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Checkpoint Berlim: Ruas de nome pouco honroso

7 de outubro de 2016

Reflexão sobre homenagens a heróis e acontecimentos que se revelam nem um pouco honrados é comum na Alemanha. Em Berlim, iniciativa quer renomear ruas que remetem ao passado colonial e racista do país.

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Mohrenstraße em Berlim
Foto: Imago/Bernd Friedel

A reflexão sobre os erros do passado e a retirada de homenagens a figuras históricas que se revelaram não tão heróicas assim é algo muito corriqueiro na Alemanha e frequentemente causa discussões – ainda assim, uma situação bem diferente da que existe no Brasil, onde esse tipo de questionamento, de tão polêmico, chega a ser tabu.

E, assim, sem essa confrontação com o passado, os espaços públicos brasileiros seguem carregando o peso de pessoas e instituições nem um pouco honradas. As recentes pichações em monumentos que lembram os bandeirantes em São Paulo colocaram timidamente em pauta o debate sobre o papel histórico real de símbolos e heróis da pátria.

Clarissa Neher vive em Berlim desde 2008
Clarissa Neher vive em Berlim desde 2008Foto: DW/G. Fischer

Na Alemanha, a confrontação com o passado acontece o tempo todo. Mesmo assim, apesar de muito já ter sido feito, ainda resta muito para analisar, principalmente em relação ao período colonial – de 1884 a 1919, o país possuiu colônias na África e na Oceania, e algumas foram palco de massacres comandados por alemães, como o genocídio dos hereros, em 1904, na colônia Sudoeste Africano Alemão, atual Namíbia.

Em Berlim, uma iniciativa vem trazendo à tona o passado colonial e racista que ainda se faz presente na cidade e quase já não era mais percebido. O primeiro passo de uma rede de ONGs foi criar um dossiê sobre essa presença. O documento identificou nomes de ruas e monumentos que homenageiam pessoas que cometeram atrocidades em antigas colônias da Alemanha ou exaltam o racismo na esfera pública.

Dos 34 locais listados, a rua mais conhecida é a Mohrenstraße. Ela ganhou esse nome, que remete à escravidão, em 1706. Mohren – antiga palavra alemã para negros – é um termo com conotação pejorativa e preconceituosa. Mesmo assim, a via segue carregando esse fardo e, na década de 1990, sem nenhuma reflexão, o nome foi usado para batizar uma estação de metrô. Ativistas costumam pichar um trema no "o", que vira Möhren – cenoura –, dando um sentido mais leve à nomenclatura.

Após identificar os pontos problemáticos e detalhá-los historicamente, o dossiê pede que dez dessas ruas tenham seu nome alterado e, para substituí-los, sugere homenagens à aqueles que lutaram contra o colonialismo. Para os outros 24 locais listados, propõe uma discussão pública e crítica.

O pedido não é nem um pouco absurdo, afinal várias cidades do país já renomearam ruas que carregavam esse mesmo fardo. Porém, para alguns períodos históricos, essa mudança parece mais fácil e natural do que para outros.

Com o fim da República Democrática Alemã (RDA), transformações desse tipo ocorreram rapidamente. Sem pensar duas vezes, moradores da antiga cidade Karl Marx, votaram, em referendo, para voltar a morar em Chemnitz. E Berlim também já revisou seu passado mais recente, como o monumento em homenagem a Lenin, que caiu junto com a Alemanha Oriental.

Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às sextas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.