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Cinco escritores brasileiros mostram diversidade da literatura do país

Ricarda Otte (mas)9 de outubro de 2013

Em vídeos registrados pela Deutsche Welle, cinco autores brasileiros leem trechos de seus livros que falam do cotidiano difícil de brasileiros e abordam do racismo à superstição.

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Foto: DW/R. Otte

Nos últimos meses, o Brasil atraiu os olhares de todo o mundo. Os motivos não foram apenas os megaeventos internacionais que o país sediou e que vai realizar, como a visita do Papa, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, mas principalmente os maiores protestos populares dos últimos 20 anos e que exigem alterações fundamentais em vários setores.

Esta semana, porém, o país também ganha destaque pela literatura. O Brasil é o convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt – a maior do segmento no mundo – e, consequentemente, nunca tantos livros brasileiros ganharam tradução para o alemão em tão pouco tempo.

A Deutsche Welle esteve em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre e conversou com cinco vozes da literatura contemporânea no país. Nos vídeos, os autores leem passagens de seus livros e dão uma impressão sobre as suas obras, que acabam de ser lançadas na Alemanha.

Eles eram muitos cavalos, de Luiz Ruffato (em alemão, Es waren viele Pferde, da Assoziation A)

À primeira vista, Luiz Ruffato parece modesto em bem-humorado, o que faz com que seus textos impactantes e afiados causem espanto em alguns leitores. Ruffato descreve-se como filho de um vendedor de pipocas semianalfabeto e de uma lavadeira analfabeta. Em 1990, ele se mudou de Minas Gerais para São Paulo para trabalhar como jornalista. Em seu primeiro mês na megalópole, ele dormiu na rodoviária e só conseguiu pagar uma pensão depois de receber seu primeiro salário.

Luiz Ruffato lê um trecho de "Eles eram muitos cavalos"

Em 2012, seu primeiro livro foi lançado na Alemanha. Eles eram muitos cavalos foi publicado no Brasil em 2001, onde havia recebido importantes prêmios literários.

O livro conta 69 episódios da difícil vida cotidiana de pessoas comuns em São Paulo. "Como já existem muitas pessoas escrevendo literatura sobre profissionais liberais, escritores, artistas plásticos, bandidos e traficantes, eu reservei um pedacinho sobre os personagens sobre os quais ninguém fala, que são os trabalhadores. São as pessoas que estão no metrô, por exemplo, que saem de casa cedo, vão para trabalhar, voltam, ou seja, são as pessoas que precisam estar circulando para sobreviver", explicou Ruffato.

Ainda nesse ano, o primeiro livro da série Inferno Provisório, de cinco volumes, deve ser lançado em alemão, na qual ele também dá voz a esses personagens esquecidos.

Os Malaquias, de Andréa del Fuego (em alemão, Geschwister des Wassers, publicado pelo Carl Hanser Verlag)

Andréa del Fuego também vive em São Paulo. Também ela tem suas raízes em Minas Gerais. Sua estreia na Alemanha – Os Malaquias – se destaca da nova onda de lançamentos com seu tom especial, seu melancólico amor pela tecnologia e sua consciente jornada pelo passado.

Andréa del Fuego lê um trecho de "Os Malaquias"

A autora transformou um capitulo de sua história familiar em literatura: seus bisavós morreram atingidos por um raio. Os três filhos do casal, que dormiam na mesma casa, sobreviveram, mas acabam separados.

Nico, o mais velho e avô da autora, permaneceu no vale, onde ficava a casa, e trabalhava para um latifundiário. Os dois mais novos foram viver em um orfanato na cidade. A história nas mãos de del Fuego se tornou uma obra de realismo fantástico, que também observa a chegada da eletricidade e, consequentemente, a chegada da modernidade na região, já que o vale é inundado para a construção de uma barragem.

Andréa del Fuego, que já havia escrito livros infantis, ganhou com seu primeiro romance, em 2011, o Prêmio José Saramago, um dos mais importantes da língua portuguesa. "O leitor português é muito poético. Não é só o escritor que é poético, mas também o leitor. E [assim] eu encontrei, por assim dizer, os meus irmãos. O livro encontrou com a sua família, que não estava só no sul de Minas Gerais, mas estava também em Portugal. E, a partir do prêmio, se prestou mais atenção no livro no Brasil", disse del Fuego.

Habitante Irreal, de Paulo Scott (em alemão, Unwirkliche Bewohner, publicado pela Klaus Wagenbach)

Encontramos Paulo Scott no jardim do Museu do Índio em Botafogo, no Rio de Janeiro. Seu livro – Habitante Irreal – talvez seja o mais perturbador entre os cerca de cem novos títulos brasileiros que chegam ao mercado alemão.

Paulo Scott lê um trecho de "Habitante irreal"

Scott conta, de maneira implacável, a malfadada história de amor entre Paulo, um estudante de direito, e Maína, uma menina índia. O romance trata do racismo no Brasil e das condições desumanas nas quais famílias indígenas vivem no país atualmente: empobrecidos e à beira de estradas, reduzidos a pedintes ou apenas artesãos.

O livro também traça um panorama político do Brasil nas últimas décadas, passando pelas batalhas ideológicas dentro do Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 1980 até os últimos dez anos do partido na Presidência da República.

O romance começa em Porto Alegre, mas também leva o leitor para a Europa logo após a queda do Muro de Berlim, além de relatar também a squatter (de ocupações de casas) em Londres. Em algum momento, a narrativa retorna ao Brasil para um julgamento contra Donato, filho de Paulo e Maína, protagonista de performances desconfortáveis.

Paulo Scott foi o primeiro escritor de sua geração a dedicar uma obra à situação dos índios no Brasil. "A temática indígena não é exatamente algo que venda aqui no Brasil e que interesse o leitor brasileiro. Por incrível que pareça, o leitor brasileiro presta mais atenção, por exemplo, em questões que são distintas e longínquas da nossa realidade do que por problemas e conflitos nacionais", afirmou.

O livro foi aclamado pela crítica e recebeu o Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional 2012.

Paisagem com dromedário, de Carola Saavedra (Landschaft mit Dromedar, publicado em alemão pela CHBeck)

O livro Paisagem com dromedário de Carola Saavedra se passa em uma remota ilha – a autora revelou que se trata da ilha espanhola de Lanzarote. Saavedra nasceu no Chile, cresceu no Brasil e concluiu seus estudos na Europa.

Carola Saavedra lê um techo de "Paisagem com Dromedário"

Dos dez anos que viveu no continente, passou oito na Alemanha. "Acho que, se não fossem os dez anos fora do Brasil, e principalmente os oito anos na Alemanha, eu não teria escrito o que escrevi. Mas, mais do que isso, eu não teria me tornado uma escritora. Foram anos de formação", explicou Saavedra. O que marcou particularmente a autora foi o acesso irrestrito à arte, bibliotecas e a educação.

Seu romance revê um triângulo amoroso entre um casal de artistas, juntos há muitos anos, e uma estudante, que morre subitamente de câncer. A história é narrada do ponto de vista da artista que foge para a ilha após a morte da estudante. Lá, ela tenta se redescobrir, refletir sobre seu relacionamento e sua arte. Ela registra seus pensamentos em gravações, que grava para o namorado. Mas ela também pode estar montando uma instalação artística. Trata-se de uma trama complicada e de uma confusão interessante.

Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera (em alemão, Flut, publicado pela Suhrkamp)

Encontramos com Daniel Galera no chuvoso inverno de Porto Alegre. Seu romance, Barba ensopada de sangue, é uma sombria história familiar, que se passa em Garopaba, paraíso dos surfistas em Santa Catarina.

Daniel Galera lê um trecho de "Barba ensopada de sangue"

Um jovem, cujo pai acabou de cometer suicídio, se muda para a cidade litorânea para descobrir o que aconteceu com seu avô no balneário. Supostamente, há décadas, ele foi assassinado durante uma festa na cidade, mas seu corpo nunca foi encontrado. O personagem principal é evitado pelos locais, que o tratam com desconfiança. Sua assustadora semelhança com seu avô evoca lembranças desagradáveis nos idosos da pequena cidade. Outro motivo para o jovem se estabelecer no local, é porque ele sofre de prosopagnosia, doença rara que o torna incapaz de reconhecer rostos.

Galera retrata uma realidade que é formada por mitos e superstições, mas também pela corrupção e pelo impacto da globalização, o que cria uma mistura cativante. "Quando eu era criança, uma vez fomos a Garopaba e ele [meu pai] me contou uma história sobre uma pessoa que teria sido assassinada mais ou menos nas mesmas circunstâncias em que o avô do protagonista do meu livro é assassinado. Essa história foi contada ao meu pai por um pescador nos anos 1970. Meu pai não sabe se ela é verdade. Mas ela me marcou, ficou na minha imaginação por muitos anos, até recentemente.