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David Graeber: "Dívidas – os primeiros 5 mil anos"

7 de julho de 2012

O autor norte-americano de 51 anos é o criador da frase "Somos os 99%", do movimento Occupy. Mas conhece a linguagem do outro 1%, agindo como mediador entre críticos e adeptos do sistema.

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Foto: Jennifer S. Altman

David Graeber não fica parado muito tempo no mesmo lugar. Uma hora ele está em Londres, onde ensina antropologia no Goldsmith College; na outra, em Frankfurt, onde participa do movimento Blockupy; a seguir, em Berlim ou Colônia, apresentando seus livros; de repente ele vai para Nova York.

Não é de espantar que o autor esteja tão atarefado: no espaço de 40 dias, ele lançou três livros na Alemanha. O mais conhecido deles, Debt: The First 5,000 Years (Dívidas – os primeiros 5 mil anos) tem sido apontado como "possivelmente o livro mais importante do ano".

Com suas publicações, o cocriador do slogan We are the 99% (" Nós somos os 99%"), do movimento crítico ao sistema Occupy, causou mais celeuma do que qualquer um de seus correligionários, até então. Ele é um ativista, anarquista e antropólogo que ocupa todos os cadernos importantes de cultura.

História econômica recontada

Em 400 páginas, Graeber trata da história das dívidas da humanidade, começando com a frase, tão singela quanto provocadora: "Débitos não precisam ser pagos". A partir daí, traça uma trajetória através dos sistemas econômicos de diferentes grupos indígenas, a invenção da moeda, para finalmente aterrissar no presente.

Edição alemã: "Schulden – die ersten 5000 Jahre"
Edição alemã: "Schulden – die ersten 5000 Jahre"Foto: klett cotta

Sua tese: é pura bobagem a afirmação de que primeiro haveria nascido o comércio de permuta, depois, para simplificar, foi criado o dinheiro, e por fim veio o crédito. Ao invés disso, ele afirma que os sistemas de crédito já existiam muito antes que o dinheiro fosse inventado.

Gente que vive numa comunidade empresta coisas todo o tempo, se ajuda mutuamente e deve favores aos outros. Porém essas dívidas nada têm a ver com dinheiro, acentua Graeber.

O antropólogo mostra que dívidas possuem uma dimensão moral. Ele acha peculiar o fato de que o imperativo moral para que se paguem os débitos seja considerado mais importante do que outras obrigações éticas. De outro modo, como é possível que, para poder honrar suas dívidas, países pobres tenham que renunciar a subsídios para gêneros alimentícios básicos, precipitando, assim, seus próprios cidadãos na fome e miséria?

Dívidas são um princípio moral que meramente sustenta o poder dos dominadores – neste caso, os credores –, contribuindo, assim, para a dominação das massas. Mas isso não pode acabar bem. Pois gente demais endividada acarreta insurgências populares e revoluções. A solução? Perdão das dívidas, propõe David Graeber.

Sucesso crescente

Tal reivindicação é bem no estilo do autor, conhecido por defender posições radicais. Ele não se associa a nenhum partido, denomina-se anarquista, é membro do sindicato Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo) e pesquisou sobre poder, o significado da história e a escravidão em Madagascar. Até 2007, Graeber atuava na Universidade de Yale, mas seu contrato não foi prorrogado, numa decisão controversa. Críticos supõem motivos políticos.

Com suas teses provocadoras, o norte-americano de 51 anos de idade ocupou o quarto lugar na lista de best-sellers de maio da revista alemã Der Spiegel. A história de sucesso do livro começou no último trimestre de 2011, antes mesmo de ser lançada a tradução alemã.

Graeber teria sido afastado da Universidade de Yale por motivos políticos
Graeber teria sido afastado da Universidade de Yale por motivos políticosFoto: AP

O redator do jornal FAZ Frank Schirrmacher afirmou que a obra era "uma revelação, pois ele consegue que, no sistema da aparente racionalidade econômica, a pessoa não mais se sinta forçada a reagir ao próprio sistema". Com essa declaração, o jornalista tornou as teses de Graeber socialmente aceitáveis na Alemanha.

A agitação na mídia nacional tomou mesmo impulso com o lançamento em alemão, em meados de maio, simultaneamente com o Inside Occupy, uma espécie de monografia sobre o movimento Occupy Wall Street. Aqui, Graeber revela muito de seu histórico político: desde o início ele acompanhava e coorganizava os protestos, ao mesmo tempo em que os analisava, propagava e configurava.

Todos os grandes periódicos da Alemanha noticiaram sobre Graeber, entre eles o Süddeutsche Zeitung, o TAZ, o Frankfurter Allgemeine Zeitung, o Die Welt, a Spiegel e a Stern. Na maioria dos casos, a crítica foi benevolente, classificando as teses como brilhantes, reveladoras, instigantes.

Pois Graeber age como tradutor-intérprete entre diferentes mundos, entre os críticos do sistema e os que lhe são fiéis, entre acadêmicos e a mídia. Ele sabe dividir teorias complexas em porções de tamanho justo e compreensíveis, desmembra análises, faz linhas de raciocínio confluírem e ainda consegue ser divertido.

Conhecer as regras para revertê-las

Mas não se trata apenas do conteúdo dos livros, e sim também da próprio Graeber. É dele a ideia dos "99%" no slogan do Occupy. E, embora se inclua nesses 99%, ele conhece a linguagem do um por cento. E conhece as leis não escritas para que deve seguir para ser escutado publicamente.

No programa de debates políticos da apresentadora alemã Maybritt Illner, o antropólogo apresentou-se bem comportado, de paletó preto. Mesmo naquela que parece ser a enésima entrevista à imprensa alemã, ele é cortês, conciso e não dá mostras de tédio. Por mais radical e revolucionário que seja seu pensamento, em suas aparições públicas ele se mostra respeitoso ao sistema.

O autor norte-americano sabe o quanto de conformidade é necessário para estimular o raciocínio não conformista. Ele não é um maluco, mas sim alguém que se adapta até às regras da programação televisiva do fim da tarde. E, acima de tudo: presta-se como figura-símbolo para o restante dos 99 por cento. A imprensa já o classificou de todas as maneiras possíveis: de "cabeça" e "pioneiro" do movimento Occupy Wall Street a "superstar intelectual".

Que lê seu Inside Occupy nota, o mais tardar depois de umas 30 páginas, que a última coisa que o movimento deseja é um cabeça ou líder. O que o Occupy quer é direct action, democracia de base e uma hierarquia plana. Mas Graeber é simplesmente um prato cheio para a mídia.

Mídia classifica norte-americano como "cabeça" do movimento Occupy Wall Street
Mídia classifica norte-americano como "cabeça" do movimento Occupy Wall StreetFoto: campus

Da mesma forma como consegue explicar a história da dívida, ele sabe formular o que está por trás do Occupy. É mais fácil levar a sério frases como "Nós declaramos que este sistema não funciona" se partem de um ex-professor de Yale, do que saindo da boca de um rapaz de 20 anos, com casaco de capuz e dreadlocks.

No meio tempo, o burburinho midiático amainou, o sistema financeiro e a rejeição de um perdão de dívidas se mantêm, a propagada revolução não aconteceu. Será que precisaremos de mais 5 mil anos para uma verdadeira reavaliação do sistema financeiro?

Autoria: Ruth Krause (av)
Revisão: Mariana Santos