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Entrevista exclusiva

16 de dezembro de 2010

Em entrevista exclusiva à Deutsche Welle, ativista pró-democracia em Mianmar falou sobre planos futuros e vida em liberdade. Para oposicionista birmanesa, diferenças entre países europeus enfraquece oposição em Mianmar.

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Aung San Suu Kyi quer se aproximar de China e ÍndiaFoto: AP

Aung San Suu Kyi, líder oposicionista birmanesa de 65 anos, ganhou liberdade em 13 de novembro último, depois de mais de sete anos de prisão domiciliar. Em 1991, a ativista pró-democracia recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Dos últimos 21 anos, ela passou 15 na prisão. Em entrevista à Deutsche Welle, Suu Kyi falou sobre vida em liberdade e planos futuros.

Deutsche Welle: Como tem sido sua rotina esses dias?

Aung San Suu Kyi: Minha rotina diária é muito, muito agitada. Olhando para o dia de hoje, eu tive dois, três encontros nesta manhã e dois durante a tarde, e eu ainda não acabei meu trabalho. Então, meu cotidiano é extremamente movimentado.

Que tipo de encontros são esses?

Eu me reúno com diplomatas, partidos políticos, particulares, temos nossos encontros da Liga Nacional pela Democracia (NLD). E eu também tenho falado com pessoas por telefone. E há ainda jornalistas e correspondentes que conseguiram vir a Mianmar, com quem eu também me encontro.

Qual foi a maior diferença que você percebeu na sua cidade depois que foi liberada da prisão domiciliar?

Acho que a quantidade de celulares! No momento em que eu fui libertada, eu vi todas essas pessoas com seus celulares que eram usados também para tirar foto. Eu acho que o significado disso é o avanço da comunicação.

E quanto à sociedade de Mianmar? Você notou outra diferença?

Os preços subiram demais e as pessoas estão muito preocupadas com isso. Todo mundo comenta a elevação dos preços. E também, a atitude dos jovens melhorou bastante. Eles querem se engajar no processo político, eles estão mais extrovertidos e proativos do que há sete anos.

Quando você foi solta, foi muito marcante o fato de muitos jovens terem ido saudá-la. Quais são suas expectativas quanto aos jovens de Mianmar?

É que eles compreendam que cabe a eles trazer mudanças para o país, e que eles deveriam não depender de mim, ou da NLD, ou de qualquer outra pessoa. Nós faremos o nosso melhor, mas eu quero que eles tenham confiança para acreditar que podem fazer isso por si mesmos.

Como você vê o futuro do seu partido, a Liga Nacional pela Democracia?

Nós iremos permanecer como uma força política, porque temos o apoio completo da população. Claro que as autoridades estão tentando anular o registro do nosso partido, e estou contestando isso nos tribunais, mas isso é uma questão legal. A verdadeira realidade política da situação é que nós temos a confiança, o respeito e o apoio das pessoas, e isso nos manterá como a força mais importante de oposição em Mianmar na atualidade.

Você tentou algum contato com o governo depois da sua libertação?

Não, ainda não. Em quase todos os discursos que eu tenho feito, em cada entrevista que eu dou, eu tenho mandado, claro, algumas mensagens indiretas de que eu gostaria de dialogar. Eu acho que deveríamos discutir as nossas diferenças e chegar a um acordo, nós deveríamos estar prontos para fazer concessões de ambos os lados.

Mas por que você ainda não deu um passo concreto para iniciar esse tipo de diálogo?

Estamos esperando a hora certa, e eu tenho esperança que ela não esteja muito longe.

Mianmar é um país com muitas minorias étnicas que, nos últimos anos, têm tido uma relação tensa com a população majoritária. O que você planeja fazer para chegar a esses grupos?

Nós alcançamos esses grupos já há alguns anos, e posso dizer que tivemos certo sucesso. Nós não temos apenas fortes aliados entre os partidos que contestaram as eleições de 1990, mas também temos o apoio de outros grupos étnicos, incluindo as minorias étnicas ao longo das fronteiras, que mostraram interesse no que estamos tentando fazer – ressuscitar o espírito de união verdadeira.

Na semana passada, a premiação do Nobel da Paz concedido ao ativista chinês pró-democracia, Liu Xiaobo, transformou-se numa grande controvérsia. Qual foi a sua visão sobre o assunto, sendo também uma ganhadora do Nobel?

Eu tenho um grande respeito pelo Comitê Nobel norueguês, e eu acredito que eles tinham razões para escolhê-lo como ganhador do prêmio neste ano. Eu, pessoalmente, não sei muito sobre Liu Xiaobo, porque estive em prisão domiciliar por aproximadamente sete anos, e tudo que eu sei sobre ele é o que eu ouvi no rádio. Mas eu acredito que o Comitê Nobel deve ter razões para escolhê-lo.

Na Europa, as pessoas pensam o que podem fazer para apoiar Mianmar. Qual é o seu conselho?

Primeiramente, seria muito útil se todos os países da Europa pudessem falam com uma voz. Mesmo dentro da União Europeia, há atitudes diferentes e vozes diferentes, e eu acho que isso enfraquece a oposição em Mianmar. Seria de grande ajuda se todos os países europeus clamassem que algumas medidas fossem tomadas em Mianmar – a libertação de prisioneiros políticos, inclusão no processo político, especialmente em relação à NLD, e negociações.

Você teria em mente algum país europeu que gostaria que fosse mais ativo nessa questão?

Como eu estou falando com você, na Alemanha, eu gostaria de ver a Alemanha mais ativa.

Você disse em entrevistas passadas que precisaria de tempo para formar uma opinião sobre sanções internacionais contra o regime de Mianmar. Qual a sua impressão, até agora, em relação a esse assunto?

Até agora, eu não tenho a impressão de que as sanções econômicas tenham realmente atingido a população, mas claro que há outras vozes que talvez ainda esperem ser ouvidas, mas ainda não as encontramos. Eu fui libertada há apenas um mês, e eu não tive tempo ainda para mergulhar no assunto. Estou aguardando para ler o último relatório do FMI, e de outras instituições financeiras.

Que influência o Ocidente tem em Mianmar? Como você compara tal influência com o papel que a Índia e a China têm na região?

Acho que o papel do Ocidente em Mianmar e o da Índia e da China são diferentes. Eu não gostaria de pensar neles como se estivessem competindo por influência, ou pela hegemonia sobre Mianmar. Não é como se nós fôssemos incapazes de cuidar do nosso próprio destino. Mas, certamente, como a Índia e China são vizinhos muito próximos, eles têm uma certa vantagem sobre esses países que estão muito longe.

Isso quer dizer que, o que o Ocidente faz em relação à Mianmar não é muito importante?

Não, tem a sua importância, dependendo de como e quais ações o Ocidente toma. E foi por isso que eu disse anteriormente que seria bom se todas as nações ocidentais pudessem coordenar seus esforços. Não apenas os países ocidentais, seria bom se toda a comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas, coordenasse seus esforços. Isso nos ajudaria muito, de verdade, e se clamassem pelos mesmas medidas básicas, isso significaria progresso.

Quais são suas expectativas em relação a Índia e China?

Nós gostaríamos que eles se engajassem conosco. Para começar, gostaríamos muitos que Índia e China nos dessem a oportunidade de explicar o nosso ponto de vista. Nós temos pouco contato com China e Índia. Temos mais contato com o governo indiano do que com o chinês, de fato, eu não acho que nós tenhamos qualquer contato com o governo chinês.

Gostaríamos de ter contato com eles, gostaríamos que eles ouvissem o nosso lado da história e fazê-los entender que nós os consideramos como vizinhos, e que gostaríamos de ser amigos. Não somos hostis em relação a eles, mesmo que estejamos trabalhando para a democracia em Mianmar.

Entrevista: Thomas Bärthlein (np)
Revisão: Carlos Albuquerque