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Brasil caminha para eleição sem "outsiders"

16 de fevereiro de 2018

Saída de figura como Luciano Huck é sintomática da dificuldade de alguém de fora do quadro político entrar na corrida e deve desestimular candidaturas similares. Pleito pode ficar novamente restrito a velhos nomes.

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Brasilien | Mayoral Elections
Foto: picture-alliance/Ap Photo/N. Antoine

Após meses de especulação,  o apresentador Luciano Huck parece ter desistido de vez de concorrer ao Planalto. Dessa forma, as eleições de outubro perderam um de seus "outsiders" potencialmente mais promissores, que já registrava entre 6% a 8% das intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha, à frente de figuras como o governador tucano Geraldo Alckmin.

Leia também: Como ficaria uma eleição sem Lula?

Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, a desistência de Huck mostra que o repúdio à classe política ainda não foi suficiente para abrir uma avenida para figuras de fora do establishment, à semelhança de casos como Donald Trump, nos EUA, ou Emmanuel Macron, na França.

"Havia mercado para esse tipo de iniciativa para desafiar a velha polarização PT x PSDB, mas existe um alto custo para alguém conseguir entrar na disputa, tanto pessoal quanto político", afirma o cientista político Rafael Cortez, da Consultoria Tendências. 

"O caso de Huck não foi trivial. Ele é um rosto conhecido. Não era preciso construir sua figura do zero entre os brasileiros. Ele já tinha um capital político grande. Mas até ele achou difícil fazer essa transição para a política", completa, apontando ainda que o sistema político brasileiro é desenhado para beneficiar o status quo partidário, dificultando qualquer iniciativa externa.

O apresentador já tinha sinalizado uma vez – em novembro – que não iria concorrer, mas voltou a prospectar a possibilidade de uma candidatura após a condenação em segunda instância do ex-presidente Lula, que ameaça tirar o petista das eleições e abrir o campo para que os adversários cortejem milhões de eleitores que podem ficar sem candidato.

Huck chegou a ouvir consultores de marketing político e procurar membros da elite brasileira. No início de fevereiro, foi encorajado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a concorrer. A iniciativa soou como uma benção do político veterano. 

Caso Huck é sintomático das dificuldades dos outsiders
Caso Huck é sintomático das dificuldades dos outsidersFoto: Imago/ZUMA Press/M. Chello

Só que no aspecto político, o apresentador se viu enfrentando as dificuldades que envolvem construir uma candidatura. Sem uma máquina própria, precisou prospectar partidos políticos tradicionais, que, mesmo rejeitados pela população, ainda possuem capilaridade, experiência e, sobretudo, recursos.

Inicialmente, chegou a flertar com o PPS. Depois, começou a conversar com o DEM, partido que reúne há décadas uma série de oligarcas regionais do Brasil, para depois voltar a especular com o PPS. Nenhuma iniciativa parece ter rendido frutos.

Segundo cientista político Oliver Stuenkel, da FGV-SP, o caso da desistência de Huck é sintomático das dificuldades dos outsiders, mesmo com a demanda por renovação.

"Ele agiu profissionalmente, procurou especialistas, analisou quais seriam suas chances. Mas, ao mesmo tempo, se deparou com as dificuldades que envolvem se viabilizar. Nenhum outro outsider trabalhou tanto para avaliar a possibilidade de uma candidatura, e mesmo assim ele avaliou que as circunstâncias não eram favoráveis", diz. "Sua entrada na corrida teria o efeito de incentivar candidaturas de outros outsiders. Sua saída, por outro lado, deve desestimular outras iniciativas."

Stuenkel também aponta que o sistema político brasileiro ainda é largamente desenhado para favorecer os quadros que já dominam a política e que a elite desse sistema é hostil a outsiders. Ele aponta como sintomático o fato de que partidos como MDB ou outras legendas grandes não terem cortejado o apresentador.

Além dos aspectos políticos, parecem ter pesado circunstâncias pessoais na decisão de Huck, O apresentador recebeu um ultimato da Rede Globo para se decidir logo pela candidatura – com a consequência de que ele perderia seu programa se decidisse enfim concorrer. A imprensa brasileira também apontou que a emissora deixou claro que sua mulher, a apresentadora Angélica, também seria desligada caso ele prosseguisse com suas ambições políticas. Consequências que teriam forte impacto financeiro para o casal.

Mesmo nunca tendo se lançado oficialmente como pré-candidato, Huck também teve uma amostra do que é se colocar na arena política. Na semana passada, um blog pró-petista revelou que o apresentador adquiriu um jato particular graças a um financiamento generoso do BNDES, com juros abaixo da inflação. Choveram críticas ao global, não raro acompanhadas de antigas fotos suas em que aparece acompanhado de figuras caídas em desgraça, como o senador Aécio Neves e o ex-governador Sérgio Cabral. 

O apresentador também foi sócio do empresário Alexandre Accioly, que é investigado pela Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Amigos temiam que Huck sofresse desgaste caso essa associação fosse explorada por adversários.

Tanto Stuenckel quanto Cortez apontam que, agora, a eleição deste ano deve revolver em torno de nomes de partidos tradicionais.

"Existe um clamor por mudanças, surgiram movimentos, mas essa vontade de renovação normalmente não é necessariamente acompanhada de uma nova oferta de quadro viáveis, especialmente em uma eleição presidencial. Isso deve ainda demorar", avalia Cortez.

Stuenkel, por sua vez, opina que a eleição deve ser pulverizada, semelhante a 1989, com uma ampla oferta de candidatos, mas com os nomes mais viáveis ainda partindo do atual espectro político. "Apesar da demanda pelo novo, pelo de fora, esta eleição deve ser entre nomes já conhecidos da politica", diz.

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