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Água potável como artigo de luxo

Assis Mendonça7 de março de 2003

Só se sente a importância de determinadas coisas do dia-a-dia, quando elas nos faltam. É o caso da água. E com isto, ela se torna também um dos negócios mais cobiçados por gigantescos conglomerados empresariais.

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Água: hoje na torneira, amanhã na Bolsa de ValoresFoto: Bilderbox

O abastecimento de água já envolve hoje somas bilionárias em todo o mundo. E com tendência de aumento. Segundo o consultor alemão Helmut Kaiser, especializado em questões relacionadas com energia e meio ambiente, são enormes os investimentos necessários para a cobertura dos serviços de purificação de água potável, tratamento de esgotos e produção de energia: "As empresas tradicionais, de pequeno ou médio porte, já não são mais capazes de arcar com os custos necessários. Este é o motivo para a grande concentração de tais serviços nas mãos de grandes empresas, como a RWE da Alemanha."

Hoje, 80 empresas do setor dividem entre si 60% do mercado mundial. A tendência de concentração é constante. Segundo o estudo de Kaiser, no ano de 2015, mais da metade do abastecimento mundial de água estará nas mãos de apenas 20 empresas. O volume dos negócios deverá beirar então a casa dos 200 bilhões de dólares.

Experimento duvidoso

Atualmente, as três maiores multinacionais do setor são a Suez, a Vivendi e a RWE. E elas não dispõem de mais que 300 milhões de clientes privados em todo o mundo. O negócio com a água ainda é feito, em cerca de 90% dos casos, por empresas públicas de maior ou menor porte. A liberalização do setor de abastecimento de água transcorre de forma relativamente lenta.

Na Alemanha, por exemplo, os planos de uma liberalização compulsória – como a que ocorreu no setor do abastecimento de energia ou na área da telefonia – foram rechaçados pelo Parlamento, que viu neles um "experimento com conseqüências duvidosas". Isto não impede, contudo, que os municípios sem recursos para investimentos no setor abram mão do seu monopólio, terceirizando o abastecimento de água.

Assim, as concorrentes Vivendi e RWE juntaram-se para adquirir 49,9% das ações da empresa municipal de abastecimento de Berlim pelo preço de 1,7 bilhão de euros. Mas os grandes conglomerados mostram-se interessados também nas cidades do interior. Uma subsidiária da Vivendi adquiriu os direitos de abastecimento d'água de Döbeln, no Estado da Saxônia-Anhalt. E logrou reduzir os custos para o consumidor final, descobrindo e consertando os vazamentos da canalização, responsáveis por uma perda de cerca de 40% da água transportada. A antiga empresa municipal não dispunha dos modernos equipamentos para conter o desperdício. A Vivendi, sim.

Prós e contras

A idéia da água como artigo comercializado desperta sentimentos contraditórios. Os que são favoráveis a ela argumentam que somente através de um aumento do seu valor comercial é que se poderá lograr uma contenção do desperdício. Tanto no consumo doméstico, como nos vazamentos das canalizações estragadas de serviços públicos de abastecimento.

A grande maioria ainda vê, porém, o acesso à água potável como um direito humano básico, que não pode ser sacrificado em função de lucro. A comercialização total significaria cortar o fornecimento de água de boa qualidade a todos aqueles que não podem pagar por ela.

Apesar de toda a discussão, o processo de privatização do setor parece inexorável. O endividamento das administrações municipais em todo o mundo servirá de grande incentivo para isto. Mas, por mais que cresçam as empresas, elas não resolverão os mais graves problemas de abastecimento no mundo: mais de um bilhão de pessoas vivem praticamente sem água em povoados de países subdesenvolvidos. Mas não podem pagar e por isto, não fazem parte da clientela potencial das multinacionais da água potável.