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As pedras no caminho de Temer

23 de junho de 2017

Enquanto cumpria agenda externa classificada de "vexame" pela imprensa, presidente sofreu novos reveses. Especialista afirma que fatores que ainda garantem continuidade do governo podem mudar com denúncia.

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Michel Temer
Para especialista, única certeza do governo Temer no momento é instabilidadeFoto: Reuters/U. Marcelino

Horas após a votação final do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, no final de agosto, Michel Temer embarcou para a sua primeira viagem internacional como chefe de Estado efetivo, sem mais a posição frágil de interino. À época, nas palavras de interlocutores do Planalto, foi uma tentativa de demonstrar que o país estava "voltando à normalidade" institucional.

Nesta segunda-feira, quase dez meses depois, Temer voltou a viajar, novamente para passar uma imagem de "normalidade", mas o périplo não poderia acontecer num momento mais conturbado. Em vez do presidente que parecia fortalecido para aprovar reformas, o Temer que embarcou desta vez é o alvo de um inquérito criminal e que luta para salvar o seu pacote reformista.

Leia mais: "Com ou sem Temer, não há solução à vista para a crise"

Enquanto o presidente estava na Rússia e na Noruega, novos fatos se somaram às dificuldades crescentes enfrentadas por sua administração, demonstrando que o fôlego extra gerado por um resultado favorável no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na semana retrasada foi extremamente breve.

O primeiro episódio que revela as dificuldades do governo Temer ocorreu no mesmo dia em que o presidente embarcou. Um relatório parcial elaborado pela Polícia Federal concluiu que as evidências colhidas em investigação indicam "com vigor" que o presidente cometeu o crime de corrupção passiva. O teor do documento sinaliza uma prévia da denúncia que deve ser apresentada contra Temer já na semana que vem pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Derrota no Congresso

Na terça-feira, mesmo dia em que Temer assistiu a uma apresentação de balé em Moscou, a bandeira reformista do governo sofreu uma derrota significativa. O projeto que prevê mudanças na legislação trabalhista foi rejeitado por uma comissão do Senado, graças a uma combinação de indiferença e abandono de alguns membros da base aliada.

Não foi a primeira derrota do governo no Congresso, mas ela ocorreu justamente enquanto o Planalto tenta demonstrar que seu pacote de reformas ainda não naufragou e que o Congresso segue funcionado em sintonia com o governo. Há poucas semanas, a aprovação da reforma trabalhista era vista como um negócio liquidado.

A rejeição do projeto pela Comissão de Assuntos Sociais não significou o fim da matéria, que ainda deve ser analisada na semana que vem por outra comissão. O governo, porém, já antevê as dificuldades e decidiu deixar a votação pelo plenário para o início de julho, e não para a semana que vem, como estava planejado.

O caso também levantou mais dúvidas sobre a capacidade do governo de aprovar a reforma da Previdência, apesar de este propagandear que ainda possui uma base aliada de centenas de deputados.

Nesta quinta-feira, enquanto comparecia a eventos na Noruega, que foram praticamente ignorados pela imprensa local, a economia brasileira sofreu um novo arranhão: os EUA barraram a importação de carne bovina in natura do Brasil.

Ainda no mesmo dia, o placar de um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) representou um novo revés para Temer: uma maioria de sete ministros decidiu manter a relatoria da delação da JBS, que atinge o presidente, nas mãos do ministro Edson Fachin, que já vem entrando em rota de colisão com o Planalto.

Também nesta semana, o doleiro Lúcio Funaro, ex-operador do PMDB, disse à Polícia Federal que Temer sabia do pagamento de propinas na Petrobras e que o atual presidente orientou a distribuição de dinheiro desviado da Caixa Econômica Federal.

Se não bastasse, a viagem internacional de Temer está sendo encarada como um "vexame" por parte da imprensa brasileira, que destacou suas gafes, a falta de assinaturas de acordos relevantes e o esvaziamento de eventos oficiais.

Michel Temer ao lado da premiê norueguesa, Erna Stoltenberg, em Oslo
Temer ao lado da premiê norueguesa, Erna Stoltenberg: viagem foi marcada por gafes e críticasFoto: Reuters/NTB Scanpix/H. M. Larsen

Arranhões novos a cada semana

Segundo Fernando Lattman-Weltman, professor de ciências políticas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mesmo com essa combinação de fatos novos, ainda não é possível cravar que a queda de Temer é iminente.

Ele afirma que, no momento, Temer vem se segurando por uma combinação de fatores, e que muitos deles, por enquanto, vêm resistindo aos "fatos novos" que toda a semana arranham o governo ainda mais.

"Temer ainda conta com uma base de aliados, especialmente aqueles em posições estratégias na Câmara e no Senado. Também conta com a indecisão de membros de sua coalizão – como o PSDB – e a falta de uma figura alternativa de consenso para tomar seu lugar", afirma.

Segundo Lattman, até mesmo políticos de oposição não veem uma alternativa. "Outros temem mais as investigações do que a permanência de um governo paralisado. Parte do empresariado ainda espera para ver se ele poderá entregar as reformas. A situação ainda não evoluiu porque ninguém sabe como sair dela."

Falta de mobilização popular e aliados relutantes

Já Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice Análise Política, afirma que Temer também vem se beneficiando da ausência de manifestações significativas de rua.

"Apesar da elevada desaprovação e da confusão causada pelas denúncias do empresário Joesley Batista, quase um mês após o ocorrido não há mobilização popular contra o presidente", diz. "Ele continua a se aproveitar de uma espécie de desaprovação desinteressada e desmobilizada. O que pode ser parcialmente explicado pelo racha das elites."

Para Lattman, no entanto, há alguns sinais de que os fatores que vêm garantindo a sobrevida do governo podem estar começando a se esfarelar. "A derrota do governo na comissão do Senado pode estar sinalizando uma desagregação da base. Muita gente ainda está esperando para ver como os outros vão agir a partir de agora", considera.

Ele também afirma que a denúncia criminal contra o presidente – que deve marcar o início de um rito processual na Câmara semelhante aos primeiros passos da abertura de um processo de impeachment – pode ser o fator decisivo pelo qual muitos dos aliados relutantes do presidente estão esperando.

Após a denúncia, as semanas seguintes devem ser consumidas para os preparativos de uma votação na Câmara para autorizar ou não a abertura de um processo contra o presidente e seu afastamento até o fim do julgamento pelo STF. Para o governo barrar o avanço, são necessários 172 votos ou ausências. Interlocutores do Planalto afirmam contar com pelo menos 250 votos a seu favor.

"Nesta época, já deveríamos estar discutindo o processo eleitoral de 2018, mas isso ainda não aconteceu. Alguns políticos podem começar a perceber que ficar atrelado a esse governo vai causar danos às suas campanhas no ano que vem. A denúncia pode ser o fator que vai influenciar o abandono quando for apresentada", diz.

Latmann aponta que ainda não é possível descartar novos fatos negativos mais determinantes, que podem vir a se somar aos arranhões que o governo sofre diariamente. "Esse governo pode simplesmente desmoronar na semana que vem ou ainda se arrastar por meses. A única certeza é a da instabilidade."