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Porque não funciona o sistema político da Guiné-Bissau?

Maria João Pinto 13 de janeiro de 2016

Foi esta a pergunta que a DW África fez ao sociólogo guineense Leonardo Cardoso. O historiador acredita que há pessoas e capacidade para governar o país. O problema são os que querem servir-se do Estado para enriquecer.

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As ruínas do antigo Palácio Presidencial, em BissauFoto: DW/Ferro de Gouveia

A crise política na Guiné-Bissau continua a arrastar-se. O Programa do Governo de Carlos Correia volta a ser apreciado pelos deputados a 18 de janeiro. Quinze deputados do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC, no poder) já anunciaram que vão votar contra "se não houver diálogo sério" com a direção do partido.

Se o Programa do Governo for novamente rejeitado, o Executivo cai. O impasse na Assembleia Nacional Popular (ANP) tem gerado muita inquietação e um clima de instabilidade, com troca de acusações e ameaças entre os atores políticos.

A DW África perguntou ao sociólogo e mestre em Ciências Sociais Leonardo Cardoso qual poderá ser a solução para a instabilidade que impera na política guineense.

O historiador guineense rejeita a hipótese de uma administração internacional sob a liderança das Nações Unidas para o país, como defendem vários analistas que consideram que a Guiné-Bissau é "praticamente ingovernável".

DW África: Será que os partidos já não têm nenhuma força aglutinadora? Isto visto que, mesmo com maioria absoluta no Parlamento, o PAIGC não consegue governar...

Leonardo Cardoso (LC): Não creio que o PAIGC esteja em condições de aglutinar as forças na Assembleia Nacional Popular, porque apesar da maioria que detém no Parlamento, anda de costas viradas com uma parte dos deputados (15). E pela forma como as coisas têm sido conduzidas, com cada um, por seu lado, a proferir declarações em conferências, não creio que haja condições para uma reconciliação imediata para se poder constituir como única força no Parlamento.

Demonstration in Bissau
Sede do PAIGC na capital guineenseFoto: DW/F. Tchuma

DW África: Acha que este grupo de 15 deputados do PAIGC vai voltar a impedir a aprovação do Programa do Governo, mesmo com a ameaça de sanções à luz dos estatutos do partido?

LC: Eu creio que sim porque parto do pressuposto de que são pessoas adultas e responsáveis. Qualquer decisão do partido por causa dos estatutos baseia-se na Constituição enquanto lei magna. E a Constituição confere a cada um dos deputados o direito de decidir de acordo com a sua consciência. Para além do mais, tanto quanto é do meu conhecimento, há algumas movimentações internas no sentido de se provocar a realização de um congresso extraordinário. Cada um está a jogar a sua cartada.

DW África: Por outro lado, fala-se também numa alegada "compra de votos" dos deputados por figuras políticas influentes. Como avalia esta situação? Que consequências podem ter estas práticas?

LC: Não creio que seja algo real, que as pessoas possam comprovar. Há uma acusação mútua. Há quem afirme que a direção do partido, na pessoa do seu presidente, ande a fazer também os seus jogos políticos, ande a oferecer carros. E, por outro lado, a direção do partido diz que, do outro lado, há também compra de consciências. Não sei quem, de facto, anda a fazer jogo sujo. Isto é lamentável, nem que seja prática ultimamente.

DW África: Acha que esta crise do sistema democrático na Guiné-Bissau poderá vir a servir de desculpa para uma maior influência política dos militares?

Guinea-Bissau Assembleia Nacional Popular Parlament
Programa do Governo volta ao Parlamento a 18 de janeiroFoto: Getty Images/AFP/A. Balde

LC: Não vejo os militares metidos nisto. Há sim quem se queira aproveitar da situação evocando o nome dos militares. Estou convencido que a instituição militar – porque eu faço sempre uma distinção entre militares e a instituição militar – em nenhuma circunstância estaria envolvida em jogos políticos. Pelos comportamentos militares que tenho estado a seguir, até diria que a instituição militar é a instituição que mais se tem adaptado às mudanças democráticas no país.

DW África: Há também quem considere que a Guiné-Bissau é praticamente ingovernável. Vários analistas defendem uma administração internacional sob a liderança da ONU para o país. Acha que seria uma solução viável?

LC: Penso que não. Já ouvi muitas análises. Neste mundo, toda a gente se tornou analista político, mesmo não conhecendo bem a essência das coisas, das causas. O que existe efetivamente na Guiné é que as pessoas não querem tomar juízo. E há pessoas que querem servir-se do aparelho do Estado para enriquecimento ilícito. Mas não creio que não existam pessoas e capacidades internas para governar o país. Elas existem.

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DW África: Na sua opinião, qual seria a solução para o problema político da Guiné-Bissau?

LC: Não sei se estou em condições de me pronunciar sobre a solução, mas proporia talvez que houvesse estudos mais sérios sobre a realidade da Guiné-Bissau porque há bons exemplos de alternância da democracia, que existem no seio dos diferentes grupos étnicos. Nós tentamos introduzir alguns métodos de governação, de democracia, sem que as próprias populações estivessem preparadas. Foi tudo feito à pressa, na tentativa de importar ou fazer face às pressões internacionais. Mas se tivermos tempo e nos dermos ao luxo de estudarmos as estruturas sociais, os modelos de alternância política que existiam e que ainda existem na Guiné-Bissau, de certeza estaremos em condições de escolher o modelo que mais poderá servir para a Guiné-Bissau e, então, iremos entender-nos.

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