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Cresce a lista de violações dos PALOP no relatório da AI

Nádia Issufo
22 de fevereiro de 2017

Em relação a Moçambique, a Amnistia Internacional (AI) revela entraves em apurar irregularidades. Sobre a Guiné-Bissau diz que há dificuldades de responsabilização. Angola é o único país que tem mostrado bons sinais.

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Vala comum em Macossa, província moçambicana de Manica: o lugar foi queimado depois da sua descobertaFoto: A. Sebastião

O relatório anual da AI, divulgado esta quarta-feira (22.02), começa por dizer no seu prefácio que 2016 foi um ano de implacável miséria e medo, enquanto governos e grupos armados abusaram dos direitos humanos de várias formas. Centenas de exemplos são mencionados no documento, desde a longa guerra na Síria até às polémicas políticas de Donald Trump nos EUA, passando pela repressão violenta das manifestações na Etiópia.

Moçambique: Falta de liberdade de expressão dificulta investigação

Relativamente aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mereceram atenção as violações em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. No caso deste último país, e tomando como pano de fundo a tensão político-militar, a Amnistia Internacional lembra que as forças de segurança e membros e apoiantes da oposição violaram os direitos humanos, cometendo impunidades, que incluem assassinatos torturas, valas comuns cuja origem não está esclarecida e outros tratamentos desumanos.

O diretor executivo da AI em Portugal, Pedro Neto, garante que a sua organização tem efetuado ações junto do Governo moçambicano para esclarecer os casos e levá-los à justiça: "Temos feito pressão, denunciando e apelando também ao Governo moçambicano que resolva e traga à justiça e a responsabilização tudo o que está a acontecer."

Portugal Pedro Neto Geschäftsführer Amnisty International Portugal
Pedro Neto, diretor executivo da AI em Portugal Foto: Amnesty International

Mas não é facil conseguir isso: "À volta destes acontecimentos dramáticos, para além das dificuldades em percebermos, de facto, quem são os responsáveis e quem são as vítimas que estão nas valas comuns e pelos crimes, há muita dificuldade na investigação e no apuramento da verdade, também por causa da falta de liberdade de expressão. Temos muitos entraves, o importante é que se faça justiça."

O conflito armado obrigou milhares de moçambicanos da região centro a procurarem refúgio no Malawi e Zimbabué. Um facto que é também lembrado pela AI no seu relatório. Mas esta não é a única situação que desencadeia a violação dos direitos humanos no contexto da guerra, segundo O presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique: Custódio Duma explica que "num momento de conflito armado, de tensão político-militar é propício a violação dos direitos humanos":

E cita mais exemplos: "Primeiro há deslocação de pessoas, depois há mortes de pessoas, com várias situação que até não têm explicação, como a morte de políticos. A maior parte da população vive à base da agricultura de subsistência, fogem para outros lugares onde não podem produzir e isso já afeta o direito a alimentação. As crianças que abandonam as escolas e não estão a estudar, isso afeta o direito a educação. Então, é um ambiente favorável à violação dos direitos humanos." 

Relativamente à liberdade de expressão, o documento lembra os ataques e intimidações contra os que denunciaram ou criticaram as violações dos direitos humanos, a instabilidade política e que pediram esclarecimentos sobre as dívidas ocultas.

Efeitos dos relatórios de ONG de direitos humanos?

Não é simples medir a olho nú os efeitos das denúncias de organizações de defesa dos direitos humanos, ou seja, perceber se os governos tomam em conta as denúncias e recomendações das ONG. Mas o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique acredita que, regra geral, os relatórios produzem efeitos positivos.

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Segundo Custódio Duma, o lado bom é que ajudam o Governo e a sociedade civil a perceberem o que está a contecer no país. E isso acaba por gerar uma certa ação positiva dentro da sociedade civil e do Governo e impulsiona algum tipo de ação. E servem também de apoio as políticas nacionais sobre os direitos que ainda não estão muito bem estruturadas.

No entanto, têm as suas limitações: "Os relatórios de organizações internacionais não são vinculativos, são mais informativos. Então, cabe ao próprio Estado aceitar essas informações, certificar se são verdadeiras e depois tomar medidas. Não posso dizer neste momento qual é o impacto que isso vai produzir depois do Governo apropriar-se ou não desses relatórios. Porque não são vinculativos não se espera também que eles produzam um efeito imediato."

Angola: Luz ao fundo do túnel

Prozess gegen Aktivisten in Angola
Parte dos 17 ativistas angolanos durante o julgamento Foto: Reuters/H. Corarado

No caso de Angola, a repressão contra manifestantes e ativistas, a manipulação do sistema de justiça e outras instituições do Estado para silenciar dissidentes, a violação do direito a saúde, desalojamentos forçados e a nova lei de imprensa que restringe a liberdade de expressão são alguns dos problemas citados no relatório da AI.

Apesar da longa lista de desrespeitos, Pedro Neto está otimista quanto a um ponto, especialmente neste ano de eleições: "Nós temos sinais positivos, o ano de 2016 foi positivo nesse aspeto, tivemos 19 prisioneiros de consciência que foram libertados, quer em Cabinda quer os 17 de Luanda."

O diretor executivo da AI Portugal espera que esse sinal seja "uma manifestação de bom senso" e que isso continue. "Ou seja, que os responsáveis governamentais continuem esse trabalho e essa abertura que tem de ser muito maior para que toda a transparência e liberdade de expressão e de pensamento [continuem] para que possa haver eleições justas e de facto livres. Esse é o apelo que continuamente fazemos."

Guiné-Bissau: Crises estruturais impossibilitam reesponsabilizações

No caso da Guiné-Bissau, o relatório indica que não houve melhorias nas condições das prisões, que entre outros problemas enfrentam sobrelotações. O sistema de justiça não deu seguimento aos casos que têm em mãos e é considerado incompetente e corrupto. Também os assassinatos políticos ocorridos entre 2009 e 2012 continuam por esclarecer.

O director executivo da AI lembra que as crises estruturais de governação impedem qualquer ação: "A situação na Guiné-Bissau é muito difícil, é difícil responsabilizar a quem de direito se o sistema judicial não funcionar convenientemente. A situação na Guiné-Bissau não é nova, os acontecimentos que testemunhamos e as tensões políticas que existem entre o Governo e o Parlamento não são novas."

Antes de mais, Pedro Neto considera "que é necessário que haja um trabalho de verdade e reconciliação e um trabalho de responsabilização destes intervenientes para que cada um se responsabilize por aquilo que fez e possa começar a trilhar um caminho para uma nova Guiné-Bissau mais transparente, mais responsabilizada perante os seus cidadãos."

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