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ConflitosAfeganistão

Arábia Saudita pretende reavivar alianças com Talibã?

Cathrin Schaer
27 de agosto de 2021

Guerra, traição, mudanças ideológicas e o 11 de Setembro separam os velhos aliados. Retomada do Afeganistão força a reavaliar uma história tortuosa de cooperação e repulsa entre sauditas e os talibãs.

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Altos representantes sauditas e talibãs sentdos lado a lado nas negociações de Doha
Altos representantes sauditas e talibãs sentaram lado a lado nas negociações de DohaFoto: AFP/Getty Images/K. Jaafar

Já tendo cooperado no passado, o Talibã e a Arábia Saudita agora estão separados por diferenças políticas e culturais, assim como por uma história problemática. A última vez que o grupo islamista dominou o Afeganistão, de 1996 a 2001, o reino árabe foi uma das três únicas nações no mundo a reconhecerem esse governo, ao lado do vizinho Paquistão e dos Emirados Árabes Unidos.

Em anos anteriores, a relação entre talibãs e sauditas fora importante: quem, por exemplo, fundou financiou as madrassas, as escolas religiosas linha-dura de onde saiu o movimento fundamentalista, foi a Arábia Saudita.

O Talibã segue o islamismo sunita, facção religiosa a que pertence a maioria dos sauditas, e embora os talibãs sigam a escola religiosa Deobandi e o governo em Riade seja adepto da escola wahabita, ambas se baseiam em interpretações ultraconservadoras das escrituras muçulmanas.

Atentados de 2001 redefinem relações

Na década de 1980, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão, a Arábia Saudita apoiou os militantes afegãos, conhecidos como mujahedin, tendo como aliados os Estados Unidos e o Paquistão. Os americanos declaradamente estavam no país para combater o comunismo, e os sauditas, para defender o islã. Calcula-se que ambos os países investiram cerca de US$ 4 bilhões, respectivamente, em seus esforços antissoviéticos.

Depois que os soviéticos se retiraram e durante a subsequente guerra civil dos 1990, Riade se tornou um dos mais importantes aliados do Talibã, sobretudo financeiramente, além de constar entre o pequeno número de nações sob suspeita das Nações Unidas de fornecerem armas aos talibãs, contornando um embargo armamentista internacional.

A situação mudou dramaticamente tanto para a Arábia Saudita quanto para os Emirados Árabes Unidos em 11 de setembro de 2001, quando o grupo terrorista sunita Al Qaeda executou atentados terroristas com aviões sequestrados em Nova York e Washington, matando mais de 3 mil.

Terrorista islâmico Osama bin Laden sentado ao lado de colaborador
Recusa de extradição de Osama bin Laden (esq.) azedou relações entre Riade e TalibãFoto: gemeinfrei

Intrincada rede de alianças

Riade mantém relações diplomáticas com os americanos desde 1940, tendo-os como um de seus mais fortes aliados no comércio e na segurança. Em 1998, os sauditas já haviam pedido aos talibãs para extraditarem o cidadão saudita Osama bin Laden, o líder da Al Qaeda refugiado no Afeganistão. Com a recusa do Talibã, as relações bilaterais deterioram-se significativamente, sendo retirado o financiamento oficial ao grupo.

Os eventos de setembro de 2001 só aceleraram o fim da aliança. No mesmo mês, tanto a Arábia Saudita quanto os Emirados Árabes cortaram todos os laços contra o Afeganistão sob regime Talibã, com os sauditas acusando o grupo de difamar o islã, ao dar guarida a terroristas.

Apesar disso, ainda havia conexões entre "protagonistas governamentais, religiosos e privados", segundo uma pesquisa sobre tensões regionais do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança (SWP), de 2013. Sua conclusão é que patrocinadores sauditas do Talibã estariam "explorando extensivamente redes de conexões e usando mecanismos que datam dos tempos da cooperação saudita com funcionários mujahedin e talibãs".

Medo pelos que ficaram: "O Talibã vai matar todo mundo"

Hoje em dia, os sauditas mantêm oficialmente distância de seus velhos aliados. Embora a certa altura tenham sido cogitados como potenciais mediadores nas negociações entre talibãs e o governo afegão derrubado, nos últimos anos outra nação bem menor do Golfo Pérsico assumiu esse papel, o Catar.

Depois que o Talibã assumiu o controle da capital afegã, Cabul, em 15 de agosto, o Ministério do Exterior saudita expediu um cauteloso comunicado, segundo o qual "o reino se alinha com as escolhas feitas pelo povo afegão, sem interferência".

Irã entra em cena

Segundo especialistas, é improvável a influência histórica da Arábia Saudita sobre o Talibã ser rapidamente reavivada. A aliança saudi-americana segue sendo importante, e as contínuas mudanças culturais na nação árabe também representam seu papel. O controvertido príncipe herdeiro Mohammed bin Salman está tentando modernizar seu reino, e o apoio a extremistas islâmicos em outros países não se coaduna com a imagem de uma Arábia Saudita mais liberal e aberta.

A crise afegã é "um desafio no front doméstico para a Arábia Saudita", escreveu em julho, num parecer, Kabir Taneja, do think tank Observer Research Foundation, sediado na Índia: "Para manter sua imagem como meca de investimentos emergente, Riade terá que se assegurar que não voltará a se tornar um foco de migração em massa de combatentes voando para e do Afeganistão [...] ou um polo de financiamento para atividades extremistas."

De fato, hoje em dia o Irã, vizinho do Afeganistão, está mais próximo do Talibã – embora suas ideologias religiosas sejam diferentes, já que o governo iraniano teocrático é xiita.

"Houve numerosos relatos de acertos táticos entre Teerã e o Talibã", escrevia em 2020 Vinay Kaura, colaborador associado do think tank Middle East Institute, de Washington: "Isso contrasta fortemente com a era do antigo regime talibã, patrocinado pela Arábia Saudita, arqui-inimiga do Irã."

Nuvem de fumaça em Nova York após atentado de 11 /09/2001
Com aproximação do 20º aniversário, antigos aliados preferem não reavivar memórias do 9/11Foto: AP/dapd

Aniversário do 11 de Setembro de aproxima

Por sua vez, Kristian Coates Ulrichsen, colaborador para o Oriente Médio do Baker Institute for Public Policy, da Universidade Rice, de Houston, Texas, avalia que "autoridades iranianas e sauditas provavelmente vão monitorar de perto suas ações recíprocas, nos próximos dias e semanas".

Ele deduz que poderá haver algumas "tentativas de contato informais", através de clérigos atuantes na Arábia Saudita e de redes e influência religiosas, mas é improvável que haja o tipo de ajuda ou reconhecimento oficial que marcou a aliança passada.

"Seria um considerável risco de reputação os sauditas tentarem canalizar apoio financeiro ao Afeganistão de qualquer modo que não seja inteiramente transparente e alinhado com os parceiros internacionais e multilaterais", afirma Coates Ulrichsen, "devido às lembranças históricas do que transpirou nos anos 1980 e 1990, e as dificuldades enfrentadas pelos sauditas em restabelecer sua posição em Washington, durante os primeiros meses da presidência Biden."

Guido Steinberg, pesquisador-chefe do SWP especializado em Oriente Médio, confirma que "a Arábia Saudita no momento praticamente não está representada [no Afeganistão] e mal apoiou o Talibã nos últimos tempos". Assim, caso o reino volte a aparecer no país asiático "isso só terá qualquer tipo de impacto dentro de alguns anos".

Em 11 de setembro, quando também se comemorarão os 20 anos dos atentados de nos EUA, "os sauditas provavelmente vão querer se manter discretos", prevê Coates Ulrichsen, "para que nenhum tipo de envolvimento com o Talibã reavive lembranças de um período com que poucos da atual geração saudita de tomadores de decisões gostariam de se ocupar".