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Brasil na Beethovenfest

19 de setembro de 2010

Sabine Lovatelli destaca importância da música como fator de inserção social e fala do trabalho do Mozarteum Brasileiro com a orquestra sinfônica da maior favela de São Paulo.

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Orquestra paulista tocará no festival BeethovenfestFoto: Sonja Werner

Quando a alemã Sabine Lovatelli iniciou a organização da série de espetáculos que levariam à fundação do Mozarteum, em São Paulo, em 1981, ela estava em busca de uma atividade para facilitar sua integração no país.

Casada com o conde italiano Carlo Lovatelli, ela se mudou para o Brasil em dezembro de 1970. Na época, sentia muita falta no Brasil da música clássica à qual estava acostumada na Alemanha.

Brasilien Carlo und Sabine Lovatelli zu Guttenberg
Sabine Lovatelli com o ministro alemão da DefesaFoto: DW

Nesta entrevista à Deutsche Welle, a fundadora e presidente do Mozarteum Brasileiro fala sobre as atividades desta associação cultural, as dificuldades enfrentadas no Brasil, e sobre a parceria com o Instituto Baccarelli, cuja orquestra Sinfônica Heliópolis se apresenta no festival Beethovenfest, em Bonn.

A Sinfônica Heliópolis é um projeto social brasileiro formado por adolescentes e jovens da maior favela de São Paulo.

Deutsche Welle: O que levou a senhora a criar o Mozarteum?

Sabine Lovatelli: Cheguei ao Brasil em 1970. Embora já na época eu adorasse o país, senti falta da música clássica, que eu sempre tive na Europa. Com a ajuda de Wolfgang Wagner e sua esposa, tive a ideia de organizar pequenos eventos musicais. Assim, eu guardaria os laços com a Europa e ao mesmo tempo levaria ao Brasil algo que iria me integrar no país.

Minha intenção inicial era fazer pequenos eventos esporádicos. Em 1981, comecei a convidar orquestras que já estavam em turnê pela América do Sul, para que se apresentassem em São Paulo. Isso me levou a fundar o Mozarteum. Por um acaso, comecei com grandes orquestras, o que não necessariamente havia sido minha intenção. Mas isso atraiu muitas pessoas, que se dispuseram a me ajudar.

Graças a este entusiasmo, o Mozarteum teve uma ótima primeira temporada, com turnês no Rio e outras cidades. Também criamos os Concertos do Meio-Dia, uma série dentro de um museu, bem no centro de São Paulo, com auditório de 360 lugares, entrada franca, às quartas-feiras, no horário de almoço.

Isso se manteve por 20 anos, mas acabou porque o prédio do museu foi submetido a uma reforma, e depois foi complicado recomeçar. Mas a série foi importante porque formou muitos músicos e também um novo público, de pessoas que antes não tinham o hábito de assistir a concertos.

Em 2003, a senhora esteve na Venezuela, onde conheceu o sistema de educação musical para crianças deste país. É feito algo semelhante no Brasil?

Viajei a convite de Claudio Abbado, que trabalha com os jovens de lá. Ele ficou encantado com "El Sistema" e queria que eu conhecesse também o professor Abreu [Jose Antonio Abreu]. Este é um personagem fantástico, que começou seu trabalho muitos anos atrás. Ele teve uma visão fantástica na América do Sul, contrariando muitas vozes que diziam que "aqui nada dá certo".

Abbado e Abreu sugeriram que eu começasse algo semelhante no Brasil e prometeram me ajudar nessa tarefa. Uma oferta dessas, de duas personalidades da música, não dá para recusar. Aceitei, mas tive de me adaptar às condições brasileiras. Para fazer algo semelhante eu precisaria de 30 anos, por isso resolvi construir sobre o que já havia.

Na busca por escolas de bom currículo, encontrei o Instituto Baccarelli, com o qual começamos a trabalhar. Aproveitamos a plataforma existente e demos apoio através de várias coisas, como bolsas de estudo.

Após cinco anos, podemos fazer um balanço muito bom, pois lá há ótimos professores que são músicos de grandes orquestras alemãs. E esta é a fórmula que encontramos: trazemos o artista para se apresentar na nossa temporada e ele passa seu know-how aos alunos. A cada ano, cerca de dez destes alunos têm chance de participar de cursos de verão em centros europeus de música.

Isso deu um enorme impulso no instituto, pois o aluno aprende que se for um pouco melhor do que os outros poderá dar aulas, e, se for melhor ainda, poderá ir para a Europa. Temos agora inclusive uma jovem que poderá participar da academia da Filarmônica de Berlim.

Existe uma "popularização" da música clássica?

Acho que não. O governo brasileiro se preocupa muito pouco com a cultura como um todo, não só em relação à música clássica. Não existe dinheiro, não há verba especialmente para isso, e música clássica é algo muito caro, pois envolve muitos músicos e muita logística. Seria preciso uma preparação de muitos anos, com escolas e professores, e isso quase não há no Brasil.

No seu entendimento, mudou o interesse do brasileiro pela musica clássica nos últimos anos ou este interesse já havia e agora está sendo correspondido?

Acho que os dois, pois vimos isso na série de concertos clássicos, que sempre foram muito bem frequentados. Ultimamente há até mais jovens entre os espectadores. Eles são convidados e não precisam pagar ingresso.

Estes jovens incentivam os outros, e a música clássica deixa de ter um caráter muito sério. Para facilitar, e mesmo simplificar, quem quiser pode vir uma hora antes do início do concerto e recebe uma aula sobre o que será apresentado, assim eles ficam mais informados.

A inclusão social e a política do governo brasileiro contribuem para a divulgação da música clássica?

Não muito, pois todas as iniciativas são particulares. No Brasil há muita iniciativa privada também na parte social. Conheço muitas pessoas que trabalham em favelas, que dedicam muitas horas do seu dia a este trabalho. Sobre o governo, devo dizer que aconteceu uma inovação, pois o governo brasileiro pagou as passagens aéreas da orquestra de Heliópolis, que foi convidada a se apresentar no Beethovenfest em Bonn.

Como a senhora vê a oportunidade dada à Sinfônica Heliópolis, de se apresentar na Europa?

É uma oportunidade única e quero agradecer à Deutsche Welle e ao Beethovenfest por esta confiança. Isso é muito importante para nós dentro do Brasil, já que o convite vem de um país como a Alemanha. Isso dará credibilidade à jovem orquestra no Brasil e na minha opinião eles irão crescer muito.

A senhora acha que os jovens da orquestra irão prosseguir na música e contagiar cada vez crianças para que escapem de uma realidade social?

Acho que sim. Esse processo já começou. A cooperação entre o Mozarteum e a Sinfônica Heliópolis era um projeto piloto. Queríamos saber se realmente daria certo. E deu. Queremos agora aumentar esta atuação. Temos um projeto em São Paulo, do qual 60 mil jovens gostariam de participar.

A Sinfônica Heliópolis tem mais ou menos 900 alunos, isso foi perfeito para começar, pois vimos a transformação deles. E agora pretendemos levar isso adiante. O know-how não é nosso, depende de como cada um vai aproveitar isso.

Quem sabe um pouco tem que ensinar outro que sabe um pouco menos, e isso cria uma grande família, onde se tem responsabilidades para com o outro. Ao mesmo tempo, o relacionamento entre aluno e professor é fácil, pois todos vêm do mesmo meio.

Gostaríamos que, desde o norte até o sul do Brasil, todos aproveitassem isso. O Brasil tem um grande potencial, o talento musical e o talento artístico existem, temos uma base muito favorável.

Por seu engajamento pela cultura alemã e pelo intercâmbio cultural com o Brasil e outros países, Sabine Lovatelli recebeu vários prêmios. Entre eles, a Ordem do Rio Branco em 1989 e o Prêmio Personalidade do Ano de 2009, concedido durante o Encontro Econômico Brasil-Alemanha.

Nos seus 28 anos de existência, o Mozarteum Brasileiro organizou mais de mil eventos nacionais e internacionais, dos quais quase 400 foram concertos gratuitos.

Entrevista: Roselaine Wandscheer
Revisão: Carlos Albuquerque