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A nova cara do pacifismo

Soraia Vilela28 de fevereiro de 2003

Heterogêneo, mas coerente, surge na Alemanha um novo tipo de movimento pacifista. Um renascimento do "flower power", ou uma nova estética da resistência?

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Ativistas de um novo tempo: menos ideologia, mais pragmatismoFoto: AP

Ele não existe como organização coesa, nem reúne regularmente um grande número de pessoas. Apesar da era do individualismo e do hedonismo, milhares de pessoas vão às ruas em protesto contra uma possível intervenção militar no Iraque. Em uma leva que na memória dos mais velhos remete à resistência contra a Guerra do Vietnã, a juventude vai, ou melhor, volta às ruas, depois da confortável década de 90 no sofá de casa ou à mesa do bar.

Medo apocalíptico & razão –

Definitivamente morto, o pacifismo alemão nunca esteve, embora tivesse tirado uma soneca nos anos 90. Depois da áurea década de 80, quando os protestos contra o uso da energia nuclear moveram milhares de manifestantes, a iminência de uma guerra no Iraque desperta de novo o potencial revolucionário alemão.

"Pelo menos em um aspecto, o movimento pacifista de hoje diferencia-se do dos 80, que era dominado por uma espécie de medo apocalíptico, o que não tem nada a ver com os protestos de hoje. As manifestações de paz atuais também não vêm de movimentos sociais. Elas representam muito mais um tipo de racionalismo político em um tempo no qual os preparativos para uma guerra no Iraque se transformaram em símbolo dos aspectos perigosos da globalização", analisa o sociólogo Sighard Neckel, em entrevista ao diário Frankfurter Rundschau.

De tudo um pouco –

O manifestante de carteirinha de então não é mais encontrado nas ruas das cidades alemãs. Não há grandes organizações liderando o movimento, tampouco uma filiação que lembre esquemas partidários.

O quadro de participantes de uma manifestação, como a que levou meio milhão de pessoas às ruas de Berlim em meados de fevereiro, é extremamente heterogêneo, indo dos grupos que rejeitam a guerra por razões religiosas aos remanescentes do flower power, além daqueles que se engajam por razões estritamente pessoais.

Do afã que levou às barricadas de 68, o movimento não guarda nem rastros. "O único denominador comum é a rejeição à guerra. Se você começar a perguntar concretamente sobre as medidas, os passos e as diferenciações entre os métodos para tal, esse leque de pessoas iria se dividir na hora", observa o pesquisador Dieter Rucht, do Centro das Ciências de Berlim.

Pró-governo –

O tão propalado antiamericanismo encontra ressonância, segundo Rucht, apenas em uma pequena minoria entre os pacifistas. Há de se diferenciar aqui que a crítica à adminstração Bush, tendo como pano de fundo as ameaças de invasão do Iraque, é um dos pontos centrais que tem levado as pessoas às ruas. A grosso modo, os manifestantes alemães, no contexto atual, "apóiam-se no curso do governo alemão", completa Rucht.

E talvez exatamente em função das posturas do governo social-democrata-verde o número de pacifistas ativos seja menor. "Sob governos conservadores, protesta-se mais, isso nós vemos em toda a Europa. Na Alemanha, foi-se menos às ruas durante os governos dos chanceleres Brandt e Schmidt (social-democratas) do que durante as eras Kohl e Adenauer (democrata-cristãos)", analisa Rucht.

Problemática norte & sul –

Em defesa de ideais "globais" – o que faz o diferencial dos "camaradas" dos 70 – os pacifistas do novo milênio não lutam por interesses específicos, mas vão às ruas em defesa genérica dos pobres e miseráveis, por maior justiça e pelo desenvolvimento sustentável. "O denominador comum é, essencialmente, a problemática norte-sul", resume Rucht.

Engolido pelo pop? –

Por não deixar nenhuma espécie de fenômeno social passar ileso à indústria cultural, o pop se apropria mais uma vez do protesto, ensaiando o que poderia ser selado de uma nova estética da resistência.

Talvez sejam os sinais de que há no ar, em tempos de crises econômicas e crashs de bolsas, uma espécie de "nostalgia da história, após uma década de excessos do pop como life style típico dos anos 90. Os anos pós-punk – o último estremecimento da era pop – geraram o tipo do cínico submisso, um observador dos rituais sociais e midiáticos, que apesar disso ou exatamente por isso se acomodou na imutabilidade das relações. Com a globalização, no entanto, a queda das chances profissionais no futuro e o medo do terror causaram uma procura por um autêntico e incorrompido círculo", anuncia o semanário Die Zeit.