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Documenta questiona noção ocidental de democracia

Simone de Mello, de Berlim31 de outubro de 2001

Encerrou-se em Berlim a plataforma de debates sobre "democracia como processo inacabado".

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Ao inaugurar a primeira Documenta de Kassel, nas ruínas no Fridericianum, dez anos após o fim da Segunda Guerra, o pintor alemão Arnold Bode pretendia resgatar a arte de vanguarda excluída pelo regime nazista e recontextualizar a arte jovem alemã na tradição européia. Sob o signo da destruição do World Trade Center, a Documenta XI prosseguiu – na plataforma de Berlim (16-30/10) – o debate sobre as condições de produção e distribuição da arte contemporânea, convidando teóricos não-europeus a refletir sobre identidade cultural no chamado mundo globalizado.

Apesar das radicais mudanças ocorridas nos últimos 46 anos, a Documenta continua destacando o papel construtivo da arte num cenário de constantes rupturas políticas. Só que, agora, a Europa já questiona sua posição como centro auto-suficiente de efervescência cultural.

Expectativas - A próxima exposição internacional de Kassel, aberta de junho a setembro de 2002, vai incluir todas as contradições manifestadas nas plataformas preparatórias, segundo anunciou o curador Okwui Enwezor, na terça-feira (30), por ocasião do encerramento dos debates ocorridos em outubro na Casa das Culturas do Mundo, em Berlim.

Para dar ouvidos a todas essas vozes, o nigeriano naturalizado americano precisará, no entanto, de um espaço maior do que o Fridericianum, a Orangerie e os demais locais de exposição em Kassel. Ele precisará de uma concepção convincente, que não apenas reflita a relação entre os “centros” e as “periferias” da produção artística contemporânea, mas também questione a parcialidade das estruturas ocidentais de distribuição de arte. Esta é, pelo menos, a expectativa de quem acompanhou os debates da plataforma Democracy Unrealized, iniciada em Viena e finalizada em Berlim.

Apesar de divergências teóricas e metodológicas, as abordagens dos conferencistas africanos, sul-americanos e asiáticos apresentadas em Berlim, parecem ter algo em comum: elas questionam a eficácia e a universalidade das democracias neoliberais como mecanismo de constituição de identidades culturais (no plural). Enquanto o teórico indiano Homi Bhabha, um dos mentores dos estudos pós-coloniais, desconstrói a noção ocidental de “civilização”, demonstrando sua parcialidade, o cientista político argentino Ernesto Laclau desmascara os mecanismos de exclusão social intrínsecos às democracias neoliberais.

Atualidade do tema - Com o acirramento da chamada “guerra contra o terrorismo”, o evento da Documenta ganhou uma atualidade ainda maior, propondo-se questionar até que ponto é possível impor um modelo ocidental de democracia às sociedades islâmicas.

Quem com certeza poderia trazer argumentos fundamentais para esta discussão seria a feminista egípcia Nawal al-Saadawi, um nome na lista negra dos fundamentalistas islâmicos, não inteiramente imune a críticas ocidentais. Mas ela recusou de última hora sua participação no evento, por motivos de segurança pessoal. Sua ausência no debate se torna quase simbólica, diante do vácuo de conhecimento sobre a identidade cultural islâmica, que a mídia ocidental está tentando preencher só agora.

Quanto ao papel ambivalente dos Estados Unidos como um modelo de democracia neoliberal que, em sua política externa, sustentou regimes ditatoriais em quase todos os continentes, a opinião dos conferencistas é unânime. Esta acusação perpassou o discurso de Ernesto Laclau, do economista chinês Zhiyuan Cui e do historiador indiano Harbans Mukhia.

Diante da atualidade da chamada “guerra contra o terrorismo”, a plataforma da Documenta sobre “democracia como processo inacabado” se transformou inevitavelmente numa denúncia implícita da ilegitimidade dos bombardeios norte-americanos no Afeganistão.

A urgência da guerra ofuscou o papel da arte, que não foi mencionado diretamente em nenhuma das conferências da plataforma de Berlim. Resta saber até que ponto a exposição de Kassel poderá pelo menos esboçar uma resposta e mostrar como representar o pluralismo das identidades culturais, além dos limites do eurocentrismo e das instituições culturais do Ocidente.