1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Eleição antecipada pode prolongar Brexit

Samira Shackle, de Londres av
19 de abril de 2017

Com a aprovação do Parlamento, está aberto o caminho para o pleito nacional no Reino Unido em 8 de junho. Tão inesperada quanto arriscada, jogada de May pode tornar negociações para saída da UE ainda mais longas.

https://p.dw.com/p/2bY9b
England Wahlen
Foto: Getty Images/AFP/J. Tallis

À medida que passa a surpresa com a decisão da primeira-ministra britânica, Theresa May, de convocar eleições gerais antecipadas para 8 de junho próximo, acumulam-se as especulações sobre seus reais motivos. Em especial porque, ao assumir o cargo em julho de 2016, ela negou ter tal intenção.

O próximo pleito legislativo no Reino Unido estava agendado para 2020, mas a legislação permite uma antecipação, caso a convocação seja aprovada por pelo menos dois terços do Parlamento – como foi o caso nesta quarta-feira (19/04).

Falando à emissora BBC, a premiê conservadora comentou que "nenhum político quer realizar uma eleição só por realizar". Isso não impede que muitos continuem se perguntando, por todo o país: mas eleição para quê?

"Há três explicações", diz Matthew Cole, docente de história da Universidade de Birmingham. "A primeira é a que May nos deu: que quer enfrentar o 'obstrucionismo' no Parlamento. Mas essa não é plausível, pois ela não foi derrotada no órgão."

"O segundo é puro cinismo eleitoral. O terceiro é que ela queira ganhar tempo para o Artigo 50 [do Tratado da União Europeia, que regula a saída de um Estado-membro], depois do prazo de 2019. Ela não quer se arriscar a ter que responder, na eleição geral em 2020, por negociações muito provavelmente incompletas. Seja qual for a explicação, trata-se de uma decisão arguta e de visão."

O prazo até 2019 é extremamente apertado para negociações tão complexas como as do Brexit, ainda mais com tempo de deliberações sendo consumido pelas eleições gerais deste ano na Alemanha e na França – antes do acréscimo desse pleito britânico.

"É um segredo público que 2019 não passará de uma parada intermediária em qualquer trajetória – e ele ficou um pouco mais público ontem", resume Cole.

May pode aumentar bancada

Embora as sondagens eleitorais tenham se mostrado notoriamente pouco confiáveis nos últimos tempos – por exemplo, ao predizerem a vitória dos partidários da permanência na União Europeia, no referendo de junho de 2016 –, as indicações atuais são de que May poderia engordar significativamente sua maioria parlamentar.

"Este anúncio eleitoral deixa claro que a premiê sente que é simplesmente lucrativa demais, para deixar passar, a oportunidade de reforçar não só o mandato de seu partido, mas também o dela própria, num momento em que procuram avançar com o Brexit", analisa Sophie Gaston, diretora de projetos internacionais do think tank  Demos, de tendência esquerdista.

"O dano que o Partido Trabalhista quase certamente sofrerá nas urnas, sob [seu líder, Jeremy] Corbyn, vai reduzir mais ainda as forças opositoras a um 'Brexit duro'. Mas isso também ameaça erodir fundamentalmente o contrapeso político que vinha mantendo a política britânica no campo central por tantos anos, antes do referendo."

A parte da imprensa do país que há anos defende o Brexit manifestou júbilo nesta quarta-feira. A primeira página do Daily Mail, por exemplo, incitava que May "Esmague os sabotadores", enquanto The Sun  apelava por um "Assassinato azul", em referência à cor dos conservadores.

"O problema é que se trata de uma tentativa de encerrar um debate que ninguém conseguiu encerrar em 40 anos", diz o professor universitário Matthew Cole. "O debate europeu não vai embora: assim como a água, ele encontra o seu caminho. É compreensível que May deseje ter cartas na mão e um nível de apoio de seu país tão fortes quanto possível. O fato é que, a partir de um certo ponto, o desejo de silenciar a oposição causa mais dano do que a oposição teria causado."

Poucos dados confiáveis

Obviamente, como é o caso de qualquer voto público, May está se arriscando numa aposta. "A eleição traz mais riscos do que parece. Raramente as sondagens são muito precisas no Reino Unido, e é difícil decifrar como o apoio se traduzirá em assentos parlamentares, no sistema britânico de 'primeiro entregue o cargo'", explica Tom Follett, diretor de políticas e projetos no think tank  de direita Respublica. "As eleições do passado mostram que os eleitores não têm feito o que se espera deles."

Entre os numerosos fatores imprevisíveis nesse escrutínio está o papel dos partidos menores. Os liberal-democratas, que no momento só têm nove deputados em Westminster, procuram elevar drasticamente sua quota, defendendo uma plataforma abertamente anti-Brexit. Isso pode "levar a qualquer lugar, desde uns poucos assentos a mais até o suficiente para eliminar a maioria do governo", comenta Follett.

Outra possibilidade é que o eleitorado, acometido de fadiga de urnas após o referendo de 2016 e as eleições gerais do ano anterior, acabe não comparecendo em grande número ao escrutínio.

"Como sempre neste estranho novo panorama político, não há dados realmente conhecidos. Mas é preciso ser um expert bem corajoso para apostar em qualquer resultado que não seja uma poderosa vitória para a primeira-ministra em 8 de junho", assegura a esquerdista Sophie Gaston.