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A história por trás dos retratos de pequenos príncipes

Neusa Soliz12 de novembro de 2003

Retratos de crianças das principais monarquias da Europa estão expostos na Bundeskunsthalle em Bonn e revelam detalhes da sua vida e educação. Alguns subiram cedo ao trono e casaram-se logo após a puberdade.

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De vestido e lacinho: os príncipes franceses Luís XIV e Felipe de OrléansFoto: Pere Colom / Fundación Yannick y Ben Jakober

Qualquer semelhança com o título do livro de Saint Exupéry pode ser casualidade ou intenção: "Os pequenos príncipes" intitula-se a exposição de pinturas a óleo dos séculos 17 a 19, que podem ser vistas na Bundeskunsthalle, de Bonn até 4 de janeiro de 2004. São 85 retratos de príncipes e princezinhas dos 125 que integram a coleção da Fundação Yannick e Ben Jakober, com sede em Mallorca, na Espanha.

Eles permitem não apenas um olhar nos aposentos e palácios da Europa Central e no luxuoso figurino da realeza. O visitante acaba conhecendo costumes curiosos, detalhes sobre a educação real, as finalidades dos quadros, e também a história de vida dessas crianças, muitas delas comoventes, que se misturam à de seus países.

Rei aos quatro anos

O arquiduque Carlos, por exemplo, que posteriormente se tornaria o Imperador Carlos V, cresceu longe dos pais, sendo educado por uma tia na Holanda. Ele era filho de Felipe, o belo, da dinastia dos Habsburgo e de Joana da Castilha, que entrou para a história como "Joana, a louca". Com a morte do pai, outro príncipe de nome Carlos, na Espanha, não havia completado nem quatro anos quando se tornou Carlos II, soberano de um grande "reino onde o sol nunca se põe".

Kleine Prinzen Ausstellung in Bonn
Quadro do século 17 – o bebê não foi identificado, mas os ricos ornamentos indicam que é da nobreza, senão de uma casa realFoto: Jaume Gual / Fundación Yannick y Ben Jakober

Muitas crianças estão vestidas como adultos, sua expressão é da maior seriedade, e tem-se a impressão de que o mundo que os rodeia é um mundo severo, totalmente regulamentado. Ao contrário do que se imagina, vida de príncipe não era fácil nos séculos passados. Basta olhar para a forma de enrolar os bebês, que mais parecem múmias. Eles eram imobilizados até os seis meses para não deformar os ossos – costume, aliás, freqüente até em outras partes do mundo. E eram trocados só duas vezes por dia.

Amuletos contra doenças

Com essas condições de higiene e uma medicina rudimentar, não é de se admirar a alta mortalidade infantil mesmo entre os rebentos das casas reais: somente a metade das crianças atingia a vida adulta. Muitos portraits, portanto, foram encomendados justamente com a intenção de guardar uma lembrança, pois a probabilidade de sobrevivência não era muito alta. Vários bebês e pequenos príncipes usam uma pulseira de coral: um amuleto para garantir boa saúde, favorecer um caráter nobre e virtudes.

Os quadros eram como as fotografias de hoje. E serviam não apenas para que os pais que viviam longe acompanhassem o desenvolvimento dos filhos. Às vezes eram mandados também aos parentes – como se manda fotografias – ou aos pintores famosos – Velásquez, por exemplo, para servir de modelo à distância.

Retratos como demonstraçao de poder...

Como príncipes têm que fazer uma boa figura, os retratos destinavam-se também a fins de representação. Por isso se vêem as roupas mais finas – a maioria imitação incômoda dos embaraçosos trajes de adulto e as insígnias reais. As mais comuns são coroa, cetro e o globo terrestre, símbolos do poder; ou as faixas das condecorações e ordens, como a francesa de Saint Esprit, que os delfins recebiam na França, no dia do batizado.

O retrato do príncipe Friedrich Hermann Otto von Holenzollern-Hechingen, do início do século 18 é imponente: o garoto com uma longa peruca loira traja uma casaca vemelha ricamente ornamentada, apóia o braço esquerdo na cintura – gesto tipicamente senhorial – e a mão direita na cabeça de um cão, o fiel seguidor.

... e para arranjar casamentos

Mas os portraits infantis serviam principalmente para serem enviados a outras casas reais para fins de casamento. A preocupação era garantir a sucessão do trono, selar alianças e expandir as posses. Noivado entre crianças era muito comum. A infanta Margarethe, da Áustria, ficou noiva do seu tio e primo, o futuro Imperador Leopold I, aos 12 anos, em 1663. A idade adulta, nesses tempos, chegava cedo: aos 12 anos para as meninas, aos 14 para os rapazes.

Muitas vezes procurava-se resolver conflitos através da união das famílias. Assim, o papa Clemente VIII arranjou em 1602 um casamento duplo para acabar com as rixas entre França e Espanha: Luís XIII, da França, casou-se com a princesa espanhola Anna, e Felipe, seu irmão, casou-se com Elisabeth, irmã de Luís.

Pintores traidores

Os pintores muitas vezes ajudavam a arranjar casamentos, retocando retratos para dar uma aparência mais vantajosa aos príncipes e princesas. Consta que a princesa Marie Louise, filha de Felipe de Orléans e Henriette Stuart, ficou muito decepcionada ao conhecer pessoalmente seu noivo, Carlos II, da Espanha.

E quem vê um de seus retratos na exposição, bem pode imaginar: o jovem era tão feio como só podem ser os produtos de casamentos entre primos durante várias gerações. Os Habsburgos eram mestres em manter-se, assim, no poder, conseguindo fazer com que sua dinastia chegasse até o século 20.

Os Habsburgos e a arte

Os Habsburgos souberam instrumentalizar a arte para imortalizar sua dinastia, principalmente em suas cortes na Espanha e na Áustria. As coleções de arte que reuniram destinavam-se a glorificar sua fama e poder. Maximiliano II (1527-1576) foi um dos primeiros monarcas a reconhecer o valor propagandístico do portrait: "Não resta lembrança de alguém que, em vida, não se preocupou de deixar uma recordação à posteridade. Ao morrer, ele é esquecido nem bem os sinos páram de tocar. Por isso, o dinheiro que empreguei em prol de minha memória não foi mal empregado", escreveu.

Costumes e educação

Graças a essas e outras coleções, ficamos sabendo que as crianças usavam vestidos até os seis anos, distinguindo-se os sexos apenas por alguns atributos. Pássaros geralmente indicavam que os retratados eram meninos. Ambos os sexos usavam colares, mas enquanto as garotas os levavam no pescoço, os dos meninos estavam atravessados no peito. Brincos e bonecas identificavam as princezinhas. Frutas na mão das meninas eram símbolo de fertilidade. O chicote, na dos meninos maiores, um sinal da moldagem severa do caráter.

Se até essa idade eram educados pelas damas da corte e seu séquito, a partir dos sete anos príncipes e princesas recebiam uma educação especial, apropriada às funções que depois desempenhariam e de acordo com o papel social atribuído a cada sexo em sua época. O garoto, passava então para o mundo masculino, aprendendo, por exemplo, a caçar. As princesas, por sua vez, a bordar. Mas plumas, bordados, rendas e jóias adornavam os pequenos príncipes, independente do sexo.