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A terra de ninguém da Estética

Isabel Rith-Magni / sv7 de novembro de 2004

Historiadora de arte analisa a curadoria alemã de Alfons Hug na Bienal de São Paulo, discute a oposição entre centro e periferia e aponta o peso crescente do Brasil no cenário internacional de arte contemporânea.

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"Nadabhrama": obra do grupo carioca Chelpa FerroFoto: dpa Zentralbild

O fato de o alemão Alfons Hug ter sido convidado a apresentar, no Brasil, sua visão da arte a um público predominantemente nacional, não deve ser ignorado. Mesmo porque exatamente a Bienal de São Paulo foi concebida para funcionar como uma espécie de correção do eurocentrismo da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel.

Centro x periferia: critérios obsoletos

Hoje, com mais de 50 bienais acontecendo mundo afora, num cenário artístico que se tornou multipolarizado, os critérios que se orientavam pelo eixo "centro" e "periferia" vão se tornando obsoletos. E não só isso. A perspectiva que coloca conscientemente o que era considerado periférico no centro das atenções já está há muito firmada, enquanto, por outro lado, os chamados "centros" têm (ainda) uma importância apenas marginal.

Além disso, Hug remete à universalidade e à compreensão comum de formas de expressão contemporâneas (apesar de uma ainda perceptível – e segundo Hug enriquecedora – tonalidade local). Com isso, ele sedimenta sua visão de que a origem do curador não importa, ou, pelo menos, não está em primeiro plano.

Critérios individuais e uma visão subjetiva têm prioridade. É isso o que ele pretende comunicar ao mundo. Mas será que dá certo esse projeto teórico de Hug – que ele põe em debate sob o título Território Livre, e com o qual cria uma área isenta de hegemonia e, com isso, "um mundo em contraposição ao real"?

Crença eufórica na arte

26. Kunstbiennale in Sao Paolo Brasilien
Visitante passa em frente a uma obra do alemão Thomas Struth, na Bienal de São PauloFoto: dpa

A proposta de Hug, que se alimenta, entre outras fontes, do idealismo alemão, é quase uma crença eufórica nos efeitos de catarse e emancipação da arte. É um discurso em defesa de um conceito de arte que segue a tradição de Adorno, uma posição claramente oposta a conceitos carregados política e ideologicamente. Uma delimitação quase poética da arte "verdadeira", em oposição ao design, à documentação, à avalanche de imagens midiáticas, a critérios econômicos, ao kitsch político.

É a partir dessa imagem em negativo que o conceito de arte de Hug se cristaliza. Durante a Bienal, interessa a ele verificar "como as devastações do mundo real e das relações interpessoais se refletem na arte". Um processo durante o qual a "terra de ninguém da Estética" começa exatamente "onde o mundo convencional termina".

Interação ou confusão?

Tudo isso é visualmente compreensível para o visitante? É possível que o leitor do catálogo da exposição, dividido em dois volumes, tenha menos dificuldades em responder a esta pergunta do que o visitante in loco. Pois para avaliar o conceito da mostra, sua coerência e coesão, é problemático o fato de que as dezenas de representações nacionais – levadas a cabo por curadores dos respectivos países – adentram fisicamente o amplo conceito temático de Hug.

Seu modelo suave e até poético, que traz à luz os matizes mais delicados e não por acaso dá espaço à pintura e à fotografia, é interpelado em situações esparsas por contribuições berrantes, ávidas por atenção. Para uns, isso pode ser visto como uma interação enriquecedora; para outros, pode parecer confuso.

Brasil no cenário internacional

26. Kunstbiennale in Sao Paolo Brasilien VW Käfer
Instalação do austríaco Leo Schatzl, na Bienal de São PauloFoto: dpa

Claro é o fato de que a autonomia da arte é festejada nesta Bienal. Com exceção de alguns poucos casos, busca-se menos o visitante ávido por efeitos especiais, que procura satisfazer na interação com a obra de arte seu ímpeto lúdico, e mais aquele observador apto e capaz de contemplar e observar.

Em números, os brasileiros formam o maior contingente de expositores, com um total de vinte contribuições. Depois dos EUA, a Alemanha é o terceiro país melhor representado, com trabalhos de Thomas Demand, Vera Lutter, Albert Oehlen, Neo Rauch, Julian Rosefeldt, Thomas Scheibitz e Thomas Struth.

Para Hug, isso reflete a importância da pintura e fotografia alemãs, que ele considera as mais relevantes na Europa hoje. Já a forte presença de artistas brasileiros (com predominância de instalações) não é apenas um gesto afável em relação aos anfitriões, mas se dá em função do peso crescente da arte brasileira no cenário internacional.

Hug sabe que compor uma exposição do porte e da tradição da Bienal de São Paulo significa pesar bem, inserir de forma conveniente piano e forte, encontrar um ritmo próprio e também não querer, em busca da harmonia, destruir toda dissonância. Hug não toca nem música popular nem marchas militares. Ele prioriza o jogo leve e melódico no lugar de abafados toques de tímpano. Se tudo vai se transformar em uma grande sinfonia, só o público – que tem visitado bastante a mostra – poderá avaliar.