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Capacidade antiterrorista do Brasil depende de cooperação

Renata Malkes, do Rio de Janeiro23 de novembro de 2015

A menos de um ano dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, recentes ataques em Paris colocam Brasil em alerta. Colaboração com agentes estrangeiros e entre órgãos do país é fundamental para segurança, apontam analistas.

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Foto: Fernando Frazao/ABr

Em Brasília, o discurso oficial é o de que a estratégia de segurança para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 está pronta e não muda, mas que haverá, sim, um novo "patamar de vigilância" após os atentados que abalaram Paris no último dia 13 de novembro.

O esquema de proteção durante os jogos promete ser o maior do país: 85 mil profissionais, sendo 47,5 mil da Força Nacional de Segurança e o restante do Ministério da Defesa, além da criação de um Centro Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo (Ciet). O tema é pauta de um seminário internacional promovido pelo governo brasileiro nesta segunda-feira (23/11). Para a Copa do Mundo de 2014, foram mobilizados 60 mil profissionais.

O sucesso da mobilização para os Jogos Olímpicos, porém, dependerá da cooperação com agentes estrangeiros e, sobretudo, da coordenação entre os diversos órgãos envolvidos, como Ministérios da Justiça e Defesa, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Forças Armadas e Polícias Federal e Militar, avaliam especialistas consultados pela DW Brasil.

Para Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Bope) e professor da Universidade Cândido Mendes, o maior risco é que velhos problemas de segurança pública, como fronteiras vulneráveis e a falta de uma política conjunta facilitem a ação de terroristas.

"Falta-nos estrutura. Não temos sequer um cadastro nacional único, capaz de identificar bandidos com rapidez. As instituições estaduais e federais não se comunicam. Falta uma política conjunta, e as drogas e armas entrando aqui em profusão, por fronteiras vulneráveis, tanto marítimas quanto terrestres, agravam o problema", afirma o especialista. "Não há mais tempo hábil para criar uma nova estrutura. Isso teria de ter sido feito oito anos atrás, quando o Brasil se candidatou à cidade-sede dos Jogos. Esse seria o maior legado olímpico para o país."

Atraso na lei antiterrorismo

Storani também vê com preocupação a demora na aprovação da lei antiterrorismo pelo Congresso, sem a profundidade necessária para punir esse tipo de crime, e a falta de um protocolo geral de procedimentos a serem adotados em caso de emergência. Ele lembra que os Jogos Olímpicos são uma situação atípica. Embora o Brasil não seja um alvo específico, vai abrigar delegações de centenas de países – inclusive de muitos considerados alvos potenciais do terror, como Estados Unidos, Israel, Alemanha e França.

"Quando houve os atentados em Paris, imediatamente subiram o nível de alerta nos Estados Unidos, por exemplo, onde há um protocolo a ser seguido em caso de ameaça. Nós não temos essa experiência. Temos um esquema de segurança precário, sem nenhuma garantia e um silêncio muito grande do governo federal sobre o que, de fato, está sendo feito", considera.

"É um momento geopolítico difícil. Seria um vexame muito grande se algumas delegações decidissem não vir ao Rio por conta da nossa vulnerabilidade. Seria um grande atestado de incompetência", critica Storani.

A obtenção de informações de inteligência é uma área nebulosa e que certamente depende da cooperação com agentes estrangeiros, como os Estados Unidos. Segundo fontes diplomáticas ouvidas pela DW Brasil, desde 2011 o país tem cooperado – a pedido de autoridades brasileiras – em áreas como procedimentos de raios-X em aeroportos e entrada e saída de estádios. Oficiais brasileiros viajaram aos Estados Unidos para observar megaventos, como a Maratona de Boston e a final da liga de futebol americano, o Super Bowl.

Esse tipo de cooperação se estende também à Europa, aponta outro ex-capitão do Bope, Rodrigo Pimentel, especialista em segurança e autor do livro que deu origem ao filme Tropa de Elite. "Em termos de unidades de polícia especiais, estamos bem treinados. Quando vimos os policiais franceses invadindo o [clube parisiense] Bataclan, podemos imaginar aquela operação aqui. Não tenho dúvidas de que estamos no mesmo nível dos europeus", afirma.

Pimentel destaca que o Brasil tem unidades bem treinadas, até mesmo na França, como o Comando de Operações Táticas da Polícia Federal (COT) e armamentos novos. Além disso, o país sediou grandes eventos internacionais, como a Copa, a Rio+20, a Eco-92, a visita do Papa. "Ganhamos experiência. Não acho que o risco-Brasil tenha aumentado depois de Paris", diz.

Segundo o especialista, o ponto mais nevrálgico de uma operação de tamanha magnitude é o controle e a análise de informações de Inteligência que vão chegar do mundo todo às vésperas dos Jogos Olímpicos. É preciso monitorar o controle de fronteiras, bancos de dados e eventuais células terroristas adormecidas em território brasileiro. E é fundamental não minimizar nenhum indício de problema, afirma Pimentel.

"Meu medo é que a Abin e a Polícia Federal classifiquem o risco-Brasil em função da pouca notoriedade que o país tem nos conflitos envolvendo o mundo islâmico. Se o terrorismo internacional busca visibilidade, não podemos esquecer que os Jogos Olímpicos são o maior evento do planeta, do qual vão participar cidadãos de todo o mundo. Num país como o nosso, onde há enorme facilidade de se obter armas e explosivos, isso pode formar um caldeirão", adverte.

Terrorismo organizado

Entretanto, o cientista político Hussein Ali Kalout, especialista em Oriente Médio da Universidade de Harvard, diz não acreditar na hipótese de terrorismo organizado, como no caso dos atentados recentes em Paris. Não há entre os muçulmanos brasileiros – em geral bem integrados ao país – indícios de radicalização ou envolvimento com grupos como Al Qaeda ou "Estado Islâmico" (EI).

Nem mesmo na comunidade de Foz do Iguaçu, que já abrigou suspeitos de lavagem de dinheiro para o grupo xiita libanês Hezbollah e de onde surgem, ocasionalmente, rumores de células terroristas em ação na Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.

"Não é o modus operandi dos muçulmanos brasileiros. Lembro que se trata de uma comunidade majoritariamente xiita, enquanto Al Qaeda e 'Estado Islâmico' são grupos sunitas. Diria que o risco é praticamente zero. Mesmo em termos de lavagem de dinheiro, qualquer participação do Brasil parece irreal", afirma Kalaout.

"O 'Estado Islâmico' tem receitas mensais de 50 milhões de dólares só com a venda direta de petróleo. Eles não precisam de doações ou ajuda de comunidades remotas como a de Foz. O Brasil tem desenvolvido um trabalho muito sério e acompanhado de perto o desenvolvimento do cenário internacional. O risco existente é sempre o de um ato individual, que é algo muito difícil de monitorar", conclui.