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A noite seguinte nos arredores do Bataclan

Barbara Wesel, de Paris (lpf)15 de novembro de 2015

Moradores do bairro onde fica o clube que foi palco do mais sangrento dos ataques de 13 de Novembro homenageiam vítimas e discutem ameaça terrorista. Muitos dizem que não vão se deixar intimidar.

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Foto: DW/L. Scholtyssyk

Milhares de parisienses estão na noite deste sábado (14/11) na avenida Richard-Lenoir, perto do famoso clube Bataclan, que se tornou o mais novo símbolo do terrorismo e da violência desenfreada na capital parisiense.

Uma espécie de missa sem pastor é rezada perto do Bataclan, onde ao menos 89 pessoas foram mortas na noite anterior. Montanhas de flores acumulam-se sobre o asfalto, e alguns homens distribuem velas.

A cena lembra as horas após o ataque à sede do jornal satírico Charlie Hebdo, em janeiro deste ano, mas, desta vez, há muito mais vítimas para lamentar e muitos feridos nos hospitais das redondezas, entre a vida e a morte.

Robert, que é professor, veio ao local com o filho François – os dois com rosas nas mãos. Eles moram no bairro, o Oberkampf, e querem, de alguma maneira, participar do luto coletivo.

O François, que é estudante, diz que ele mesmo já havia estado várias vezes no Bataclan – um lugar badalado, onde boas bandas se apresentam. Mas agora ele acha que não seria bom voltar ao local nas próximas semanas, como muitos dos sobreviventes anunciaram. "É preciso mostrar respeito pelos mortos, e isso exige tempo", afirma. Por outro lado, ele não pretende se deixar intimidar pelos terroristas. "É simplesmente o direito de qualquer pessoa, um direito humano, ir em paz a um show ou encontrar amigos num café."

Robert critica o governo por erros políticos, que, na opinião dele, foram cometidos pelo governo. Para ele, os políticos tentam de tudo contra o terrorismo, mas conseguem poucos resultados. Muitos dos terroristas são franceses, nascidos no país, ressalta. O professor considera que uma política que tenta dar lições de moral a países muçulmanos e, ao mesmo tempo, faz negócios com a Arábia Saudita não tem credibilidade. Essa moral dupla faz com que ninguém mais leve a sério os valores democráticos e republicanos da França, diz o professor.

Briga política freada pelo luto

Nos locais de homenagem às vítimas, travam-se discussões em pequenos grupos, mas tanto o ódio racista contra os muçulmanos quanto a raiva desenfreada contra o governo socialista são difíceis de encontrar.

Todos os parisienses conhecem as selvas de concreto dos pobres subúrbios da cidade, os quais muitos responsabilizam pela radicalização da juventude norte-africana. "Olhamos para essas áreas durante muito tempo e não fizemos nada por essa juventude", dizem moradores.

Quase ninguém aponta o presidente François Hollande como o responsável direto pelos acontecimentos, mesmo que muitos discordem de uma presidência assombrada por uma catástrofe após a outra.

Frankreich Paris Terroranschläge Trauer
Uma montanha de flores se formou diante do bloqueio policial nos arredores do BataclanFoto: DW/L. Scholtyssyk

Poucas pessoas responsabilizam os serviços secretos, que, após o ataque ao Charlie Hebdo, foram equipados com equipamentos com amplos poderes para interceptação eletrônica e vigilância. "Eles não podem ver dentro da cabeça das pessoas", diz um morador.

Talvez alguns funcionários da segurança tenham falhado, talvez os vizinhos belgas não tenham prestado atenção novamente, os quais não teriam controle sobre a cena terrorista do próprio país. Quando vem a notícia de que havia uma conexão com a Bélgica também nos atentados desta sexta-feira, muitos se sentem aliviados com o fato de que talvez nem todos os terroristas venham dos subúrbios parisienses.

Entre os moradores da cidade, nem todos interpretam literalmente a "guerra até a destruição" anunciada por Hollande contra o "Estado Islâmico" (EI). "Ele quer soar como George W. Bush. Determinado e radical, mas sabemos como as coisas terminaram no Iraque para ele [Bush]", diz Sandrine, que acaba de depositar um ramo de rosas sobre um monte de flores.

"Não podemos afastar o terrorismo com ainda mais guerra, essa é uma ideia louca", afirma. Quando questionada se a vida no bairro mudou depois dos ataques, Sandrine responde que a inocência foi perdida. Isso já havia acontecido após o ataque contra a sede do Charlie Hebdo, a poucos metros do Bataclan. Agora é preciso prosseguir com os esforços, "os terroristas não podem ganhar de nós".

Uma das cidades mais bonitas do mundo

No pequeno hotel em frente ao bloqueio policial ao redor do Bataclan, reservas são canceladas ao longo de todo o dia. No momento, muitos preferem não ir a Paris. Os quartos logo são lotados por jornalistas, que preenchem os arredores do clube parisiense com seus equipamentos.

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Zoe: "Quero continuar andando de metrô, indo a lojas e bebendo algo com minhas amigas num café"Foto: DW/L. Scholtyssyk

Zoe, moradora de Oberkampf, afirma que, ao contrário do que fizeram os turistas, não se pode ceder ao medo. "Quero continuar andando de metrô, indo a mercados de rua e lojas e bebendo algo com minhas amigas no terraço de um café", diz.

Justamente agora é preciso preservar os valores franceses de liberdade, igualdade e fraternidade, afirma Zoe. Para ela, ainda se vive de maneira segura e privilegiada na capital francesa quando se pensa nas muitas catástrofes mundo afora. Mas ela diz querer continuar frequentando os museus da cidade. "Temos uma cultura e uma arquitetura incríveis aqui. Apesar de tudo, Paris continua sendo uma das cidades mais bonitas do mundo." E os parisienses não parecem abandonar seu espírito de resistência frente ao terrorismo.