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Bibliothek: Visitando escritores alemães em seus túmulos

Ricardo Domeneck
12 de setembro de 2017

Ir ao local onde jazem os corpos de grandes nomes da literatura faz lembrar que eles foram de carne e osso, escreve o colunista Ricardo Domeneck, cujo cemitério favorito abriga os restos mortais de Bertolt Brecht.

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Túmulo do escritor Bertolt Brecht e da esposa, a atriz Helene Weigel, em Berlim
Túmulo de Bertolt Brecht e da esposa, a atriz Helene Weigel, em BerlimFoto: picture-alliance/ZB

A alguns isto talvez pareça mórbido, mas gosto de visitar meus escritores alemães favoritos nos seus locais de descanso eterno. Não apenas os alemães. Tento ir a leituras e performances daqueles que respeito, vê-los vivos e bem. Mas isso não é possível com aqueles que já nos deixaram.

Ir a seus túmulos é uma necessidade de pay my respects, de estar com eles em seus textos e poder também, por alguns minutos, estar ao lado dos corpos que produziram os escritos. Ainda que seja o que resta daqueles corpos. Lembrar-me de que eram gente de carne e osso, não apenas nomes em um manual escolar.

Em Berlim, meu cemitério favorito é o Dorotheenstädtischen Friedhof, que fica na rua Chausseestraße, número 126, logo ao lado da última casa que Bertolt Brecht e Helene Weigl compartilharam na capital da República Democrática Alemã. Eles estão enterrados no terreno vizinho de onde viveram, juntos. É um túmulo bonito, elegante e simples, com seus nomes escritos em duas pedras. Brecht deixou os seguintes versos para serem gravados na lápide, mas não teve seu desejo realizado:

Ich benötige keinen Grabstein, aber
Wenn ihr einen für mich benötigt
Wünschte ich, es stünde darauf:
Er hat Vorschläge gemacht. Wir
Haben sie angenommen.
Durch eine solche Inschrift wären
Wir alle geehrt.

Uma tradução em prosa livre seria: "Não preciso de lápide, mas se vocês sentirem a necessidade de uma, gostaria que nela escrevessem: ele fez sugestões. Nós as aceitamos. Em tal escrito estaríamos todos homenageados." É típico de sua ironia cheia de sinceridade.

Brecht não é o único enterrado no Dorotheenstädtischen Friedhof. Ali também foram sepultados os romancistas Heinrich Mann (1871–1950), Anna Seghers (1900–1983) e Christa Wolf (1929–2011), o gráfico dadaísta John Heartfield (1891–1968), o artista visual Harun Farocki (1944–2014), o poeta Erich Arendt (1903–1984), a fotógrafa Sibylle Bergemann (1941–2010), o compositor Paul Dessau (1894–1979), os filósofos Johann Gottlieb Fichte (1762–1814) e Herbert Marcuse (1898–1979), o jornalista Günter Gaus (1929–2004) e o teatrólogo George Tabori (1914–2007). É quase um "quem era quem" nas artes alemãs.

Além de Brecht, minhas duas visitas constantes depois de seu túmulo são as que faço ao dramaturgo Heiner Müller (1929–1995) e ao poeta Thomas Brasch (1945–2001), também no mesmo cemitério. Brecht, Müller e Brasch são luminares de três gerações distintas de uma ala da literatura alemã de que gosto muito: a dos escritores com os pés no chão, politizados e críticos.

Sempre que estou diante da lápide de escritores, lembro-me de meu epitáfio favorito, de todos os tempos e línguas. Ele também vem de um alemão, do escritor satírico Karl Julius Weber (1767-1832): "Hier liegen meine Gebeine, ich wollte es wären deine" (Aqui jazem meus ossos, quisera que fossem os vossos).

Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.