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Proposta de cotas em cargos públicos reacende polêmica racial no Brasil

Ericka de Sá, de Brasília12 de novembro de 2013

Medida prevê aumento de políticas públicas para integração de afrodescendentes na sociedade e é criticada, mas já funciona em algumas regiões. Norma foi iniciada em universidades. Críticos alertam para mais barreiras.

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Foto: Fotolia/michaeljung

A reserva de 20% das vagas em concursos federais para negros e pardos, proposta na semana passada pela presidente Dilma Rousseff, tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, mas já gera um debate acirrado entre defensores e adversários da medida.

Vários críticos apontam que a adoção do sistema de cotas raciais no funcionalismo público não faz sentido, ao contrário da lógica que já é adotada no setor da educação. "Impressionante como a meritocracia nesse país está sumindo", escreveu a advogada Aline Ramos numa rede social. Em entrevista à DW, a jovem de 28 anos disse que gasta grande parte do seu tempo estudando para concursos.

Por outro lado, ela concorda com as cotas raciais nas universidades. "Já que não se dá uma educação de base igualitária e, por isso, nem todos têm a chance de ingressar numa universidade, a ideia das cotas diminui um pouco essa injustiça", opinou.

Formada em Administração de Empresas, Marcela Lima, de 32 anos, também se prepara para concursos. Ela mora em Maringá, no Paraná, um dos estados em que já vigoram leis de reserva de vagas na administração local. Ela também é contra a cota em concursos. "Penso que a partir do momento que você conseguiu entrar na faculdade por cotas, vai do seu esforço, porque quando você sair de lá, você estará apto ao mercado como os outros."

Herança histórica

De acordo com o projeto proposto pela administração federal, poderão concorrer às vagas reservadas os candidatos que se autodeclararem "pretos" ou "pardos" no momento da inscrição. A proposta prevê ainda que os candidatos declarados negros concorrerão também às vagas chamadas de ampla concorrência, destinadas aos candidatos não inscritos por cotas.

"Sem ações afirmativas não tornaremos realidade a igualdade de oportunidades", argumentou Dilma, após assinar o projeto de lei encaminhado ao Congresso, pouco mais de um ano depois de aprovar uma lei que cria uma política de cotas raciais nas universidades federais do país.

"Pressupõe-se que diversas outras ações fomentadas pelo Estatuto da Igualdade Racial, algumas das quais já implantadas (como é o caso da reserva de vagas em universidades) impactarão também no ingresso de negros pela ampla concorrência", diz a proposta, que prevê um prazo de dez anos de vigência da reserva de vagas.

Alexandre Braga, representante da União de Negros Pela Igualdade (Unegro) – instituição que defende adoção de medidas afirmativas –, disse à DW Brasil que as cotas no serviço público são a única maneira de acelerar a inclusão. Para ele, "o Brasil ainda é um país racista e existe uma elite que não abre mão de certos privilégios."

Dilma também afirmou, ao assinar o projeto, que "a sociedade brasileira tem que arcar com as consequências do longo período escravocrata."

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Um ano após aprovar cotas raciais em universidades federais, Dilma propõe medida similar para funcionalismoFoto: AP

Iniciativas no país

Mas, para o Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro, as cotas raciais desvalorizam a etnia mestiça brasileira. "A finalidade dessas cotas tem sido dividir a nação, refazer o Brasil eliminando a mestiçagem", disse à DW Leão Alves, secretário-geral do movimento, que também participou das audiências públicas antes que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidisse pela constitucionalidade das cotas raciais nas universidades.

Na visão de Alves, é preciso que o poder público "identifique o fator que provoca a discriminação" e proponha ações a partir disso. Cotas distintas para negros e pardos poderiam ser uma solução, segundo ele.

Além do Paraná (que destina 10% das vagas na administração estadual para negros), do Mato Grosso do Sul (10% para negros e 3% para indígenas) e do Rio de Janeiro (20% para negros e indígenas), 33 municípios têm legislações que preveem cotas raciais no funcionalismo público, segundo levantamento do Instituto de Pesquisas Sociais Aplicadas (IPSA), com sede no Recife.

Além disso, órgãos da administração federal também já adotaram outras medidas afirmativas para negros, como é o caso do Ministério das Relações Exteriores, que, desde 2002, concede bolsas de estudos para que candidatos negros custeiem a preparação para as provas.