolanos estiveram em prisão preventiva entre junho e dezembro do ano passado, acusados, em co-autoria, de atos preparatórios de uma rebelião e de atentado contra o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, entre outros crimes menores.

Nova lei angolana possibilita detenções indefinidas de opositores

O processo dos 15+2, alvo de fortes críticas externas, está a pôr a nu as fragilidades da justiça angolana, que exige reformas profundas, segundo Rui Verde. "Claramente, está-se a ver que a lei não servia, que a magistratura não está preparada para estes casos tão complexos e que a opinião pública angolana mudou".

Para Angola "alcançar verdadeiramente a democracia", defende, "tem que ter um poder judicial independente".

O julgamento dos 17 ativistas foi suspenso esta terça-feira (12.01) pela falta de comparência das dezenas de declarantes convocados e será retomado no próximo 25 de janeiro.

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