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Ehud Barak: Revelação de grampo contra Merkel foi "toque de despertar"

Spencer Kimball (md)17 de novembro de 2013

Ex-premiê e atual ministro da Defesa de Israel não se surpreendeu com revelações de Snowden sobre a NSA. Ele confia nos EUA, e crê que escândalo de espionagem abre chance para que governos conversem sobre o assunto.

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Foto: Reuters

O atual ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, já foi primeiro-ministro do país, além de ministro do Exterior e chefe do Estado-Maior. Com décadas de experiência em assuntos de inteligência, ele é o militar israelense mais condecorado.

Em entrevista à Deutsche Welle, ele diz que sempre parte do pressuposto de que também é alvo de espiões estrangeiros e que não ficou surpreso com a revelação do suposto grampeamento do telefone celular da chanceler federal alemã, Angela Merkel, por espiões norte-americanos.

Barak afirma, entretanto, confiar nos EUA e acreditar que o caso serviu como um "toque de despertar", levando as democracias ocidentais a conversar sobre o assunto com o fim de superar diferenças e encontrar novas diretrizes.

DW: Durante sua palestra na Cúpula sobre Segurança Cibernética, realizada em Bonn, o senhor mencionou que as capacidades ofensivas são maiores do que as capacidades defensivas, no que concerne às ameaças à segurança cibernética. Através do escândalo da Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana, viu-se em que dimensão os governos são capazes de espionar. O que cidadãos, políticos e empresariado podem fazer para se proteger desse tipo de vigilância?

Ehud Barak: Não acho que devemos considerar isso uma competição ou luta entre o governo americano, ou outros governos, e os cidadãos. Não acredito que Washington tivesse a intenção de espionar cidadãos, permitindo que a NSA faça o que está fazendo. Basicamente, eu acredito neles. Eles estão tentando deter o terrorismo e, provavelmente, acabaram descambando para um tipo mais genérico de operação.

A resposta deve partir dos governos, não dos cidadãos. Se o governo alemão ou francês ou outros da Europa querem discutir esta questão com os norte-americanos, e esperam que eles colaborem, então têm que se sentar juntos e esclarecer o que aconteceu. O que fazem serviços secretos norte-americanos, o que fazem os outros – incluindo os europeus? E definir em conjunto as regras para o futuro. Minha experiência com os americanos é que, uma vez que eles aceitam uma regra, passam a respeitá-la.

Em minha opinião, toda operação – seja da NSA ou de outras organizações – não deve ser apenas fiscalizada pelos superiores nos serviços de inteligência, mas também pela Justiça. Um juiz ou grupo de juízes deve ter acesso total aos detalhes da operação e esclarecer os aspectos jurídicos. Aí, subcomissões do Legislativo devem verificar o trabalho, e para tal precisam poder penetrar nos procedimentos. Acredito até que esse foi o caso com os americanos, mas se não funcionou, então precisa ser melhorado.

O verdadeiro desafio são os "bandidos", os que querem causar danos. Podem ser hackers, mas também governos mal-intencionados. É aí que se deve agir, para combater o terrorismo e tudo o que possa abalar a ordem mundial. E para tal, os serviços secretos precisam de determinadas capacidades.

E no que diz respeito à transparência? Sabemos que nos Estados Unidos o aspecto judicial dos serviços de inteligência é mantido em segredo.

O conteúdo desse trabalho não pode ser totalmente transparente, pois envolve interesses nacionais. Mas as estruturas do sistema de controle devem ser transparentes e conhecidas do público. Ele precisa saber quem são os juízes envolvidos, que subcomissões existem no Congresso ou em outros parlamentos, e quem atua nessas comissões. Isso é justo.

O senhor mencionou na cúpula cibernética que, quando viaja para capitais estrangeiras, sempre pressupõe que as agências de inteligência o estão monitorando. Na Alemanha, a notícia de que a chanceler Angela Merkel fora vítima de espionagem causou muito alvoroço, tanto entre cidadãos como entre políticos. Por que ela não partia do mesmo pressuposto que o senhor?

Não sei. Eu passei décadas nos serviços de inteligência de Israel e tive contato com a maioria dos principais serviços do mundo. Na verdade, não sei se estou sendo vigiado, mas parto do princípio que sim. É claro que essas revelações sobre a espionagem à chanceler Merkel são embaraçosas. Mas o aspecto positivo de todo o episódio é que ele serviu para nos despertar, agora temos a possibilidade de sentarmos juntos para conversar. Americanos e alemães não são rivais, são aliados.

Quanto à segurança de Israel, quem são os vilões digitais contra os quais o país tenta proteger suas redes cibernéticas?

É claro que o Hisbolá e o Irã são os principais atores. Os iranianos têm capacidades cibernéticas muito avançadas, o Hisbolá, nem tanto – mas ambos são muito astutos. O que eles não têm agora, certamente vão ter em breve. Para hackear, não se precisa de formação universitária, muitos jovens crescem com computadores na mão, sabem intuitivamente como lidar com eles e como se transformarem em hackers.

Nos debates da cúpula cibernética, muitos citaram Israel como modelo de segurança cibernética. O que é que o país pode transmitir aos demais?

Sempre estivemos ameaçados. Nosso país está cercado de perigos: não há misericórdia para os fracos nem segunda chance para os que não têm como se defender. Temos que estar atentos e nos proteger. Assim, quando percebemos, há muitos anos, que esse ia ser um assunto importante, começamos a nos preparar, tanto na defesa como em outros campos. Temos que nos manter fortes e continuar, independente do que aconteça em torno de nós. Precisamos de sistemas de armas, de uma força aérea forte e de boas forças especiais, também no setor da segurança digital.

Israel tem cooperação estreita com a NSA?

Temos uma relação muito próxima com as comunidades de inteligência norte-americana, alemã, francesa e britânica. Por questões históricas, cooperamos mais estreitamente com os americanos. Nós compartilhamos informações sobre o terrorismo internacional e sobre o programa nuclear iraniano, mas também sobre os desdobramentos mais recentes no Oriente Médio.

Se é fato que Israel e os europeus estão cooperando de forma tão estreita com os EUA, então por que essa enorme surpresa quando as revelações sobre a espionagem da NSA vieram a público?

Bom, eu não fiquei nem um pouco surpreso. Edward Snowden só trouxe detalhes à tona – coisa que, aos olhos da opinião pública, parece especialmente sexy. Mas não acredito que qualquer um que trabalhe para os serviços secretos, ou tenha qualquer contato com os serviços de segurança nacional e investigações, tenha ficado surpreso.

Certamente há coisas a se corrigir aqui, e isso deve ser feito. Mas o fato não deve nos levar ao extremo oposto: essas revelações não podem fazer que nos tornemos ingênuos e ineficazes.