1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Conferência sobre Síria começa em meio a descrédito e discórdia

21 de janeiro de 2014

Países se preparam para conversas em Genebra com credibilidade da ONU abalada pelo impasse sobre Irã, com posições dissonantes sobre pontos-chave e à sombra de denúncias de atrocidades cometidas pelo regime de Assad.

https://p.dw.com/p/1Av06
Secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, chega a GenebraFoto: Reuters

A conferência internacional pela paz na Síria, apelidada "Genebra II", começa nesta quarta-feira (22/01) marcada por divisões que se refletem no mal-sucedido convite da ONU para que o Irã participasse. A decisão fora apoiada por parte dos 40 governos e quatro organizações internacionais que estarão presentes ao encontro, mas esbarrou no rechaço de participantes de peso: os Estados Unidos, a oposição síria no exílio e a Arábia Saudita, arquirrival do Irã na região.

Na noite de domingo, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, convocou a imprensa para um comunicado "breve e importante": minuto antes, decidira convidar para a conferência o Irã, na qualidade de importante potência no Oriente Médio. Teerã conta entre os poucos aliados do regime do presidente Bashar al-Assad – ao lado da Rússia e do movimento radical libanês Hisbolá.

Em resposta, a Coalizão Nacional Síria, de oposição a Assad, ameaçou com boicote. A reação da Arábia Saudita, que apoia os rebeldes sírios com dinheiro e armas, foi igualmente negativa. Segundo o jornal New York Times, o secretário de Estado americano, John Kerry, teve um verdadeiro ataque de fúria ao ser informado sobre o convite – do qual ele teria repetidamente tentado demover Ban durante o fim de semana.

Em face das resistências, o secretário-geral voltou atrás, rescindindo publicamente na noite de segunda-feira o convite ao Irã. O motivo oficial apresentado foi a recusa do país em cumprir a condição imposta pela ONU, de apoiar a formação de um governo interino na Síria. Entre as duas coletivas de imprensa na sede das Nações Unidas transcorreram menos de 24 horas.

Danos indeléveis à ONU

Presente à segunda coletiva em Nova York, a porta-voz do Ministério iraniano do Exterior, Marzieh Afkham, esteve a ponto de acusar Ban de mentiroso. O chanceler russo, Serguei Lavrov, comentou: "Lamento que esta história toda não contribua para a autoridade da Organização das Nações Unidas." O Wall Street Journal falou em "imperícia diplomática".

Como saldo positivo, após o desconvite a Teerã, a oposição síria confirmou sua presença, e a conferência vai poder se realizar, pelo menos, com a presença dos protagonistas nacionais. No entanto, os danos à credibilidade da ONU são grandes e, pelo menos a médio prazo, indeléveis.

Observadores especulam sobre o que poderia ter levado Ban – normalmente tão cuidadoso e preocupado em agir com moderação, e que há mais de um ano se empenha pela realização dessa conferência para a Síria – a permitir tamanho desastre comunicativo. Entre as hipóteses: um grande mal-entendido, precipitação, ingenuidade, pressão de todos os lados – ou, mais provavelmente, por um pouco de tudo isso.

UN Genf Konferenz zu Syrien 20.12.2013
Conferência de dezembro de 2013 em Genebra para paz na SíriaFoto: Getty Images

Interesses díspares

Além das óbvias dificuldades de conciliar os interesses do regime Assad e de seus opositores incondicionais, a conferência pela paz na Síria sofre de um grave defeito de nascença: entre seus participantes há o desejo quase comum de pôr fim ao conflito, porém falta um plano concreto – até por eles perseguirem concepções opostas do fim do conflito.

Para os EUA e seus aliados, a paz passa por uma utópica transição inclusiva, com participação de governo e oposição. A Arábia Saudita e a Liga Árabe, por facilitar – ainda que seja com armas – o acesso ao poder da oposição moderada a que apoiam.

A Rússia, que vetou sistematicamente na ONU sanções à Síria, quer simplesmente o fim da guerra, porém com Assad ainda no poder. Já os representantes de Assad devem usar a conferência para, como de praxe, atacar verbalmente os "terroristas" – como chamam a oposição que pegou em armas contra o regime.

Abusos de Assad

Para exacerbar as dificuldades da Genebra II, a divulgação, nesta terça-feira, do relatório anual da ONG Human Rights Watch recordou que a guerra civil da Síria – que já dura três anos e custou mais de 130 mil vidas – tem sido marcada por ataques impiedosos e indiscriminados contra a população civil.

"A reação da comunidade internacional a esse massacre tem sido dolorosamente parca", apontou Kenneth Roth, diretor da organização de direitos humanos, ao apresentar o documento em Berlim.

Redigido por três ex-promotores especializados em crimes de guerra, um segundo relatório, também publicado na véspera da conferência, constatou "evidência direta" de tortura e execução em massa por parte do regime de Assad. Os promotores se basearam num dossiê de 55 mil imagens compilado por um fotógrafo da polícia desertor, então encarregado de documentar as mortes e torturas.

Der syrische Präsident Bashar al-Assad während eines Interviews für AFP
Presidente Bashar al-Assad: pivô das negociações ausente na conferênciaFoto: AFP/Getty Images

Segundo parecer de uma comissão de seis especialistas reunida pelo governo do Catar, um dos principais apoiadores da oposição síria, as fotos publicadas seriam evidência do assassinato de cerca de 11 mil prisioneiros, fornecida por "uma testemunha verdadeira e fidedigna".

Um dos autores do relatório, Desmond de Silva, disse que o dossiê lhe evocou imagens dos campos de extermínio nazistas. "Os corpos [...] exibiam sinais de fome extrema, espancamentos brutais, estrangulamento e outras formas de tortura e homicídio. Em alguns casos, os corpos estavam sem olhos."

Observadores mais céticos comentaram que a divulgação do relatório parece pontualmente calculada para afetar as deliberações na Suíça em favor da oposição síria, cuja meta é estabelecer um governo de transição "de que assassinos e criminosos não participem".

Após conversas preliminares na cidade de Montreux, as negociações propriamente ditas se iniciam na sexta-feira em Genebra. Segundo representantes da delegação russa, em sua primeira rodada as reuniões deverão durar de sete a dez dias, sendo retomadas após uma breve pausa.

AV/dpa/afp/ap/rtr