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Porque a economia dos PALOP está em baixa?

13 de outubro de 2022

FMI apontou uma baixa no crescimento dos países africanos que falam português. Mesmo grandes produtores de petróleo, como Angola, não devem beneficiar da crescente demanda global após a invasão russa da Ucrânia. Porquê?

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Foto: Getty Images/AFP/M. Bureau

O Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu em baixa as previsões de crescimento económico de quase todos os Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

No relatório divulgado esta semana, o FMI estima, por exemplo, que a economia moçambicana poderá ter um crescimento de até 3,7% contra os anteriores 3,8%. Angola cai dos 3% para os 2,9%.

Em entrevista à DW África, o economista moçambicano Egas Daniel acredita que os choques causados pela pressão da demanda dos produtos energéticos está na origem desta revisão em baixa do crescimento económico, principalmente aos países de baixa renda.

No entanto, o economista estranha que Angola não esteja a tirar melhor proveito da crise mundial do petróleo, sendo um dos exportadores deste recurso.

DW África: O que explica esta revisão em baixa das projeções económicas em menos de seis meses depois da última previsão?

Egas Daniel
Egas Daniel: "O conflito Rússia-Ucrânia é como um ponto de partida"Foto: Amós Zacarias/DW

Egas Daniel (ED): Estamos a ver um fenómeno claro em que a economia mundial está-se a ressentir do aumento dos preços de energia e de alimentos, particularmente se olharmos para a reação em cadeia que a maior parte dos países teve para poder lidar com ou com esse fenómeno internacional.

DW África: Então, quando estamos a falar do fenómeno internacional, estamos a nos referir do conflito Rússia-Ucrânia?

ED: Sim, naturalmente, o conflito Rússia-Ucrânia é como um ponto de partida. Na verdade, vínhamos observando um aumento da demanda agregada internacional por causa da recuperação do mundo face à pandemia, que depois muitos países conseguiram controlar. Agora, é claro que, sem o conflito Rússia-Ucrânia, a tendência seria outra. Ou seja, teríamos uma adaptação muito mais fácil das economias para lidarem com um novo boom em termos de procura de bens de serviços.

A invasão [da Ucrânia] fez com que a maior procura [por produtos] causada pelo fim, entre aspas, da pandemia, não fosse satisfeita de forma flexível por causa das restrições de oferta causada pela invasão. Então isso acabou gerando esse choque para todas as economias, claramente as mais frágeis acabam tendo um maior impacto por causa da sua dependência e exposição a choques externos.

Angola: Só a subida no preço do petróleo não basta

DW África: O relatório do FMI, por exemplo, reviu em baixa para o caso de Angola o crescimento, passando a estar numa expansão de cerca de 2,9 contra os 3% que eram previstos em abril. A questão que se coloca é, mesmo tendo o petróleo, que é uma das dos produtos muito procurados atualmente, a economia angolana parece estar em declive...

ED: Na verdade, é uma contradição, num contexto onde a economia angolana deveria ser mais flexível e poder se adaptar ao choque. E por causa desta dependência do petróleo, a economia está a observar uma redução em baixa. Quer dizer, não sei, hipoteticamente, se o contexto da gestão da própria economia angolana pode explicar o facto de eles não estarem a retirar maiores benefícios disso. Eu até acreditava que a revisão fosse alta, mas se houve uma revisão em baixa. É bastante contraditório, considerando que eles deviam ter maior capacidade de flexibilidade e capacidade de lidar com o choque por causa de terem essa vantagem de serem exportadores de petróleo. Certamente que os fatores internos de gestão da própria macroeconomia podem estar a explicar esse baixo aproveitamento do cenário económico internacional para poder flexibilizar a adaptação da economia angolana em relação ao choque.

DW África: Perante essa situação do conflito na Ucrânia, no seu entender, o que é que faz com que a China não esteja a fazer a mesma pressão, por exemplo, sobre a Rússia, como está a fazer o Ocidente? E também a própria China não quer, digamos assim, mostrar posição contrária ao Ocidente?

ED: Bom, a China está a tentar manter um equilíbrio, naturalmente, por questões económicas muito claras. A sua proximidade geográfica, por exemplo, com a Rússia, levanta a hipótese de estar a beneficiar desta invasão através da compra do petróleo e do gás russo a um preço mais acessível, por causa de estar desvalorizado no mercado internacional. Então, esta é uma vantagem económica, porque como a Rússia não está a vender as suas commodities à Europa, então o excesso reduz o preço e depois a China beneficia.

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Por outro lado, a China sempre jogou estrategicamente, não quer se fechar aos países do Ocidente por serem ao mesmo tempo os seus grandes parceiros comerciais. Romper essas relações também iria prejudicar a economia chinesa. Então temos um gigante a conseguir estrategicamente equilibrar-se nas relações internacionais do ponto de vista do comércio internacional. E tem conseguido tirar vantagem, pelo menos da Rússia, sem perder o domínio das relações comerciais que tem com os países do Ocidente. Agora, não sabemos em que medida a China conseguirá manter este equilíbrio a ponto de conseguir e continuar a tirar vantagens económicas deste processo como um todo.

DW África: Por enquanto, a própria China continua a esfregar as mãos…

ED: Esfrega as mãos e, ao mesmo tempo, tem aí uma oportunidade para continuar a estender-se como uma economia de destaque a nível mundial. Enquanto as grandes economias, que são ao mesmo tempo concorrentes da China, estão a enfrentar esta crise de sanções, que é uma faca de dois gumes, Pequim tira proveito do fortalecimento das relações com a Rússia e, ao mesmo tempo, encontra-se num momento de expansão. Então, a China tem todos os motivos para esfregar as mãos.

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