1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

África dá passos genuínos rumo à democracia, diz empresário sudanês

27 de abril de 2011

Em entrevista exclusiva à Deutsche Welle, Mo Ibrahim diz que indignação contra injustiças e corrupção é “saudável”; fundação criada por ele alerta para “recessão democrática” na África

https://p.dw.com/p/RKf4
Mo Ibrahim, fundador da operadora de telemóveis Celtel e diretor da Fundação Mo Ibrahim de LondresFoto: DW

Mo Ibrahim é um empresário britânico-sudanês que luta pela boa governação na África. Um continente que, em 2010, chamou a atenção por causa do primeiro Mundial de futebol que organizou, além da comemoração do cinqüentenário da independência em 17 países. Porém, em 2010, a África também viu a queda dos governos da Mauritânia e do Níger por meio de golpes de Estado, além de violências após o segundo turno das presidenciais na Costa do Marfim, onde o presidente cessante não queria aceitar a derrota nas eleições, levando o país a mergulhar num cenário de guerra civil.

A fundação que Mo Ibrahim criou e que leva o seu nome alerta para uma “recessão democrática” na África. Leia abaixo a íntegra da entrevista que o empresário concedeu com exclusividade a Ute Schaeffer, diretora do Departamento África e Médio Oriente da Deutsche Welle.

DW: Em relação à democracia na África, considera que o continente está a regredir ou que está a evoluir, que há mais passos à frente do que os que são dados para trás?

Ibrahim: O caminho para a democracia não é fácil, é tortuoso. E as pessoas aprendem sobre a democracia ao praticarem a democracia. Por sua vez, praticar a democracia equivale a um desenvolvimento. A democracia em si não é um caminho absolutamente seguro para garantir a boa governação – e sinto dizê-lo, mas para os alemães, por exemplo, Hitler chegou ao poder através das urnas. Então, algumas pessoas podem voltar [ao poder]. Pessoas ainda podem chegar às cédulas eleitorais pela democracia. Mas é possível aprender das experiências. Isso leva tempo. O que podemos ver [na África] são passos genuínos em direção à democracia. Há cada vez mais jovens empenhados na política. Há um sentimento de indignação em relação a injustiças, uma indignação contra a corrupção. São sentimentos muito saudáveis.

DW: Mas experiências como as eleições presidenciais na Costa do Marfim, em novembro de 2010, ou as violências que se seguiram às eleições no Quênia [2007/2008], não desapontam?

Ibrahim: Acho que, na verdade, o que está a acontecer é positivo. Porque, no passado, desde a independência, o Quênia não teve nenhuma eleição rigorosa. Agora, as pessoas rejeitam isso. Depois das eleições de 2007, foram às ruas e disseram: “a nossa voz também conta”. Isso criou o caos que vimos. Foi positivo. Eu prefiro esse tipo de reação a pessoas dizendo “ok, obrigado, as eleições foram ilegais novamente e aceitamos isso”. Porém, esse tipo de contestação não é moeda corrente, embora também tenha acontecido no Zimbábue. Deveríamos tirar o lado bom desse tipo de reação, que mostra as pessoas dizendo: “Meu voto vale algo. Eu esperei aqui desde as 6 horas da manhã para votar, e meu voto é válido”. Algumas pessoas poderão falsificar ou manipular os resultados, mas haverá outras que não aceitarão.

DW: Se tomarmos como exemplo a Costa do Marfim, o senhor entende o comportamento de uma elite política que, naquele país ocidental africano, criou o conceito de “marfinidade”, ou “ivoirité” – conceito esse que impediu o atual presidente Alassane Ouattara de concorrer às eleições em 1999, porque seus pais são do Burkina Faso? Entende esse comportamento para conservar o acesso a recursos políticos e econômicos pelos dirigentes de um país, excluindo outras partes da população desse acesso?

Ibrahim: Sim, não há dúvidas. O que [Robert] Mugabe está fazendo no Zimbábue, ou o que Gbagbo fez não é aceitável. O que digo é que, há vinte anos atrás, esse tipo de atitude era tido como normal. E Mugabe e Gbagbo visitariam Berlim e as autoridades os receberiam como se nada fosse. Agora, as coisas mudaram. E, pelo menos na Costa do Marfim, Gbagbo acabou por sair. Isso custa vidas, infelizmente, mas é uma lição para as pessoas que resistem. Temos [Mouammar] Kadhafi, que ainda resiste na Líbia, o que resulta na morte de pessoas. Mas, ainda assim, as pessoas precisam fazer levantes e garantir que também Kadhafi seja expulso do poder. As pessoas não vão embora apenas porque desejamos a sua saída. É preciso lutar, fazer acontecer. Haverá sacrifícios. O importante é que as pessoas estão a rejeitar o que está a acontecer, o que há 20, 30, 40 anos atrás era tido como normal.

DW: Se existem instrumentos africanos de mediação e de reconciliação, eles são suficientes? Tomando como exemplo os esforços da União Africana na Costa do Marfim, não se trata de um exemplo decepcionante para a fraqueza da UA?

Ibrahim: O que aconteceu na Costa do Marfim foi real. E eu acho que a posição da CEDEAO [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental] ajudou, já que esse grupo de países rejeitou totalmente o que aconteceu, congelou bens, suspendeu serviços bancários. No final, essa atitude foi crucial para sufocar o regime [de Laurent Gbagbo]. Eles ficaram sem dinheiro, não podiam pagar os soldados, isso foi essencial. Tenho de admitir que a UA teve uma boa posição no início. Mesmo assim, a posição era incerta, por causa da África do Sul. Até agora, não entendi a posição deles, mas eles acabaram voltando atrás. Disseram: “Sim, não está a funcionar”. Isso nos atrasou um pouco, causou alguma confusão. Mas o importante é que a organização regional foi rápida, a comunidade internacional também e não houve divisões na comunidade internacional. O trabalho foi feito, acabou. Então, foi um sucesso. Vejo as coisas de um prisma positivo. E estas são lições para outras pessoas, que estão a observar, que talvez estejam a fazer a mesma coisa.

DW: O compromisso da comunidade internacional ainda é importante para tirar a África da crise?

Ibrahim: Com toda a certeza. O apoio da comunidade internacional é importante e não deveríamos permitir que haja jogos de uns contra os outros. Precisamos defender princípios simbólicos para realmente apoiar o povo. Esta [a amizade entre povos] é uma amizade duradoura. Ditadores vão e vêm, mas as populações ficam.

Autora: Ute Schaeffer

Revisão: Renate Krieger / António Rocha