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PolíticaFrança

Análise: Eleições legislativas são desastre para Macron

Barbara Wesel
20 de junho de 2022

No segundo turno, franceses castigaram o atual governo, negando-lhe a maioria absoluta na Assembleia Nacional. O presidente terá que buscar parceiros de coalizão e dividir a liderança – o que não é um de seus talentos.

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Emmanuel Macron
Macron dificilmente poderá realizar grandes reformas em seu segundo mandatoFoto: Ludovic Marin/AFP/Getty Images

Para o presidente da França, Emmanuel Macron, o segundo turno das eleições legistivas representou uma amarga derrota. Apesar de ter sido reeleito em abril com maioria considerável, agora os franceses lhe retiraram a maioria na Assembleia Nacional de que ele necessitaria para governar.

Em vez de ganhar nova vida, seu grupo político centrista, o Juntos, formado por antigos socialistas e conservadores, passou por uma espécie de viagem infernal.

Talvez o resultado mais chocante do pleito tenha sido o número dos abstinentes: 54% dos franceses – dois pontos percentuais a mais do que no primeiro turno –, sobretudo jovens e trabalhadores com salários baixos, recusaram-se a ir às urnas neste domingo (19/06).

Já na eleição presidencial, no começo do ano, muito se escreveu sobre o cansaço político da população e sua frustração com as estruturas de Paris. O atual resultado confirma as análises e contém, implicitamente, a reivindicação de reformas fundamentais do sistema.

Esquerda, extrema direita, conservadores

Quem se dignou a ir às urnas votou de modo a impedir que qualquer uma das siglas sequer chegasse perto de uma maioria. Durante a campanha, o líder da Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes), Jean-Luc Mélenchon, já se incluíra como possível primeiro-ministro. Sua coalizão de esquerda agora é a segunda bancada mais forte do órgão legislativo, com 130 assentos, mas segue longe de poder reivindicar o governo.

O veterano Mélenchon tem repetido nas últimas semanas que Macron teria precipitado o país no caos e num inferno social. Apesar de lhe garantir votos numerosos entre o eleitorado jovem, que vê para si mais chances de ascensão social, esse posicionamento não bastou para catapultar o esquerdista até a maioria parlamentar.

No outro lado do espectro partidário, está a vitória dos extremistas de direita do Reagrupamento Nacional (RN), que decuplicaram seu contingente e terão a terceira maior bancada da Assembleia Nacional. Isso aumentará sensivelmente a influência de sua líder, Marine Le Pen, porém continua valendo o "cordão sanitário", o acordo entre os demais partidos para não cooperarem com o RN.

"Esta noite os franceses tomaram seu destino nas mãos, fazendo de Emmanuel Macron um presidente de minoria", regozijou-se Le Pen. Na prática, só as análises da migração eleitoral mostrarão quem é de fato responsável por essa mudança do panorama político.

Certo está que a União da Direita e do Centro (UDC) ficou relegada a um decepcionante quarto lugar. Já no pleito eleitoral, a candidata conservadora, Valérie Pécresse, perdera fragorosamente, obtendo menos de 5% dos votos. Até agora fracassaram todas as tentativas de reanimar o tradicional partido governista da França.

Quem ajudará Macron a governar?

Apesar de se referir a um "choque democrático", o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, disse achar possível que o governo se mantenha. Também a primeira-ministra Elisabeth Borne lamentou a "derrota para o país" diante dos grandes desafios internacionais do momento, porém "se tentará formar uma maioria".

Será necessário buscar consensos e trabalhar no diálogo entre as diferentes sensibilidades políticas, prosseguiu a social-reformista. Seu governo seguirá defendendo o poder aquisitivo dos cidadãos contra a inflação e transformará a proteção ambiental em tarefa central da política – o que soa como um convite às forças de esquerda.

No entanto, os planos originais foram anulados. Antes, se acreditava que ao partido do presidente só faltaria pouco mais de uma dezena de postos para a maioria parlamentar absoluta – como indicavam os prognósticos –, e que seria possível conquistar esses assentos entre os ex-socialistas e conservadores.

Governos de coalizão verdadeiros são até agora desconhecidos na política francesa. No entanto, em diversas emissões eleitorais da TV francesa, a voz das urnas foi interpretada como um incentivo à criatividade política e a que se tome como inspiração o sistema da Alemanha.

Contudo os únicos parceiros de coalizão cogitáveis seriam Os Republicanos. Perante o novo fiasco do partido, seu líder, Christian Jacob, declarou ser "contra Macron, na oposição". Ou seja: ou ele pretende vender caro seu voto, ou teme que os conservadores ainda restantes possam desaparecer no centro político do macronismo.

Governo de coalizão: uma novidade na França

Um resultado como o atual é inédito na história recente da França. Em 1988, o então presidente Jacques Chirac perdeu sua maioria parlamentar e precisou "coabitar" (termo para um governo de minoria no país) com os socialistas. Juntamente com os comunistas, contudo, eles formavam a maioria dos deputados, e puderam reivindicar a chefia de governo, basicamente neutralizando o presidente conservador.

Agora estão representadas na Assembleia Nacional quatro siglas, em princípio, politicamente incompatíveis, o que torna improvável ou, no mínimo, dificulta uma cooperação construtiva. O presidente Macron e seu governo podem permanecer, pois não precisam de ratificação parlamentar, mas sem parceiros fixos terão que buscar maioria para cada projeto de lei. Isso faz de cada orçamento um ato de equilibrismo e é, a rigor, insustentável no longo prazo.

O fiasco foi também das pesquisas de opinião, cujos prognósticos estavam totalmente equivocados, ao conferir muito mais votos para os partidários de Macron e os esquerdistas. Matthieu Doiret, do instituto Ipsos, comentou à emissora France 24 que neste pleito todos perderam, exceto os extremistas de direita – apesar de tanto eles como a Nupes alegarem ser quem privou o presidente de sua maioria.

O eleitorado francês ignorou o pedido, que Macron lhe fizera apenas na semana anterior, para que não acrescentasse mais caos à desordem internacional, frisou o pesquisador, completando: "O resultado talvez seja o que os eleitores queriam."

Pois numa consulta 38% disseram preferir uma política mais de esquerda, enquanto outros 38% queriam a manutenção da linha atual, com apenas 25% por uma guinada à direita. Segundo Doiret, porém, após o atual resultado, ironicamente talvez Macron seja forçado a orientar-se mais para a direita.

Certo está que o impulso político de Emmanuel Macron e sua antiga certeza da vitória estão abalados. Após cinco anos de liderança solitária, ele terá que buscar parceiros – coisa que até agora não tem sido um de seus talentos. Dificilmente ele poderá realizar grandes reformas, e os próximos cinco anos serão consideravelmente mais árduos do que o primeiro mandato – se ele conseguir se manter no cargo.