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A morte do arqueólogo em Palmira e a cruzada cultural do EI

Kersten Knipp (fca)21 de agosto de 2015

Decapitação de Khaled al-Assad, por se negar a entregar relíquias da cidade histórica síria, marca mais um passo do "Estado Islâmico" rumo à aniquilação cultural e à guerra aos intelectuais seculares.

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Foto: picture alliance/AP Photo

Quando o "Estado Islâmico" invadiu, em maio, a cidade histórica Palmira, que concentra algumas das ruínas mais importantes do mundo árabe, uma perspectiva de negócios se abriu para a organização extremista.

Segundo o plano, os inúmeros artefatos culturais da cidade síria poderiam ser contrabandeados para o mercado de artes internacional e, assim, gerar altas cifras em vendas. Contudo, não foi isso o que aconteceu. Muito provavelmente porque Khaled al-Assad, chefe de arqueologia de Palmira por 50 anos e aposentado há 13, havia escondido os tesouros culturais dos jihadistas.

"Nasci em Palmira, vivi aqui e me nego a deixá-la", dizia o arqueólogo. Perseverante, o sírio acabou caindo nas mãos do "Estado Islâmico". Durante um mês, os terroristas o mantiveram em cativeiro para que ele revelasse quais artefatos havia de fato escondido.

Ainda não se sabe se o "Estado Islâmico" conseguiu extrair essas informações de Assad. A única certeza que há é que a organização terrorista se vingou de um dos mais renomados arqueólogos da Síria. Na terça-feira (18/08), o pesquisador de 82 anos foi decapitado na frente de um grande público. A cabeça do arqueólogo teria sido exposta sobre uma coluna romana localizada no centro de Palmira.

Decapitação como recado

Segundo o canal Al Jazira, o "Estado Islâmico", diferentemente do que costuma fazer, não divulgou na internet nenhum vídeo da execução do arqueólogo. O ato, de acordo com o comentarista James Denselow, foi direcionado principalmente à população local. A execução seria uma forma de intimidar os moradores de Palmira.

Ao mesmo tempo, diz Denselow, o EI dá seguimento às práticas de aniquilação cultural – o que os próprios membros da organização tentam categorizar como uma mudança dos tempos.

Khaled al-Asaad
Khaled al-Assad trabalhou por cinco décadas na preservação do patrimônio histórico da cidade síriaFoto: picture alliance/AP Photo

Da mesma forma como foi no vizinho Iraque, onde o "Estado Islâmico" arrasou as cidades históricas de Nínive e Khorsabad, os terroristas mantêm a sua cruzada de destruição. A Al Jazira especula que, a partir disso, o EI tenta impor uma nova era na região sob o seu domínio.

"Acabar com ruínas, resquícios históricos e documentos antigos faz parte da estratégia de estabelecer um 'ano zero' na região em que o grupo terrorista instituiu o seu 'califado'", afirma Denselow, jornalista da emissora especializado em segurança e política no Oriente Médio.

Porém, os ataques dos jihadistas não são direcionados apenas às cidades históricas, mas também àqueles que as mantêm vivas: historiadores, arqueólogos e especialistas em patrimônio.

O fato é que o trabalho desses profissionais contribui não apenas para conservar as heranças dos tempos antigos – interpretá-las e fazê-las compreensíveis para um público maior também é parte da missão. A tomada da consciência do público sobre o passado multicultural da região deve-se em grande parte aos esforços desses pesquisadores. O EI teria executado Assad também por causa disso, especula a Al Jazira.

Guerra aos intelectuais seculares

Contudo, há outro motivo para a execução de Assad. Por mais de 40 anos, o sírio explorou os sítios arqueológicos de sua cidade natal, publicando vários livros e contribuindo bastante para que a cidade recebesse o título de Patrimônio Mundial da Humanidade.

Além disso, o arqueólogo fazia parte da comunidade acadêmica internacional – que não possui fronteiras. Assim, Assad incorporava o tipo do intelectual formado em universidades, ou seja, a antítese dos fundamentalistas religiosos que constituem o "Estado Islâmico". Logo, a decapitação também é uma declaração de guerra aos intelectuais seculares.

Além disso, é possível que o grupo terrorista esteja cada vez mais perdendo o controle sobre si mesmo. É o que sugere um vídeo publicado pelo EI no começo de julho, que mostra a execução de 25 soldados sírios no anfiteatro de Palmira, onde, até pouco tempo atrás, óperas clássicas eram encenadas.

Theater Palmyra
O anfiteatro de Palmira serviu de palco, em julho deste ano, para uma execução de soldados síriosFoto: picture-alliance/CPA Media/Pictures From History/D. Henley

Das tribunas, um grande público assistiu a 20 crianças e adolescentes atirarem nos soldados pelas costas. Ao mesmo tempo, o fuzilamento acabou sendo uma espécie de comunhão perversa: com a cena, o "Estado Islâmico" mostrou como interpreta o ingresso na idade adulta – por sinal, a capacidade de matar.

A brutalidade do EI, usada contra aqueles que possuem opiniões distintas e tudo aquilo que para eles não corresponde à interpretação "verdadeira" do islã, é uma estratégia arriscada. Mesmo que isso atraia vários simpatizantes para a organização, o número cada vez maior de refugiados que chegam à Europa mostra que a tática também amedronta muita gente. Desse jeito, o "Estado Islâmico" acabará regendo um império de mortos e ruínas.