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Conferência de Curitiba decepciona ambientalistas

Geraldo Hoffmann1 de abril de 2006

Greenpeace acusa países industrializados pelo fracasso do encontro. Governo brasileiro vê avanços. UE faz balanço positivo. Principais decisões foram adiadas para conferência de 2008 na Alemanha.

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Ministra brasileira do Meio Ambiente na COP-8 em CuritibaFoto: Assessoria de Imprensa COP8/MOP3

A 8ª Conferência das Partes (COP-8) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) terminou na madrugada deste sábado (01/04) com poucos avanços concretos.

Durante duas semanas, cerca de quatro mil representantes de 190 países participaram do encontro oficial e de 200 eventos paralelos, cujos resultados foram avaliados de formas bem divergentes pelos governos e ecologistas.

Na avaliação do chefe da delegação do Greenpeace, Martin Kaiser, a conferência foi "um fracasso total. Por falta de recursos e conceitos claros, os 188 países signatários da CDB não conseguirão conter a redução da biodiversidade nas florestas e nos mares. O desmatamento, o comércio ilegal de madeira, a pesca predatória e a biopirataria desenfreada vão continuar", disse à DW-WORLD.

Avanços

Já a ministra do Meio Ambiente, Marina da Silva, afirmou que foram tomadas "30 decisões substanciais. Mesmo nas áreas onde houve mais dificuldade de negociação, conseguimos dar um passo à frente". Ela acrescentou que, agora, o Brasil precisa arregaçar as mangas para obter os recursos necessários à implementação das decisões.

Entre os avanços, a ministra citou a definição do ano de 2010 como prazo para criação de um regime internacional de acesso aos recursos genéticos e de partilha dos benefícios. Decidiu-se ainda que os experimentos com sementes Terminator (estéreis) permanecerão restritos aos laboratórios, e que a tecnologia das árvores geneticamente modificadas será avaliada pelo comitê científico da CDB.

Estas duas últimas decisões e também a criação de várias reservas marinhas no Pacífico e no Caribe foram vistas como os únicos avanços pelas organizações não governamentais (ONGs). No mais, elas criticaram até mesmo o modelo de consenso adotado nos debates.

"É um modelo democrático, mas no caso da CDB não é a melhor solução", disse Ricarda Steinbrecher, representante da EcoNexus e da União de Cientistas Alemães.

Briga pelo dinheiro

A criação de uma rede global de áreas florestais protegidas, que já fora proposta em 2004 na Malásia e é defendida pela União Européia, foi adiada por falta de dinheiro. Os EUA ameaçaram reduzir à metade sua contribuição ao Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), que atualmente dispõe de 1 bilhão de dólares.

COP-8
Presidente Lula exige mais ajuda internacional para a proteção das espéciesFoto: Assessoria de Imprensa COP8/MOP3

Durante um encontro com 122 ministros do Meio Ambiente, o presidente Luis Inácio Lula da Silva havia dito que os países industrializados gastam 900 bilhões de dólares por ano para proteger suas fronteiras, mas repassam menos de 60 milhões de dólares de apoio às nações em desenvolvimento para conter a destruição do meio ambiente.

"O Brasil, que vai presidir a CDB até 2008, também não apresentou vias criativas de financiamento para a proteção das espécies", disparou Kaiser.

Sob pressão dos EUA, único país-membro da ONU que não ratificou a CDB, a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá também impediram o estabelecimento de prazos para combater a biopirataria. Segundo Kaiser, esses países querem explorar a biodiversidade sem oferecer compensação aos países de origem dos recursos genéticos.

EU e Alemanha

Também a União Européia foi acusada de ter freado as negociações. Somente Portugal e Espanha teriam mostrado flexibilidade. Segundo Guenter Liebel, chefe da delegação da Áustria (país que exerce a presidência rotativa da UE), porém, os 25 países do bloco mais Romênia, Bulgária e a Comissão Européia atuaram de forma unida na conferência.

As negociações foram difíceis, porque alguns países têm problemas em ceder poder de regulamentação à CDB, disse à DW-WORLD. Assim, por exemplo, o sistema mundial de proteção marinha, a ser instalado até 2012, deve ser implementado por outros grêmios das Nações Unidas.

Ele acrescentou que a UE forçou a aprovação de um cronograma para implantação até 2010 do regime internacional de acesso aos recursos genéticos e repartição
de seus benefícios, com participação dos povos indígenas nas negociações. Um relatório preliminar do processo será apresentado na COP-9, daqui a dois anos.

Liebel apontou ainda como avanços a moratória da proibição do uso comercial das semestes estéreis e a criação de um programa de trabalho sobre a biodiversidade das ilhas. "No todo, faço um balanço positivo da conferência", concluiu.

Artenvielfalt-Konferenz in Curitiba
Mata Atlântica foi tema de um dos 200 eventos paralelosFoto: Assessoria de Imprensa COP8/MOP3

Segundo o vice-ministro alemão do Meio Ambiente, Matthias Machnig, em Curitiba foram dados passos importantes para chegar a acordos concretos sobre a rede global de áreas protegidas na próxima conferência em 2008. "Ficou evidente em Curitiba a interdependência entre proteção do clima, manutenção da biodiversidade e combate à fome e à pobreza", disse.

Alguns blogs de ambientalistas interpretram as declarações de Machnig como sinal de que a Alemanha pisou no freio em Curitiba para poder mostrar mais resultados em 2008.

Na opinião da professora de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Cristina Inoue, o problema é que, "também nas questões ambientais, as decisões mais importantes são tomadas na Organização Mundial do Comércio".

Na avaliação de diversas ONGs, em muitos pontos os ministros do Meio Ambiente concordaram com os ambientalistas, mas admitiram que não têm força política suficiente para implementar as decisões no plano nacional. Machnig ressaltou que 10% do território alemão e 30% da zona econômica costeira do país já são áreas de proteção.

Leitfaden für die Artenvielfalt-Konferenz in Curitiba, Brasilien
Guia da Convenção da Diversidade BiológicaFoto: Assessoria de Imprensa COP8/MOP3

Curitiba mostrou que a complexidade e diversidade de interesses nas conferências sobre meio ambiente é comparável à biodiversidade na natureza. Nem mesmo as organizações não governamentais são imunes a críticas.

"Algumas delas parecem passar a maior parte do tempo entrincheiradas nos bastidores, negociando sobre as declarações das ONGs, em vez de se juntarem às delegações oficiais no processo de negociação", já alertava o Guia da CDB, de 70 páginas, leitura indispensável para quem planeja participar da COP-9 na Alemanha.