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Design em dose dupla

Jutta Wasserrab

Dois pares de irmãos, dois continentes, duas gerações, dois estilos. Na Feira Internacional de Móveis de Colônia, eles se encontraram — com visões surpreendentemente parecidas.

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Favelas serviram de inspiração aos irmãos CampanaFoto: DW

Grampos de plástico: Erwan Bouroullec, irmão mais novo de Ronan Bouroullec, simplesmente se apaixonou por eles. Quando o designer de 27 anos fala deles, suas mãos desenham, carinhosamente, suas silhuetas no ar. Um preso ao outro — nas mãos dos dois irmãos franceses, os grampos formam paredes. Paredes transparentes e leves, sussurrando quando alguém passa. Paredes que provocam a se tocar nelas e a trocar, clandestinamente, o lugar de alguns desses grampinhos vermelhos, azuis ou verdes.

Pensar em utopias

Na Feira Internacional de Móveis de Colônia (19—25/01/04), os irmãos Bouroullec de Paris, como também os irmãos Campana de São Paulo, apresentam sua visão da futura casa ideal. "Acho que conquistamos os únicos dois pares de irmãos do mundo que trabalham juntos como designers para o nosso projeto Ideal House Cologne", diz Andrej Kupetz, presidente do Conselho Alemão de Design (Rat für Formgebung). "Gostamos da idéia de poder criar o interior completo de uma casa. Nunca fizemos algo parecido", explica Humberto Campana, de 50 anos, "e adoramos pensar em utopias."

Sua utopia da casa ideal parece ser uma barraca de favela: as paredes feitas de sarrafos, martelados um em cima do outro. As inspirações de Fernando e Humberto Campana, que desde 1983 trabalham juntos, vêm da grande metrópole São Paulo. "No Brasil conhecemos o fenômeno da arquitetura espontânea há muito tempo", diz Humberto Campana. "Lá, as pessoas simplesmente constroem casas, mesmo sem ter planos exatos."

Deitar em Boas

Para suas construções, eles usam materiais jogados nas ruas: sarrafos de madeira, fibras de coco, pedaços de cordas, restos de mangueiras de borracha e caixas de papelão. "Usamos o que catamos." Para Humberto Campana, também é uma forma de poupar reservas naturais. "Motivos ecológicos poderão forçar-nos a cuidar melhor das nossas reservas. Hoje, o aquecimento global já é óbvio. Por isso é bem possível que daqui em diante vamos passar mais tempo dentro de casa", suspeita o mais velho dos irmãos.

E já que corremos o risco de ficar presos dentro das nossas salas e quartos, os Campana criaram em Colônia uma casa ideal para sentir-se à vontade. No meio do espaço, um vulcão feito de fios de ráfia convida a relaxar. Os jovens cansados de andar pelos 14 pavilhões da feira aceitavam agradecidos esse pólo de tranqüilidade: deitavam-se na cadeira-cama no meio do vulcão para sonhar um pouco ouvindo a voz de Maria Bethânia. Apenas o sofá Boa, feito de tubos de veludo trançados, robou-lhe o show. Quem se deitou não conseguiu resistir: entregou-se ao sono e dormiu. A cadeira Favela, por sua vez, provocou algumas "reclamações": "Depois de um tempo sentado, uma almofadinha faria bem", disse um visitante sorrindo.

Artesãos sem jeito

"Todo mundo sabe construir uma casa", acredita Humberto Campana. "No Brasil é a coisa mais natural que os vizinhos e os amigos ajudem quando alguém constrói uma casa." Em vez de oferecer padrões, os designers oferecem propostas flexíveis. "Na verdade, chamar o projeto de Ideal House é nonsense", concordam os Bouroullec. "Não existe uma única casa ideal para todo mundo."

Os irmãos Bouroullec acreditam, como os brasileiros, que até gostaríamos nós mesmos de construir nossas casas, porque procuramos, cada vez mais, soluções individuais. Mas, ao contrário dos Campana, os franceses duvidam que todos nos sejamos bons artesãos. Segundo eles, a verdade é que muitas vezes não temos jeito nenhum. Por isso precisamos de materiais fáceis de manejar — grampos de plástico, por exemplo, ou placas de carpete ligadas com zíperes e tijolos leves de isopor. Módulos que estimulam a criatividade. "Mas criatividade sob instrução", avisam sorrindo, jogando uma indireta aos irmãos Campana, que nos vêem como fontes ilimitadas de fantasia.

Construções sem fim

Talvez seja o modo de vida que cria tanta fantasia: "No Brasil as obras sempre viram festas. Além de trabalhar, o povo toma cerveja e dança samba", afirma Humberto Campana. Alegria que os irmãos paulistas quiseram trazer para a feira de Colônia também. Estava previsto que os visitantes da feira pudessem martelar e pregar no espaço da Ideal House Cologne, realizando sua idéia da moradia ideal. Mas, infelizmente, não vamos descobrir se realmente somos todos criaturas criativas. "Desistimos dessa idéia, porque, afinal, é uma feira e o barulho poderia incomodar os outros expositores", justifica Andrej Kupetz.

Assim, a casa em construção virou casa pronta — o oposto da idéia original dos Campana, já que em seus olhos, como na opinião dos Bouroullec, a casa é algo flexível, que muda e se adapta às necessidades dos seus moradores. "Primeiro, a família ganha um filho, depois de dois anos vem mais um. Mais três anos, aparece o caçula. Depois o marido se separa da mulher", diz Erwan Bouroullec com um piscar de olhos. "A nossa idéia de casa acompanha perfeitamente todas essa mudanças." E o melhor: na casa de Erwan e Ronan Bouroullec, a mudança não é demorada. Derrubar uma parede e levantar em outro canto — no máximo uma hora. Aumentar o carpete — nem cinco minutos. "Construímos nossa casa ideal toda em apenas quatro horas", diz Erwan, "e vamos levar tudinho novamente em alguns poucos sacos plásticos."