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Blumfeld: para além de qualquer um

Augusto Valente23 de setembro de 2003

Nascido como conjunto underground, o trio hamburguês é agora uma banda pop acima do bem e do mal. Ou quase: tanto sucesso incomoda os fãs mais fundamentalistas.

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Jochen Distelmeyer, cabeça do BlumfeldFoto: dpa

O título do mais novo álbum do grupo Blumfeld encerra um inteligente jogo de palavras. Traduzido literalmente, Jenseits von jedem quer dizer "Para além de qualquer um". Por outro lado, trata-se de uma alusão a Jenseits von Eden, o nome alemão do filme East of Eden (no Brasil, Vidas Amargas), dirigido por Elia Kazan e estrelado por James Dean em 1955.

Mas, para além da citação, é mera coincidência qualquer semelhança com esse clássico do cinema norte-americano, centrado na eterna temática do paraíso perdido. Será?

Guinada para o popular?

Para alguns, este quinto CD representa o fim de 12 anos do mito Blumfeld. Pois, após confundir e fascinar uma geração inteira com suas letras abstratas e música um tanto árida – suscitando acaloradas discussões a cada novo lançamento –, a banda de Hamburgo parece haver dado uma guinada na direção do "facilmente digerível".

Resultado: a Blumfeld está flutuando há semanas no topo das paradas dos singles e dos álbuns. E – sacrilégio final – foi premiada com uma aparição em Top of the pops, o show de música jovem da RTL, uma das TVs mais comerciais da Alemanha.

Tudo começou com Kafka

Blumfeld foi fundada em 1990 por Jochen Distelmeyer (cantor, compositor, guitarrista e líder da banda), Eike Bohlken (baixo) e Andre Rattay (bateria). Seu nome era inspirado no conto de Franz Kafka Blumfeld, um velho solteirão, de 1915. Logo em 1991 Ghettowelt (Mundo do gueto), torna-se cult para um pequeno círculo de iniciados e "single do ano" da revista Spex.

O álbum Ich-Maschine (Máquina-eu), do ano seguinte, abre o caminho para extensas turnês e um contrato com a gravadora inglesa Big Cat, que lança seu segundo CD, L’état et moi, em escala internacional. Este aparece nas Collage Radio Charts, dos Estados Unidos, e logo o grupo está se apresentando na terra de Tio Sam e na Europa.

Rompendo fronteiras

Em 1996, Bohlken abandona o conjunto, para tornar-se doutor em Filosofia, sendo substituído pelo cantor e guitarrista Peter Thiessen. Dois anos mais tarde, a formação é ampliada com o tecladista Michael Mühlhaus. No meio tempo, o êxito de numerosas turnês: o Blumfeld definitivamente captava – e contribuía para definir – os espírito dos anos 90.

O próximo álbum, Old nobody, de 1999, é inesperadamente salpicado de canções de amor, envolvidas, como sempre, numa complexa trama de citações e jogos de palavras. Tausend Tränen tief (Mil lágrimas de profundidade) e Status: Quo Vadis alcançam o 17º lugar da parada de singles.

Com este passo, o Blumfeld completava a difícil trajetória de grupo underground para banda pop que transcende as fronteiras de gênero. Em 2001 segue-se Testament der Angst (Testamento do medo).

Letras duras empacotadas em música acessível

Leve e musicalmente descomplicado, o novo sucesso Wir sind frei (Somos livres) não poderia estar mais longe de Ghettowelt. Os sons do grupo – novamente reduzido a trio, desde a saída de Thiessen – parecem pedir para ser tocados no rádio.

Mas uma olhada cuidadosa nas letras de Jenseits von jedem mostra que o velho Blumfeld mantém seu poder corrosivo, de impacto quase político, e que não tem medo da autocrítica: "Os sonhos terminam nas paradas de sucessos, a quem servem as suas canções? Um vôo alto e então: acabou-se, a terra tem vocês de volta". Armer Irrer (Pobre maluco) fala de desabrigados diante do supermercado; Jugend von heute dirige-se à "juventude de hoje", a qual – como Distelmeyer a vê – é "inexorável e bela", mas "não serve para nada".

Nos 15 minutos de duração da canção-título o bardo hamburguês revela um universo surreal, com uma eloqüência sem precedentes: "O marquês de Sade está em êxtase e recita um poema onomotopaico / O último samurai caça um dragão / Napoleão B. toca Pour Elise no piano / E eu estou aqui – para além de qualquer um".

Parece escapismo, mas não é, assegura o letrista. É a forma do Blumfeld "olhar as coisas, o que acontece e se perguntar: quero que seja assim, ou não quero que seja?"

O que quer que isso signifique.