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Bibliothek: A literatura da Alemanha unificada

Ricardo Domeneck
21 de novembro de 2017

Com a Queda do Muro de Berlim e a Reunificação da Alemanha, o cenário literário se transformou: os que antes faziam parte de duas literaturas começaram a competir pelo espaço de uma.

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O poeta Durs Grünbein, nascido em Dresden em 1962, passou a ser um dos queridinhos da Alemanha unificada
O poeta Durs Grünbein, nascido em Dresden em 1962, passou a ser um dos queridinhos da Alemanha unificada Foto: picture-alliance/dpa

Alguns nomes vêm formando as novas gerações de artistas alemães no campo da literatura, das artes visuais, da música, e que parecem ter se estabelecido como figuras fortes nestes últimos anos. Gosto de pensar as artes de forma "periódica". Não apenas agrupar artistas por idade ou por década de estreia, mas pensar em períodos históricos específicos. 

Com a Queda do Muro de Berlim em 1989 e a Reunificação da Alemanha em 1990, o cenário literário se transforma. Os que antes faziam parte de duas literaturas começam a competir pelo espaço de uma. Para a carreira de alguns, isso foi desastroso. 

Com a demolição da antiga sede do governo comunista (o Palácio da República em Berlim) como alegoria para este processo, havia na Alemanha unificada dois movimentos contraditórios: era importante para o estabelecimento oficial fomentar a unificação cultural dos dois países, mas ao mesmo tempo começar a apagar os vestígios da velha Alemanha comunista. A opção era óbvia: dedicar o espaço àqueles que não tivessem trabalhos demasiado políticos. 

Um exemplo disso, a meu ver, é o do poeta Durs Grünbein, nascido em Dresden em 1962, que passa a ser um dos queridinhos da Alemanha unificada. Seu trabalho, no entanto, havia começado desde o princípio na Alemanha Ocidental, quando a Suhrkamp publica em 1988, um ano antes da queda do Muro, seu primeiro livro de poemas. Escritores associados demais à Alemanha Oriental precisariam de mais de uma década para começarem a ser ouvidos na Alemanha unificada.

Este país, unificado, não tem deixado de sofrer sua própria crise. Esta semana, a tentativa de estabelecer um novo governo após as eleições do mês passado fracassaram. Vários aspectos da Reunificação apressada começam a se mostrar problemáticos. E quem são os autores que nasceram ou ao menos cresceram nesta nova Alemanha? De que forma estes aspectos comparecem em seus trabalhos? 

Dois exemplos, a meu ver, são a romancista Nora Bossong e o poeta Max Czollek, nascidos respectivamente em 1982 e 1988. Em seu último livro Rotlicht (Luz vermelha, Hanser Verlag, 2017), descrito como reportagem, a bremense Nora Bossong debruça-se sobre o "mercado do amor": prostituição e sex shops, do varejo ao atacado. Caso raro de sucesso capitalista num período de grande crise econômica no mundo, como este sistema vem afetando a relação das pessoas na Alemanha, em especial a das mulheres com seu próprio corpo e com o corpo dos outros? 

Já o berlinense Max Czollek, judeu alemão, voltou-se em sua poesia à investigação de como os desastres políticos alemães deixaram marcas na própria língua do país. Bastante ativo na cena literária da capital, além de retomar a tradição poética iídiche, vem organizando eventos em torno da cultura judaica, como o 'Radikalen Jüdischen Kulturtage' (Dias da cultura radical judaica), que reuniu diversos artistas no Teatro Maxim Gorki, com eventos dedicados a Paul Celan, Valeska Gert e um chamado “Punching Nazis“ (Dando socos em nazistas).

Entre aqueles que já nasceram na Alemanha Unificada, citaria o poeta Rick Reuther e a romancista Helene Hegemann, nascidos em 1991 e 1992, respectivamente. Hegemann publicou um dos romances mais discutidos dos últimos anos, Axolotl Roadkill (Unser, 2010), agora também transformado em filme. O livro causou polêmica por usar trechos de outros autores como Kathy Acker, David Foster Wallace e Rainald Goetz, conscientemente, mas sem créditos, que seriam incluídos apenas na quarta edição. 

Já o poeta Rick Reuther é um estranho no ninho da nova poesia alemã, ainda que já comece a ter clara influência entre autores de sua idade. Num país onde a poesia ainda guarda seus ares de seriedade bibliotecária, suas performances ruidosas são um sopro de ar fresco.

Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.