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"Edição genética abre caminho para prevenção do HIV"

Jessie Wingard (fc)5 de fevereiro de 2016

Após Reino Unido autorizar modificação de genes em embriões humanos, pesquisador americano George Daley anuncia que estudos vão abrir chances inéditas para a medicina, como prevenção da aids e reversão da cegueira.

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DNA-Model Doppelhelix
Foto: picture-alliance/dpa/A. Warmuth

Numa decisão histórica, a Autoridade para Embriologia e Fertilização Humana do Reino Unido aprovou nesta segunda-feira (01/02) a realização em embriões humanos de experimentos relacionados à edição genética.

Os cientistas não poderão implantar os embriões manipulados, só podendo realizar as experiências durante os primeiros sete dias de desenvolvimento. O objetivo, segundo os pesquisadores, é compreender melhor o desenvolvimento humano, numa tentativa de melhorar os tratamentos de fertilidade e prevenir abortos espontâneos.

Apesar da maciça oposição a esse tipo de pesquisa, o professor da Harvard Medical School George Daley acredita que os estudos vão gerar oportunidades inéditas e amplas para a medicina humana – como o tratamento de células da retina para reverter a cegueira ou a criação de células sanguíneas resistentes ao vírus HIV, causador da aids.

"Há realmente algumas possibilidades interessantes para o tratamento e a prevenção do HIV a partir desta tecnologia", afirma em entrevista à DW o especialista americano, que também é diretor do Programa de Transplante de Células-Tronco do Hospital Infantil de Boston.

Deutsche Welle: O que os cientistas esperam conseguir com a modificação de genes, sancionada pelo Reino Unido?

George Daley: A edição genética é uma técnica muito poderosa que nos permite manipular genes, cortá-los e alterar suas sequências. E, fazendo isso no estágio inicial de embriões humanos, podem-se revelar muitas informações importantes sobre como eles se desenvolvem.

Normalmente estudamos o desenvolvimento embrionário em modelos animais – camundongos, vacas, porcos e afins –, mas sabemos que o embrião humano é muito específico. Ele é diferente, e os princípios que aprendemos em ratos e outros mamíferos não se aplicam aos humanos. Por isso, esse trabalho é muito importante.

É inegável que a edição genética é um assunto muito controverso. Os potenciais benefícios do que podemos aprender a partir dessa pesquisa compensam os temores existentes?

Acredito que sim. Os aspectos controversos desse trabalho são realmente relativos à modificação genética em bebês, no contexto da fertilização in vitro. O que se aprovou no Reino Unido foi apenas a realização de pesquisas de base, em laboratório, sobre a natureza do desenvolvimento inicial do embrião humano.

Esse é um trabalho incrivelmente importante, que nos vai ensinar sobre a infertilidade, as bases do aborto, permitir a compreensão dos estágios iniciais do desenvolvimento humano e dos defeitos congênitos. Isso é de importância fundamental, e acho que podemos distinguir o trabalho realizado no laboratório da espinhosa questão do uso dessa tecnologia para mudar características de indivíduos humanos.

Isso é algo em que eu pedi moderação, como membro de um grande grupo de cientistas, simplesmente para nos permitir entender as questões de segurança envolvidas. Porém, ainda mais importante, também para participar de um debate público, de forma a alcançarmos um consenso social sobre quais seriam os usos permissíveis – se houver algum – versus o que queremos restringir.

George Daley
George Daley dirige o Programa de Transplante de Células-Tronco do Hospital Infantil de BostonFoto: Privat

Se nos afastarmos da produção de bebês e focarmos em seres humanos que já vivem, a pesquisa da edição genética pode ser empregada na cura de doenças existentes?

Há uma promessa enorme no uso dessa poderosa tecnologia de edição genética nos tecidos somáticos, do corpo, sem envolver nem bebês e nascimentos por fertilização in vitro, nem a linhagem germinativa [relativa a óvulos e espermatozoides].

Por exemplo: em várias doenças sanguíneas, como a anemia falciforme – uma dolorosa formação de glóbulos vermelhos anormais – há uma estratégia onde se pode usar essa técnica para alterar uma única, mínima parte das células do sangue. Isso essencialmente atenuaria – pelo menos é o que prevemos – as devastadoras consequências da anemia falciforme.

Os cientistas vislumbram outras aplicações, como tornar as células sanguíneas resistentes ao vírus HIV e tratar as da retina para reverter a cegueira. O potencial é realmente vasto, na medicina humana.

Como esse tipo de tecnologia poderá ajudar na pesquisa de HIV e da aids?

A aplicação mais específica tem a ver com a fascinante observação, feita há alguns anos, em certos indivíduos que são resistentes ao HIV. Eles possuem uma variante genética particular num receptor – que é uma espécie de local de ancoragem para o vírus na célula. Em praticamente todos os outros aspectos, esse indivíduos parecem ser saudáveis. A estratégia envolvendo edição genética seria cortar esse receptor, para eliminar a proteína receptora das células saudáveis, tornando-as resistentes à infecção virótica.

Essa é uma estratégia passível de ser usada terapeuticamente e em indivíduos já infectados – isso está sendo testado. Contudo o mais importante é que ela pode, de fato, ser usada como uma abordagem quase que de vacina para prevenir o HIV. Há realmente algumas possibilidades muito estimulantes de tratamento e prevenção do HIV, empregando essa tecnologia.

Há quem diga que a edição compromete a configuração genética dos embriões. O que os cientistas podem fazer para convencer os céticos dos benefícios?

Bem, em primeiro lugar, os cientistas têm que trabalhar duro. Eles realmente precisam fazer uma pesquisa meticulosa, provando que, com grande precisão e segurança razoável, realmente se podem alterar genes – de preferência relacionados a doenças humanas – e assim provar o valor [da edição genética]. Acho que, em primeiro lugar, isso será realizado clinicamente em tecidos somáticos, talvez no contexto de um transplante de medula óssea ou de uma terapia genética para uma doença sanguínea.

Depois, no longo prazo, não compete realmente aos cientistas decidir como ela é usada; se será empregada na mudança de características humanas reais, na linhagem germinativa. Essa é uma decisão que deveria envolver uma gama muito mais ampla de partes interessadas, e da qual acho que estamos bem longe: só estamos começando a pensar sobre esse processo.

Menschliche Embryo-Zellen unter dem Mikroskop
Críticos temem comprometimento do patrimônio genético dos embriõesFoto: picture alliance/landov

O anúncio do Reino Unido sobre a autorização da edição genética abre um precedente na comunidade científica?

Toda vez que se obtém uma aprovação – mediante um processo de supervisão científica certamente muito rigoroso –, isso tem, de fato, caráter de mensagem. Ela encorajaria outros cientistas a dizerem: "Nós poderíamos, com uma pesquisa igualmente autorizada, obter aprovações e fazer o campo avançar."

Eu participo da atualização das diretrizes da Sociedade Internacional de Pesquisa de Células-Tronco. Planejamos publicar essas diretivas formais em março. Elas fornecerão o processo de supervisão necessário ao avanço desse tipo de pesquisa. Trata-se de uma supervisão rigorosa, envolvendo tanto a revisão pelos pares científicos como análise ética e social.

Nossa esperança é que, em todo o mundo, os cientistas considerem este tipo de pesquisa – ela é importante, portanto nós esperamos que muitos vão considerá-la –; que eles o façam de maneira altamente responsável, convidando à supervisão, ao tipo de escrutínio externo que daria ao público a confiança de que o trabalho em curso é altamente justificado.

Vai ser preciso um Prêmio Nobel para a edição genética humana se tornar mainstream e aceitável?

Ela já faz parte do mainstream. Todo o mundo prevê que essa tecnologia será premiada com um Nobel. Mas vai ser difícil fazer justiça aos muitos cientistas que fizeram contribuições importantes, pois o Nobel só pode ser concedido a três deles. Mas essa tecnologia já foi absorvida pelos maiores laboratórios de biologia molecular em todo o mundo. É uma técnica tão poderosa, de fácil tão aplicação, que simplesmente tomou a comunidade científica de assalto.

Isso significa que ela vai se integrar à pesquisa do câncer, de doenças infecciosas. E há muitas outras aplicações fora da biomedicina. Você já deve ter ouvido que há estratégias de alterar as plantas a fim de torná-las resistentes a doenças; estratégias de modificar mosquitos para deixem de ser um vetor para a malária ou para o vírus zika.

Os impactos para a biomedicina são enormes, mas aqueles para a agricultura global e o ecossistema também são tanto promissores quanto desafiadores, e requerem uma revisão extremamente cuidadosa, antes de serem lançados.