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'Projeto Grafite'

12 de setembro de 2011

Grafite pintado em castelo escocês por artistas brasileiros, em 2007, se tornou mais popular do que o esperado. A obra, inicialmente de caráter provisório, cria agora discussões sobre como lidar com prédios históricos.

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Castelo de Kelburn, na Escócia
Castelo de Kelburn, na EscóciaFoto: carlos alba media

O Castelo de Kelburn se assemelha a centenas de outros antigos castelos da Escócia, com suas torres pitorescas e seus grandes e majestosos salões. A diferença, no entanto, fica por conta de sua fachada, que exibe um brilhante e psicodélico mural de grafite. A obra reacendeu o debate sobre a forma como os europeus preservam seus prédios antigos.

O conde de Glasgow, cuja família ocupou o castelo nos últimos 800 anos, convidou em 2007 quatro grafiteiros brasileiros para criar, em caráter temporário, uma obra de arte em parte da construção. O chamado Projeto Grafite gastou 1,5 mil latas de tinta spray para decorar a construção do século 13. Localizado na costa oeste da Escócia, perto da cidade de Largs, o Castelo de Kelburn, figura, devido a isso, entre os dez melhores exemplos de arte urbana, estando na mesma lista que inclui o trabalho de Banksy em Los Angeles e o Morro da Providência, no Rio de Janeiro.

O mural se tornou um grande atrativo para visitantes, mas seu período de existência planejado, que era de três anos, já chegou ao fim. Agora, o dono do castelo, Patrick Boyle, escreveu para o Historic Scotland, entidade governamental que assessora os órgãos públicos do país responsáveis por edifícios históricos, pedindo para que a obra permaneça.

Interesse imprevisto

Boyle, de 72 anos, explicou que seu filho, David, e sua filha, Alice, eram conhecidos dos grafiteiros brasileiros. "Eles vieram a mim e sugeriram a ideia, e fiquei bastante apreensivo no início", contou o conde de Glasgow. "Pretendíamos substituir todo o reboco das paredes do castelo e, por isso, pensei que seria o momento perfeito para ter este grande mural pintado na lateral do castelo."

O conde de Glasgow, Patrick Boyle
O conde de Glasgow, Patrick BoyleFoto: carlos alba media

A Historic Scotland concedeu sua permissão, baseada no prazo de permanência da obra em três anos. Mas o trabalho da equipe brasileira – que inclui os irmãos gêmeos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como Os Gêmeos, além de Nina Pandolfo e Francesca Nunca – está se tornando uma peça de arte famosa.

"Ele me fascinou. É uma das peças de arte urbana mais importantes do mundo. Me parece ser uma loucura destruir a obra", lamenta o conde de Glasgow. "Então, escrevi à Historic Scotland para perguntar se podíamos mantê-lo, não permanentemente, mas pelo menos por tempo indeterminado."

Um porta-voz da Historic Scotland disse que o assunto ainda está nas mãos da administração regional, o Conselho de North Ayrshire. "A obra de arte é uma celebração da importância do Castelo de Kelburn como um edifício histórico, e estamos satisfeitos de que ela tenha recebido este reconhecimento", disse o porta-voz.

Mas uma porta-voz do Conselho de North Ayrshire, que terá a palavra final sobre o Projeto Grafite, disse que não havia planos para executar a remoção da obra de arte enquanto as negociações se encontram em andamento. "Discussões positivas e produtivas estão em curso entre o conselho e o proprietário do Castelo de Kelburn sobre planos para uma série de melhorias", comentou.

"Pinte de rosa-choque"

Neil Baxter, secretário e tesoureiro da associação escocesa de arquitetos Royal Incorporation of Architects in Scotland (RIAS), diz que os escoceses levam a sério seus tesouros históricos, mas acredita que um equilíbrio deve ser almejado quando se trata de edifícios antigos como o Castelo de Kelburn.

"O grafite é uma espécie de provocação aos conservadores, que são terrivelmente cuidadosos frente ao nosso entorno. E isso [o grafite] é sempre uma coisa engraçada, mas não se deve querer causar dano permanente ao edifício", observou. "Se o edifício está bem e estável, se não há nenhum dano, então está tudo bem, você pode até pintá-lo de rosa-choque ".

Na opinião dele, edifícios não devem ser considerados peças de museu, mas devem continuar a contribuir para a sociedade. "Os edifícios são inúteis se não estão vivos", ressaltou.

Baxter diz que a Escócia está na vanguarda da conservação de prédios históricos, mas devido ao grande número de edifícios antigos importantes, acaba faltando dinheiro. "A Escócia tem vontade de conservar, mas há carência de dinheiro", explicou.

Controvérsias arquitetônicas

O grafite realizado por brasileiros no Castelo de Kelburn consumiu 1,5 mil latas de tinta
O grafite realizado por brasileiros no Castelo de Kelburn consumiu 1,5 mil latas de tintaFoto: carlos alba media

Controvérsias arquitetônicas não são novidade na Escócia. Houve protesto público quando o novo edifício do Parlamento de Edimburgo foi concluído em 2004, com três anos de atraso e um preço dez vezes maior que o orçamento previsto de 414 milhões de libras (473 millhões de euros).

Mas o verdadeiro alvo das críticas foi seu design futurista, de autoria do falecido arquiteto catalão Enric Miralles. Uma revista de arquitetura descreveu o prédio como "um emaranhado indecifrável de formas."

O arquiteto mais famoso do país, Charles Rennie Mackintosh (1868-1928), deixou um rico legado para sua cidade natal, Glasgow. No ano passado, planos para derrubar os edifícios vizinhos à sua obra-prima, a Escola de Arte de Glasgow, provocaram um feroz debate internacional.

A construção internacionalmente famosa foi eleita o prédio preferido dos arquitetos dos últimos 200 anos e o edifício favorito do Reino Unido dos últimos 175 anos. Ela deve ser complementada com uma estrutura moderna e elegante desenhada pelo escritório americano Steven Holl Architects, em conjunto com o JM Architects, sediado na Escócia. Eles foram selecionados entre 150 candidaturas para executar o projeto de 50 milhões de libras.

Pirâmide do Louvre, de 1989, também provocou polêmica
Pirâmide do Louvre, de 1989, também provocou polêmicaFoto: Katja Ingman

A professora Seona Reid, diretora da Escola de Artes de Glasgow, disse que um "rigoroso processo monitorou todos os aspectos do processo de concorrência pública e de desenvolvimento", que incluiu a escolha dos materiais, manipulação da luz e sua relação com o edifício da escola de arte. Enquanto isso, o prestigiado historiador de arquitetura William JR Curtis não poupou críticas ao projeto na publicação especializada The Architects' Journal, citando sua "posição dominante e proporções volumosas" que poderiam ofuscar a Escola de Arte de Glasgow.

O confronto entre o antigo e o novo

No entanto, o debate sobre como casar o antigo e o moderno, e se edifícios devem copiar o seu entorno não é novo. Quando a estrutura futurista de vidro e metal da pirâmide do Louvre foi inaugurada no pátio do Palácio do Louvre, em Paris, em 1989, provocou acalorada polêmica com os tradicionalistas.

E na capital da Alemanha, o debate ainda está em curso sobre a reconstrução do Palácio de Berlim, planejada para ocupar o terreno vago onde esteve o grandioso edifício original. Atualmente, os planos estão suspensos até 2014, devido às condições econômicas, mas as perguntas permanecem sobre se esta é mesmo a melhor ideia para aquela área valorizada da cidade.

Baxter acha ser melhor transformar edifícios antigos com design moderno "para trazê-los à vida". Mas ele também acredita que nem todas as velhas estruturas podem ou devem ser salvas.

"Você tem que procurar formas de adaptar os edifícios para mantê-los em conformidade com a sua importância histórica", disse. "Mas você também tem que aceitar que, em algumas ocasiões, alguns edifícios históricos têm de ser perdidos."

Autora: Lillian McDowall (md)
Revisão: Carlos Albuquerque