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Acabou a obediência cega aos EUA ?

Mirjam Gehke/ef14 de janeiro de 2004

Cúpula Extraordinária das Américas, no México, aumenta o fosso entre os EUA e os demais países do continente e mostra que já se foram os tempos em que os latino-americanos cumpriam cegamente as ordens de Washington.

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Presidente Bush teve que fazer concessões à América LatinaFoto: AP

O presidente dos Estados Unidos, George W.. Bush, teve que fazer concessões em dois pontos importantes, na conferência de todos os mandatários do continente americano, com exceção do chefe de Estado de Cuba, Fidel Castro. Na Declaração de Nuevo León, não foi citado o dia 1º de janeiro de 2005 como data para a conclusão das negociações sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), nem o combate à corrupção na forma proposta pelo dirigente da superpotência mundial.

Bush desejava outro resultado do seu encontro com os demais colegas da Organização dos Estados Americanos (OEA). Apesar da indiscutível dependência econômica da América Latina dos EUA, os líderes dos países situados ao sul do Rio Grande mostraram-se decididos a enfrentar conflitos, rejeitando abertamente a posição de Washington em muitas questões. A declaração conclusiva da conferência em Monterrey é a prova de que o fosso entre os EUA e a América Latina tornou-se ainda mais profundo.

Luiz Inacio Lula da Silva und Vicente Fox Gipfel in Monterrey
Presidente Luiz Inacio Lula da Silva com o anfitrião da conferência, Vicente FoxFoto: AP

Pressão brasileira

- A criação da Alca está mencionada no documento, mas a data "janeiro de 2005", desejada por Washington, não consta no papel por causa da pressão liderada pelo Brasil. Os presidentes brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o venezuelano Hugo Chávez e o argentino Néstor Kirchner rejeitaram a concepção de Washington de que o melhor forma de combater a pobreza é o livre-comércio.

Os países sul-americanos não permitiram também que a Casa Branca ditasse os tipos de sanções com os quais a corrupção deve ser combatida. Por isso os EUA retiraram a sua proposta para que países americanos cujos líderes estivessem envolvidos em caso de corrupção fossem banidos das reuniões das futuras conferências de cúpula.

Quando assumiu o poder em janeiro de 2001, George W. Bush, anunciou uma nova era no hemisfério ocidental. Ele falou de americanos, numa primeira alusão a todos os habitantes do continente, do Alasca à Terra no Fogo. As ditadura militares apoiadas pelos EUA no sul do continente tinham sido substituídas por governos democráticos e por isso a cooperação regional teria de ser apoiada sobre novas bases. Mas, esta intenção da Casa Branca esfumou-se logo depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Expressão de uma nova consciência

- Depois de uma década de experiências democráticas, as sociedades latino-americanas demonstraram amadurecimento, com uma guinada para a esquerda, elegendo Lula no Brasil, Néstor Kirchner na Argentina, Ricardo Lagos no Chile, Alejandro Toledo no Peru, Lucio Gutiérrez no Equador e o barulhento Hugo Chavéz na Venezuela. A despeito de todas as críticas, das diferenças dessas personalidades e das circunstâncias políticas, a eleição desses líderes expressou uma nova consciência.

E essa consciência deu a conhecer que o modelo econômico do neoliberalismo herdado das ditaduras não diminuiu a pobreza crescente na América Latina. Pelo contrário, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o índice de 45% de pobres entre as populações ao sul do Rio Grande é muito maior do que era cinco anos atrás. O presidente chileno Lagos observou, com razão, que a América Latina não é o continente mais pobre mas, com certeza, o mais injusto no que diz respeito à distribuição de renda.

Cooperação regional

- A cúpula de Monterrey não fez a América avançar como continente, mas possibilitou uma série de conversas a dois ou a quatro. Agora tudo vai depender de os líderes sul-americanos se mobilizarem como região e por convicção política. Não basta uma cooperação só por necessidade econômica, como a que a Argentina se vira obrigada a estabelecer com o seu arqui-rival, o Brasil, quando mergulhou na mais profunda crise. O conflito centenário entre o Chile e a Bolívia por causa de um acesso dos bolivianos ao mar tem de ser finalmente resolvido, para proveito dos dois Estados pobres.

A América Latina só terá uma nova consciência sobre bases sustentáveis depois que se der conta das vantagens que tem num espaço cultural de 400 milhões de pessoas, quando os seus líderes não virem mais a União Européia só como um parceiro econômico mas como um processo para ser experimentado em sua própria realidade e se convencer de que a base não pode ser incorporada num presidente próprio carismático, como Lula ou Chavéz. E não se deve esquecer que Cuba pertence à América Latina e tem de ser considerada neste contexto. Bush tem razão quando diz que na América não há lugar para ditaduras. Mas a aproximação entre Argentina e Cuba e a normalização de suas relações podem contribuir mais para uma abertura do regime comunista do que as ameaças dos poderosos EUA.