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Pode o setor petrolífero financiar corrupção em Angola?

Vanessa Raminhos15 de abril de 2016

A Statoil, a maior empresa do setor petrolífero na Noruega está sob investigação. Em causa estão quase 50 milhões de dólares que a empresa pagou à Sonangol para a construção de um Centro de Tecnologia e Pesquisa.

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Plataforma de exploração petrolífera da Statoil no Mar do NorteFoto: picture-alliance/dpa/O. Hagen

De acordo com a Transparency International, a Noruega é o 5.º país menos corrupto do mundo; uma posição completamente oposta à ocupada por Angola, considerada pela mesma organização como o 6.º país mais corrupto do globo.

No entanto, há algo que liga ambos os países: a Statoil, a principal empresa de exploração petrolífera norueguesa, detida em 67% pelo Governo, está a ser alvo de investigações anti-corrupção.

“A Statoil pagou cerca de 500 milhões de euros [4,6 mil milhões de coroas norueguesas] para ter acesso às licenças de exploração ao longo da costa de Angola. Estes pagamentos foram feitos à empresa estatal angolana Sonangol. A Statoil também se comprometeu a pagar cerca de 81 milhões de euros [750 milhões de coroas norueguesas] para diferentes contribuições sociais, bem como para a construção do Centro de Pesquisa e Tecnologia da Sonangol”, explica Mona Thowsen, secretária-geral da delegação norueguesa da Publish What You Pay.

O Parlamento noruguês encontra-se agora a investigar o caso, de modo a tentar perceber o que aconteceu ao dinheiro investido em Angola.

“A empresa afirma que não sabe onde foram utilizados os cerca de 45 milhões de euros [420 milhões de coroas norueguesas] que investiram [na construção do Centro] e que não há qualquer motivo para se suspeitar de corrupção”, explica Mona Thowsen. “Por isso, o Comité de Controlo do Parlamento norueguês está a investigar o caso e a tentar perceber o que aconteceu e de que forma a Statoil tentou impedir a corrupção”.

As primeiras questões relativamente ao paradeiro deste dinheiro começaram a surgir em 2013.

Para além da Statoil, também empresas do setor como a BP, a Cobalt International, a Repsol e a Total terão participado no financiamento deste centro, num valor total que atinge quase 400 milhões de dólares.

Apesar do avultado montante recebido pela petrolífera angolana, o centro não chegou a ser construído e nem sequer existem registos do seu projeto. Barnaby Pace, investigador da Global Witness, está a tentar perceber os contornos deste caso desde 2012.

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A Total é uma das empresas que também está envolvida neste casoFoto: picture-alliance/dpa/W. Grubitzsch

“De acordo com o Statoil afirmou nas últimas semanas, a Sonangol irá construir o centro em Sumbé [Kwanza-Sul], onde há o Instituto Nacional de Petróleos. Nunca lá estive mas, pelo que ouvi dizer, Sumbé é uma cidade muito pequena e este centro é muito básico, tal como a formação que eles dão”, explica Barnaby. “Mas, em teoria, tivemos 400 milhões de dólares em pagamentos feitos por estas empresas e esse dinheiro, em Angola, dá para pagar muita coisa. Devia existir um centro muito maior”.

“As empresas devem ser mais cautelosas com os investimentos que fazem em Angola”

Dada a posição do país no que diz respeito à corrupção, Barnaby Pace acredita que “qualquer empresa de exploração de petróleo deve ter atenção quando está a fazer negócios com Angola. É um país de alto risco, onde uma pequena elite tem estado a lucrar com o boom do petróleo, enquanto que a maioria dos setores não teve qualquer lucro”.

Para o investigador, uma das formas de combater a corrupção é que as empresas questionem severamente com quem estão a fazer negócio. “As empresas têm de perguntar para onde vai este dinheiro, quem são os seus parceiros, a quem é que vão pedir os serviços de exploração. Qualquer uma destas coisas leva à corrupção. É muito melhor para estas empresas não estarem envolvidas nestes negócios do que serem cúmplices em negócios que mantêm as pessoas pobres, em sítios como Angola”.

De acordo com Pace, a indústria petrolífera é muito vulnerável a casos de corrupção, principalmente porque os países mais ricos em recursos são os que sofrem mais carências a nível económico.

No entanto, considera que as empresas europeias e norte-americanas não são inocentes nestes casos. “As empresas devem ter interesse em libertar estes sítios da corrupção. Isso permite-lhes saber com quem estão a lidar, para onde vai o seu dinheiro e elimina o risco destas transações”, afirma. “Mas este não é um caminho de um sentido. Não há uma única pessoa nas ruas destes países a pedir subornos e as empresas ocidentais não são inocentes. São precisos dois para dançar e as empresas ocidentais são cúmplices destes casos corruptos”.

“É muito fácil esconder o destino deste dinheiro em Angola”

Apesar da investigação sobre este investimento num Centro inexistente, o investigador da Global Witness admite que é relativamente fácil “esconder esta avultada quantia em Angola, especialmente se tivermos em conta outras quantias igualmente grandes que foram mal gastas ou gastas onde não era suposto”.

Um dos motivos pelos quais é tão fácil esconder os verdadeiros motivos por trás destes negócios é o facto de “Angola ser muito reservada na forma como gasta o erário público”, afirma o investigador.

O caso do investimento num Centro de Pesquisa e Tecnologia inexistente só foi descoberto porque tanto a Statoil como a BP e Cobalt International o tornaram público nos seus relatórios de contas.

Hauptsitz von Sonangol in Luanda
Sede da Sonangol, em LuandaFoto: Martin Wolter/Panoramio/Cruks

Até agora, as investigações ainda não permitem afirmar se existe ou não corrupção neste caso.

“Por enquanto, não há provas definitivas de corrupção neste caso em específico, apenas se levantam questões sobre o paradeiro deste dinheiro”, afirma Barnaby Pace. “Felizmente, os mecanismos anti-corrupção na Europa e nos Estados Unidos funcionam e são devidamente implementados. Quando as empresas são apanhadas numa situação destas, as penalidades são fortes o suficiente para impedir que outras façam o mesmo”.

O investigador acredita que nestas regiões do globo existem mecanismos que “não só penalizam as empresas corruptas, como também conseguem prevenir a corrupção e impedir a cumplicidade das empresas ocidentais nestes crimes”.

Dada a elevada dependência de Angola do exterior – o valor das importações para o país é bastante elevado e, recentemente, o Governo pediu ajuda financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI), para fazer face à recente crise que o país atravessa – permite que países europeus ajam de forma a penalizar Angola caso se provem os casos de corrupção.

“A Sonangol está debaixo de um rigoroso escrutínio do FMI, depois de o Governo ter pedido assistência financeira, mas é difícil penalizar a empresa em si mesma se estas alegações de corrupção forem comprovadas”, afirma Barnaby Pace.

Mas, uma vez que os indivíduos que beneficiam da corrupção no país não vivem lá, optando por se mudar para lugares como Londres, Nova Iorque ou até mesmo Portugal, onde conseguem manter um estilo de vida elevado e garantir saúde e educação às suas famílias, é possível tomar medidas a partir destes países.

“Estes indivíduos movimentam os seus bens por todo o mundo. Assim, torna-se mais fácil verificar os seus fluxos financeiros, através dos nossos mercados financeiros e de propriedades, uma vez que eles usam os nosso profissionais como facilitadores”, afirma Pace. “Nós conseguimos fazer bastante para combater estes problemas”.

Barnaby Pace recorda a investigação feita a Manuel Vicente, ex-administrador da Sonangol e atual vice-presidente de Angola, por alegadas suspeitas de corrupção. “Isto mostra que o sistema judicial em Portugal pode ajudar a combater estes indíviduos, quando eles atuam internacionalmente”.

Transparência financeira é essencial para combater a corrupção
Para Mona Thowsen, é importante que os negócios das grandes empresas sejam mais transparentes.

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“A Publish What You Pay está a trabalhar no sentido de ter mais informação, mais transparência. Nós acreditamos que mais transparência financeira pode salvar vidas”, afirma a secretária-geral da organização.

Uma posição também defendida por Barnaby Pace. “Nós precisamos de mais transparência no geral. Como podemos ver em Angola, a quantidade de dinheiro que é gasto em supostos ‘projetos sociais’ pode ser muito grande, demasiado grande até para um país em desenvolvimento”.

Casos como a recente fuga de informação da empresa Mossack & Fonseca, que detinha a gestão de várias contas offshore de pessoas bastante poderosas nos mundos político e financeiro, conhecido como Panama Papers, mostram como é possível esconder bastante informação essencial para a gestão de um país, desde que se esteja disposto a pagar.

De acordo com a secretária-geral da Publish What You Pay, a evasão fiscal e a falta de transparência financeira fazem com que haja “menos investimento na educação, menos investimento nos cuidados de saúde, menos investimento em todas as coisas que tornam certos países sítios bons para se viver”, afirma.

Apesar das contribuições em ajudas internacionais que a Noruega faz ao continente africano, Mona Thowsen considera que a ajuda monetária não é a solução para os problemas dos países africanos. “É necessário que estas empresas trabalhem de forma mais transparente. Estas indústrias geram receitas enormes. É por isso que precisamos de transparência”.

“A corrupção não é a vítima; é um crime. Afeta a vida das pessoas cujos recursos naturais estão a ser roubados. Neste caso [de Angola], o petróleo”, afirma Barnaby Pace. “Isto deve dizer respeito a toda a gente. É interesse de toda a gente que os angolanos não vivam na pobreza”.

Poderá a corrupção ajudar a financiar sistemas políticos ditatoriais?

Mona Thowsen utiliza o exemplo de Angola para mostrar de que forma é que a perpetuação da corrupção ajuda a manter no poder sistemas que colocam em causa liberdades essenciais de estados democráticos. “O que eu e a Publish What You Pay podemos fazer de forma livre na Noruega não é possível em países como Angola. 57% da população mundial vive em países onde liberdades civis básicas não são respeitadas”.

Manuel D. Vicente Politiker Angola Afrika
Manuel Vicente, ex-administrador da Sonangol, foi recentemente alvo de investigações em Portugal por alegadas suspeitas de corrupçãoFoto: picture alliance/Lori Waselchuk

A secretária-geral da organização recorda o caso dos 17 ativistas angolanos, condenados recentemente a penas de prisão efetiva. “Para o resto do mundo, é muito estranho que José Eduardo dos Santos não queira aumentar a transparência e a liberdade no seu país”.

“Isto precisa de parar. A sociedade civil tem o direito de operar livremente e tem um papel claro e importante nestas situações”, afirma Thowsen. “Também as empresas têm a responsabilidade [de combater a corrupção]”.

A operar em Angola há cerca de 10 anos, a Statoil já pagou quase 10 mil milhões de euros [90 mil milhões de coroas noruguesas] em impostos no país. “Isso é praticamente o dobro daquilo que a Noruega contribuiu em ajudas internacionais para todo o continente africano, que são cerca de 4,3 mil milhões de euros [40 mil milhões de coroas norueguesas]”.

Para Mona Thowsen é importante esclarecer este caso do investimento no Centro de Pesquisa e Tecnologia, uma vez que pode ajudar a explicar a existência de uma elite tão poderosa em Angola.

“É importante perguntar como é que José Eduardo dos Santos é tão rico. É importante perguntar quem é que torna possível que Eduardo dos Santos se mantenha há tanto tempo no poder – e é certo que o Presidente não é famoso pelo que tem feito pelas liberdades civis e de expressão”, afirma. “A sua filha, Isabel dos Santos, é a única mulher milionária em África. Como é que ela é tão rica? Eles têm de ter o seu poder financiado de alguma forma. E de modo a poder seguir o dinheiro, precisamos de partir de premissas muito básicas”.

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