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África do Sul diz adeus a Winnie Mandela

Lusa | AP | AFP | mjp
14 de abril de 2018

Dezenas de milhares de pessoas despediram-se este sábado da ativista anti-apartheid nas cerimónias fúnebres oficiais, em Joanesburgo, após dez dias de luto nacional. Winnie Mandela morreu a 2 de abril, aos 81 anos.

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Südafrika Bebgräbnis von Winnie Madikizela-Mandela in Johannesburg
Foto: picture alliance/AP Photo/T. Hadebe

Dezenas de milhares de pessoas aplaudiram este sábado (14.04) os restos mortais de Winnie Madikizela-Mandela, no Estádio Orlando, no bairro do Soweto, em Joanesburgo, onde decorreram as cerimónias fúnebres do popular, mas controverso, rosto anti-apartheid.

A cerimónia conclui dez dias de luto nacional decretado em memória daquela que foi apelidada de "rocha", "Mãe da Nação", "libertadora" ou "heroína", que foi casada com o falecido ex-Presidente Nelson Mandela.

Acompanhado por motociclistas, com honras de Estado e militares, o caixão de "Mama Winnie", coberto com a bandeira da África do Sul, deixou na manhã deste sábado a sua casa no Soweto, o subúrbio pobre de Joanesburgo.

Ao chegar ao Estádio Orlando, a alguns quilómetros de distância, os restos mortais foram recebidos por cerca de 20.000 pessoas de luto que, com os punhos levantados, cantaram uma canção de luta "Não há ninguém como Winnie Mandela". No estádio, juntaram-se cerca de 40.000 pessoas, vindas de todos os pontos do país, que, durante as quase cinco horas que durou a cerimónia, encheram o recinto. 

Südafrika Bebgräbnis von Winnie Madikizela-Mandela in Johannesburg
Dezenas de milhares despedem-se de "Mama Winnie" no Estádio OrlandoFoto: picture alliance/AP Photo/T. Hadebe

Muitos populares apareceram vestidos de verde, amarelo e negro, as cores do Congresso Nacional Africano (ANC), que governa a África do Sul desde a chegada da democracia em 1994, mas também de roxo, em nome do movimento opositor EFF. 

A cerimónia foi presidida por membros da família, com as filhas de Nelson e Winnie Mandela (Zenani e Zindini) à cabeça, junto do chefe de Estado sul-africano, Cyril Ramaphosa, e outras figuras do Governo e do ANC.

Tributo do Presidente

O Presidente sul-africano prestou uma homenagem sentida a Winnie Mandela no Estádio Orlando, prometendo propor que a ativista receba a mais alta honra do partido no poder.

"Orgulhosa, desafiante, articulada, ela expôs a mentira do apartheid", disse o Presidente perante a multidão que assistiu ao funeral oficial, a cerimónia de mais alto nível que o país pode realizar para uma figura que não foi chefe de Estado.

Ramaphosa diz que a detenção, tortura e anos de afastamento que Madikizela-Mandela suportou "encorajaram-na" como ativista política, mas também causaram "feridas profundas" que nunca se curaram e foram amplamente ignoradas por muitos.

"Ela foi testemunha do nosso sofrimento. Nós não fizemos o mesmo por ela", disse Ramaphosa, que recitou o poema de Maya Angelou "Still I Rise".

Chefes de Estado e de Governo marcaram presença

Na cerimónia fúnebre estiveram presentes presidentes e primeiro-ministros do continente africano, como da Namíbia, Madagáscar, República do Congo e Zâmbia. 

Estiveram também presentes líderes, como Graça Machel (terceira e última mulher de Nelson Mandela), ex-Presidentes sul-africanos e personalidades do mundo da cultura, como o ator britânico Idris Elba, que deu vida ao antigo chefe de Estado sul-africano no filme "Mandela: um longo caminho para a liberdade", e a modelo Naomi Campbell. 

Cânticos, punhos ao alto e gritos "Winnie, Winnie" ecoaram sem pausa durante toda a manhã no estádio, debaixo de um sol abrasador que apenas deu tréguas na última meia hora do funeral. 

Südafrika Bebgräbnis von Winnie Madikizela-Mandela in Johannesburg
Multidão emocionada aplaudiu cerimónias fúnebres oficiaisFoto: Reuters/S. Sibeko

Homenagens multiplicam-se

A morte de Madikizela-Mandela desencadeou uma onda de comoção na África do Sul sobre o legado de uma das mais importantes opositoras contra a discriminação racial, mas que também foi marcada pelo escândalo. 

Durante os 27 anos de prisão do seu marido, Nelson Mandela, Winnie Mandela ajudou a manter na ordem do dia a luta do líder político e as injustiças do sistema de apartheid, com o seu rosto e a sua voz a tornarem-se um sinónimo com a luta contra a discriminação racial. 

Numa campanha nas redes sociais, muitas mulheres jovens colocaram fotografias a usar "doeks", o lenço tradicional que Madikizela-Mandela usava frequentemente à volta da cabeça.

Personalidades como Jesse Jackson, um emblemático ativista dos direitos civis nos Estados Unidos, também prestaram a sua homenagem nos dias que antecederam o funeral oficial. "Ela nunca deixou de lutar. Nunca deixou de servir", disse Jesse Jackson aos jornalistas, esta sexta-feira. Madikizela-Mandela foi responsável por fazer do movimento anti-apartheid "uma luta global", sublinhou.

Após o funeral oficial, Winnie Mandela será enterrada no cemitério de Fourways, uma área residencial de Joanesburgo, ao lado de uma de suas netas, que morreu em 2010.

Südafrika Bebgräbnis von Winnie Madikizela-Mandela in Johannesburg
Soldados transportam o caixão de Winnie Mandela no fim da cerimónia no Estádio OrlandoFoto: Reuters/S. Sibeko

Emoção na despedida

O momento mais emotivo das cerimónias deste sábado ocorreu quando intervieram as filhas da ativista, num discurso que evocou o sacrifico da mãe e criticou aqueles que nas últimas décadas quiseram manchar o nome de Winnie Mandela envolvendo-a em escândalos. 

"Muito antes de estar na moda apelar à libertação de Nelson Mandela, detido em Robben Island, foi a minha mãe quem manteve a sua memória viva", disse a filha mais velha, Zenani Mandela-Dlamini, recebida com aplausos efusivos na cerimónia.

"Complementaram-se um ao outro mais do que alguma narrativa popular possa sugerir", realçou.

Mandela-Dlamini acusou os média de serem cúmplices de uma longa "campanha de difamação" contra a sua mãe: "Louvá-la agora que ela partiu mostra quão hipócritas vocês são", disse, durante o seu discurso. "É claro que a África do Sul e o mundo colocam os homens e as mulheres em diferentes patamares de moralidade".

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chamou a Winnie Mandela "um símbolo internacional de resistência", cuja vida extraordinária teve impacto em milhões de pessoas em todo o mundo.

"Na África do Sul do apartheid, a combinação do patriarcado e do racismo significavam que as mulheres negras enfrentavam enormes obstáculos do berço até à morte – tornado os seus feitos ainda mais excepcionais", disse Guterres numa cerimónia de homenagem na sexta-feira, em Nova Iorque.