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Praia do Tofo: modelo para um turismo sustentável?

Johannes Beck1 de abril de 2015

Praias extensas, águas cristalinas e encontros regulares com o tubarão baleia e a raia jamanta. Mas o Tofo, a localidade que pareceu ser um modelo de turismo sustentável, entrou em crise. Como será o seu futuro?

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Foto: DW/Johannes Beck

A Praia do Tofo na província moçambicana de Inhambane oferece tudo para os turistas que procuram um "mergulho" espetacular na natureza marinha. Nesta zona do Oceano Índico é possível encontrar regularmente das maiores e mais impressionantes criaturas dos oceanos: o tubarão baleia e a raia jamanta.

A pequena vila, que fica a cerca de 20 quilômetros do aeroporto de Inhambane com voos diretos para Maputo e Johanesburgo, tornou-se num dos pontos fortes do turismo em Moçambique. O Tofo já foi protagonista de inúmeros artigos em revistas de viagens e mergulho e serviu como palco de muitas reportagens de TV.

Mas nos últimos anos começaram a surgir notícias preocupantes: os tubarões baleia já não aparecem com tanta frequência e o número de turistas internacionais também diminuiu. Fomos a Moçambique para saber como o Tofo pode sair da crise.

Mesmo os turistas têm que ajudar

O sol acaba de nascer na Praia do Tofo – os primeiros raios do dia brilham nas ondas do Oceano Índico. A areia ainda parece virgem, à espera das visitas do dia.

Nos vários centros de mergulho já começou a azáfama. É preciso encher as garrafas de mergulho com ar comprimido. Os fatos de neoprena, as jaquetas, máscaras e barbatanas têm que ser colocados nos barcos. E estes têm que ser puxados por tratores que atravessam toda a praia de leste a oeste até chegar a zona da rebentação.

Joan Bestler
Joan Bestler: mergulhadora profissional do centro Diversity ScubaFoto: DW/Johannes Beck

No Tofo, mergulhar significa esforço físico. Como não há uma marina, os barcos têm que ser empurrados da praia – atravessando as ondas – até ao mar para chegar nos lugares de mergulho. E como as ondas costumam ser grandes, todos os passageiros, incluindo os turistas, têm que ajudar.

Entre os mergulhadores de hoje está Ulisses de Paris, França: "Escolhi o Tofo por causa das raias jamanta e da atmosfera da localidade. É calma e oferece muitas possibilidades para mergulhar."

São estes motivos que atraem a maior parte dos turistas do Tofo, conta a instrutora alemã do centro de mergulho Discovery Scuba, Joan Maria Bestler: "A maior parte das pessoas chega por causa das raias jamanta e dos tubarões baleia. Mas muitos também veem porque apenas querem ver algo grande", diz Bestler. "O que é bom, temos os dois aqui: as coisas pequenas e os animais grandes."

Tauchboot in Tofo
Em Moçambique (e também no Tofo) usam-se principalmente barcos semi-rígidos para as saídas de mergulho. São empurrados à mão para sair da zona de rebentação.Foto: DW/Johannes Beck

Ver os dois gigantes do mar num único lugar

Numa saída de mergulho autônomo no Tofo, há ótimas chances de ver o “vôo subaquâtico” das raias jamanta com as suas asas de até seis metros de largura, durante quase todos os meses do ano. E, na época de novembro a janeiro, é possível fazer snorkeling com o tubarão baleia. Quem já nadou ao lado destes animais gigantescos de até 12 metros de comprimento nunca vai esquecer a experiência de ver os raios do sol refletidos nos corpos azuis de pontos brancos dos turbarões. E sem perigo, pois este tubarão alimenta-se apenas de plâncton e de peixes pequenos. Apenas é preciso manter certa distância para não chocar contra as barbatanas do animal gigante, que em muitos locais do Tofo é conhecido pelo nome inglês "Whaleshark".

Mas há alguns anos que os encontros com os dois gigantes do mar são menos frequentes. "Quando eu comecei a mergulhar, acho que foi há cinco ou seis anos atrás, havia muitas mantas e muitos tubarões", conta Lopo Malate, guia de mergulho moçambicano da Barra Lodge. Lembra-se dum recorde que teve quando fez os primeiros mergulhos na região: "Foi na zona do Tofinho que tive mais de cinquenta 'Whalesharks' a volta do barco. Tivemos que parar o barco, não podíamos andar. Não conseguíamos contar quantos eram."

Walhai Schnorchel Schnorchler Taucher
O tubarão baleia é o maior peixe dos oceanos - como costuma nadar próximo da superfície o melhor é fazer snorkel para ver o animal na águaFoto: pictures/J.W.Alker

Estudar as possíveis causas da diminuição dos encontros

Uma pequena comunidade de biólogos marinhos estrangeiros reside e trabalha no Tofo para estudar os tubarões e as raias. Ainda não há conclusões sobre o porquê da diminuição. Mas existem alguns indícios que apontam para a pesca excessiva e mudanças climáticas, segundo Lopo Malate: "Aqui os animais perseguem comida. Estão a procurar o plâncton para se alimentar. O que se tem verificado agora é uma mudança na corrente: ela está a desviar-se. Então a corrente leva o plâncton, toda a comida."

Lopo Malate considera que a sobrepesca é um outro fator: "Não estou a falar dos pescadores locais que entram aqui dois quilómetros no mar e estão a pescar. Mas tem muitos barcos chineses, muitos barcos paquistaneses a pescar aqui", diz o guia de mergulho. "Agora, descobriram também as guelras da manta como remédio – associam aquilo para o tratamento do cancro ou uma coisa qualquer – já não faço ideia. Então, logicamente estão a pescar muito." Segundo Malate não se pode apontar exatamente um único fator para a diminuição dos encontros com os tubarões e as raias: "Há muita coisa associada que está a acontecer."

Bitonga Divers
Membros da ONG Bitonga Divers: Lopo Malate, Kudzi Vitorino e António Cabral (da esquerda)Foto: DW/Johannes Beck

"A ação dos mergulhadores cria uma interferência no ambiente aquático. Os peixes, de certa medida, podem sentir-se desconfortáveis com a presença humana", pensa António Cabral, guia de mergulho do centro Tofo Scuba e apresenta uma outra explicação possível. "Diria que talvez o aumento do número de mergulhadores aqui na zona do Tofo possa contribuir para que os animais se afastem um pouco. Não diria que os animais estejam a morrer, mas os animais não são espécies que sempre ficam num certo sítio", diz Cabral. "Pode ser que pelo desconforto que sentiram numa zona, migraram para outras áreas."

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A raia jamanta é a maior das 560 espécies de raias - o Tofo é considerado um dos melhores lugares do mundo para observar as raias jamanta (foto da Austrália)Foto: imago/OceanPhoto

Afasta o turismo o que os turistas procuram?

Se for verdade, que os turistas afastam os tubarões e as raias, o Tofo corre o risco de ser vítima do próprio sucesso.

Mesmo sem as últimas certezas sobre o comportamento do maior peixe do oceano, o tubarão baleia, há indícios claros de que o ecosistema nesta região da costa moçambicana está a passar por mudanças profundas, alerta Frank Weetjens. "Há cinco, seis anos bastavam duas ou três horas no mar para pescar suficientemente peixe para o dia-a-dia. Hoje acontece que os pecadores estão seis horas no mar e regressam sem peixe", diz o belga, que trabalhou durante vários anos pela cooperação alemã GIZ em Inhambane e coordenou a associação de mergulhadores moçambicanos AMAR.

A tendência é altamente perigosa, pois sem ver grandes quantidades de peixe, poucos mergulhadores estariam dispostos a pagar os custos altos para ir ao Tofo. Para os europeus, destinos como a República Dominicana, o Egito ou a Tailândia oferecem voos, alojamento e alimentação com preços mais acessíveis que Moçambique.

Frank Weetjens
O belga Frank Weetjens na Praia do TofoFoto: DW/Johannes Beck

Mesmo os sul-africanos, outra clientela tradicional da costa do sul de Moçambique, já escasseiam. A devaluação da sua moeda, o Rand, encareceu as viagens, mas também se ouvem muitas queixas sobre a extorsão de dinheiro por polícias corruptos nas estradas moçambicanas. E houve quem preferiu não viajar por causa do conflito violento entre a RENAMO, maior partido da oposição moçambicana, e o Governo. Fatores que fazem com que muitos sul-africanos abandonem a idéia de passar as suas férias em Moçambique.

O Tofo sofre de má fama por causa de alguns acontecimentos ocorridos nos últimos anos, conta Weetjens: "Foram capturados muitos tubarões e raias e mataram-nas na praia. As imagens foram postadas no Facebook. Em pouco tempo, esta situação provocou danos na reputação do Tofo." Pois, segundo Weetjens, muitos turistas que viajam ao Tofo perguntam logo como aqui são tratados os recursos e o meio-ambiente.

Questões como o meio-ambiente é tratado, também preocupavam o moçambicano Rodriguez Bernardo Timóteo, quando trabalhou como pescador no Tofo. "O que mais me fez decidir de querer ser um mergulhador autónomo foi o impacto da pesca. O mar já estava a ficar quase vazio", conta Rodriguez como é conhecido no centro de mergulho Diversity Scuba. Hoje ele é um dos instrutores de mergulho moçambicanos melhor qualificados.

Rodriguez Bernardo Timoteo
Rodriguez Bernardo Timóteo do centro Diversity ScubaFoto: DW/Johannes Beck

Rodriguez relata como a sua família recebeu a notícia de que iria deixar de ser pescador e começar uma formação como mergulhador profissional: "Quando comecei a mergulhar todos ficaram um pouco preocupados, mas foi muito difícil para eles saberem se na verdade iria fazer o que estou a fazer hoje em dia. Mas sim, na verdade, é mesmo essa que queria como forma de preservar melhor os animais!" Hoje, o seu irmão também está a ser formado como guia de mergulho. Rodriguez continua a pescar como passatempo, mas diz que sempre tem o cuidado de não tirar demasiado peixe do mar.

Diversity Scuba
Garrafas para o mergulho autónomo no centro Diversity ScubaFoto: DW/Johannes Beck

O mar é mais do que apenas uma fonte de proteínas

Numa zona em que as pessoas tradicionalmente vêm o mar apenas como fonte de proteínas, ainda há pouca consciência sobre as fragilidades do ecosistema marinho. Esta é a opinião da guia de mergulho alemã Joan Bestler. Para ela um indício claro é a pesca de tubarões, que são caçados única e exclusivamente pelas suas barbatanas. Uma prática pouco sustentável que é incentivada pelo consumo da sopa de barbatanas de tubarão na cozinha chinesa. Joan Bestler: "Para eles isto significa o pão de cada dia, alimentação. O vencimento mensal da população local aqui é baixo. O dinheiro extra que as pessoas ganham [com a venda das barbatanas de tubarão] é tão alto que não podem parar."

Mas Rodriguez, contudo, vê melhorias nos últimos anos, quando afirma que a população local tem mais consciência dos problemas ambientais: "Aumentou e está cada vez maior. Porque eu como mergulhador moçambicano e mais os outros colegas lutamos bastante para que isso mude."

Tauchausbildung Tofo Scuba
Formação de guias de mergulho no centro Tofo ScubaFoto: DW/Johannes Beck

Formar mergulhadores moçambicanos

Para que mais moçambicanos possam ser guias e instrutores de mergulho, foi fundada a associação Bitonga Divers. Nos últimos sete anos, já financiou a formação de 30 moçambicanos com bolsas e deste modo conseguiu aumentar muito a presença de pessoas da região nos centros de mergulho que antes eram dominados por sul-africanos e europeus.

A Bitonga Divers, que por sua vez é financiada pela ONG norte-americana Ocean Revolution, também organiza palestras para explicar à população local porque não deve pescar os tubarões, por exemplo. No início, as reações eram negativas, pois as pessoas tinham medo de perder uma fonte de rendimento, conta Kudzi Vitorino, a presidente dos Bitonga Divers: "No princípio existiam pescadores que reagiram mal. Mas com o passar do tempo começaram a entender a mensagem e porque fazemos isto. Já não praticam tanto como quando estávamos a começar com as palestras."Lopo Malate, também participa nas ações dos Bitonga Divers e tenta convencer os pescadores locais de que também é preciso proteger os tubarões. "O que as pessôas veem no tubarão? Veem-no como um monstro, uma coisa que não deveria existir no oceano", diz Malate. "Então, quando tento falar da cadeia alimentar e da importância dos tubarões no mar, as pessoas começam a entender que afinal de contas é bom ter os tubarões nas águas."

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Segundo Frank Weetjens, para resolver os problemas ambientais do Tofo é preciso incluir no processo os pescadores e a população local: "Estou convencido de que se os vários atores aqui se juntassem e começassem a criar uma zona marítima de proteção ambiental, a fama do Tofo iria melhorar."

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Mercado turístico no centro do TofoFoto: DW/Johannes Beck

Tofo depende do turismo

"O Tofo sem turismo não existiria. O Tofo depende em 90 por cento do turismo", diz o guia de mergulho Lopo Malate. Conheceu o Tofo pela primeira vez há vinte anos atrás: "Era muito diferente, o nível de desenvolvimento que existe hoje no Tofo foi graças ao turismo. Mesmo os pescadores têm familiares que trabalham nas estâncias turísticas, nos 'lodges', ou têm negócios. Sem turismo o Tofo desaparece."

Frank Weetjens pensa que existe um nicho ideal no mercado de turismo internacional para o Tofo. Segundo Weetjens, o ecoturismo com os encontros com os gigantes do mar – o tubarão baleia e a raia jamanta – poderia ser a aposta para atrair os turistas a Praia do Tofo.

Mosambik Tofo
Centro do Tofo: aqui partem os "chapas" (táxis coletivos) a cidade de InhambaneFoto: DW/J. Beck

"Mas é preciso pensar de uma maneira diferente e implementar uma outra estratégia para que não se perca a biodiversidade que hoje existe", diz Weetjens.

Na encruzilhada

Weetjens adverte que o tempo escasseia para que o Tofo e o turismo nesta zona de Moçambique sejam colocados no bom caminho. "Estamos numa encruzilhada muito importante. Há apenas duas vias: se continuamos assim, vamos perder tudo dentro de pouco tempo. Mas também temos a possibilidade de inverter a situação para fazer diferente e expandir."

Moçambique tem a possibilidade de criar uma reserva marinha para proteger esta zona única no planeta e para assegurar que no futuro ainda venham turistas ao Tofo para mergulhar com as raias jamanta e os tubarões baleia no Índico.

Strand von Tofo
Praia principal do Tofo: nos últimos anos com menos turistas do que o costumeFoto: DW/Johannes Beck
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